NOVA YORK - Para a Fitch Ratings, o Brasil não tem condições de avançar mais uma casa, rumo ao grau de investimento perdido em 2015. Antes disso, precisa apresentar uma consolidação fiscal efetiva, ou seja, colocar as contas no azul em um nível que permita a dívida do País como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), uma das principais métricas olhadas por estrangeiros na hora de investir, se estabilizar e enveredar em uma trajetória de queda.
Após ter melhorado o rating do Brasil há pouco mais de um ano, para ‘BB’, ou seja, a dois passos do grau de investimento, a classificadora reafirmou a nota, com perspectiva estável, em junho passado. Na prática, significa que o perfil de crédito do País não terá mudanças no curto prazo, sejam elas boas ou ruins.
“Não vemos isso como altamente provável no futuro imediato. Então, por enquanto, não enxergamos o Brasil em um caminho claro em direção a outra melhora após a que fizemos no ano passado”, diz o diretor sênior de Soberanos na Fitch Ratings, Todd Martinez, ao Estadão/Broadcast.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
A Fitch reafirmou o rating do Brasil em junho, mantendo perspectiva estável. Existe alguma chance de uma melhora na nota no curto prazo?
Revisamos o rating do Brasil em junho, e mantemos BB, com perspectiva estável, cuja definição é a de que não vemos mudanças positivas ou negativas. Não vemos isso como altamente provável no futuro imediato. Então, por enquanto, não enxergamos o Brasil em um caminho claro em direção a outra melhora após a que fizemos no ano passado. Por um lado, os pontos fortes do Brasil permanecem intactos. O País tem um Banco Central confiável e proativo, uma posição de reservas internacionais muito grande. É uma grande economia diversificada. O crescimento é uma fraqueza de longa data no Brasil, mas o País tem nos surpreendido positivamente.
Leia também
E o que falta?
As peças que estão faltando ainda são as finanças públicas. O Brasil tem alta dívida em relação ao PIB e, comparado aos países na categoria BB, é uma das que cresce mais rápido. Então, para pensarmos em um rating melhor para o Brasil e, certamente, um grau de investimento, gostaríamos de ver a consolidação fiscal, superávits primários consistentes com a estabilização e eventual redução da alta dívida do Brasil. E agora não temos essa visibilidade.
O próximo passo, então, teria de ser uma melhora na perspectiva do rating antes de elevar a nota em si?
Não necessariamente. Há muitos ratings que subiram ou desceram sem ter tido uma mudança de perspectiva, e o próprio Brasil é um exemplo. No ano passado, elevamos o rating do Brasil, embora a sua perspectiva fosse estável. Então, certamente, uma perspectiva estável não significa que é impossível que a classificação suba ou desça. Significa apenas que não vemos uma alta probabilidade de um movimento em nenhuma direção.
Mas, na atual circunstância, o Brasil conseguiria repetir o feito?
Para movermos o rating do Brasil para cima, o governo precisa entregar uma consolidação fiscal melhor do que as nossas projeções. Desde que atualizamos a nota, no ano passado, o crescimento tem nos surpreendido positivamente, mas as finanças públicas têm nos surpreendido um pouco negativamente.
A Fitch teve uma reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro Fernando Haddad em Nova York. Vocês ouviram algo nesta direção, quer dizer, de um maior esforço do governo em avançar em uma consolidação fiscal? Alguma medida pode vir após as eleições municipais?
Ficamos muito, muito gratos por aquela reunião e pela oportunidade de encontrarmos o presidente Lula e a equipe econômica, que não conhecíamos muito bem. Dito isso, nesses encontros, só ouvimos medidas que são de conhecimento público como os planos para o futuro. O governo manteve o compromisso de atingir as suas metas fiscais para os próximos anos e delineou uma série de medidas para persegui-las. Temos algumas questões sobre a viabilidade delas. Algumas das medidas fiscais deste ano decepcionaram do lado da receita gerada, e eu acho que há um risco semelhante para o próximo ano.
Exatamente o quê?
O governo está propondo alguns aumentos de impostos que parecem que podem ter um caminho difícil no Congresso, que já indicou resistência em elevar a carga tributária. Então, nessas reuniões e em suas declarações públicas, continuamos a ver um firme comprometimento por parte do governo em atingir as suas metas fiscais, mas ainda temos as mesmas dúvidas sobre a viabilidade dos seus planos.
O Brasil tem surpreendido em termos de crescimento. É um ritmo sustentável?
O Brasil é uma economia muito interessante, especialmente agora porque tem uma das taxas de juros reais mais altas do mundo, mas o mercado de trabalho está mais forte do que nunca. Há rumores de que a economia está superaquecendo agora, de acordo com o Banco Central. É um dos poucos países no mundo que está apertando a política monetária em vez de afrouxá-la. Por um lado, as reformas aprovadas nos últimos anos podem dar alguma ajuda ao crescimento, e isso é algo para o qual já melhoramos o rating do Brasil. Houve reformas como a trabalhista, a autonomia do Banco Central, o marco do setor de saneamento, a tributária, que está nos estágios finais. Tudo isso pode fornecer algum suporte ao crescimento, mas ainda não estamos prontos para dizer que o novo normal para o Brasil é um crescimento de 3% em vez de 2%, porque a política fiscal é muito expansionista.
O fiscal impede que esse seja o novo normal do Brasil?
Houve um grande aumento do déficit fiscal no ano passado e os gastos estão crescendo muito rapidamente neste ano. Agora, a política fiscal no Brasil é muito expansionista, e isso ajuda o crescimento, mas não é algo que pode durar para sempre. Ainda não estamos totalmente convencidos de que essas taxas de crescimento mais altas são o novo normal para o Brasil, mas no ano que vem, talvez, tenhamos uma indicação melhor se o governo continuar a mover o déficit fiscal para uma trajetória descendente. Se as taxas de crescimento permanecerem tão fortes quanto são agora, talvez, haja um elemento mais estrutural nessa história do que apenas estímulo fiscal.
Quando comparado a outros países com o mesmo rating, há algum bom exemplo que o Brasil deva seguir para retomar o grau de investimento?
Há dois grandes países na categoria ‘BB’ que se destacam como boas comparações: África do Sul e Colômbia. Todos são grandes economias, com diferentes pontos fortes e fracos. O que faz o Brasil se destacar é o fato de ser uma economia muito grande e diversificada, com reservas internacionais bem elevadas, um Banco Central muito confiável e um mercado financeiro profundo. Então, o País pode tomar empréstimos em sua própria moeda, o que não é uma realidade para países nesta categoria. A fraqueza do Brasil é o nível de dívida muito alto, maior do que o dos pares que mencionei, e o que mais cresce na categoria. Para o Brasil se transformar em grau de investimento, essa é, sem dúvida, a maior dificuldade agora.
Sem uma melhora, é um obstáculo para o Brasil retomar o grau de investimento durante o governo Lula?
Sim, parece difícil agora. Considerando o rating atual, seriam necessários mais dois níveis para chegar ao grau de investimento. Já atualizamos o Brasil em um nível para BB e, desde então, ao menos os números fiscais ficaram um pouco piores do que esperávamos. Então, o Brasil realmente precisa apresentar um desempenho fiscal ainda melhor do que a nossa linha de base atual para pensarmos em uma atualização e, então, chegar ao grau de investimento. Isso é necessário não só para o Brasil estabilizar a dívida em relação ao PIB, mas colocá-la em um caminho de queda. E, mesmo nas metas atuais do governo, isso levará vários anos. Estamos céticos de que serão capazes de atingir essas metas.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.