O que interessa é que as montadoras invistam em descarbonização, diz secretário do MDIC

Uallace Moreira afirma que governo não tem preferência sobre fabricação de híbridos flex ou de elétricos, disputa que divide o setor produtivo

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Entrevista comUallace Moreirasecretário de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços

BRASÍLIA – À frente do Mover, o novo programa de estímulo à indústria automotiva, o secretário de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços do Ministério da Indústria e Comércio (MDIC), Uallace Moreira, afirma que o governo não tem preferência por investimentos em carros híbridos flex ou elétricos. Os fabricantes de veículos que apostam nas novas tecnologias travam uma disputa nos bastidores pelos incentivos tributários do programa.

Neste ano, o governo reservou R$ 3,5 bilhões do Orçamento para oferecer renúncias tributárias à indústria automotiva. Até 2028, serão R$ 19,3 bilhões para esta finalidade.

“Enquanto governo, nosso papel é estimular o investimento em rotas que promovem a descarbonização. O Mover tem uma neutralidade quanto à rota tecnológica. Cabe às empresas decidir; não é o governo que vai dizer: ‘produza (carros a) etanol’. O governo promove todas as rotas tecnológicas, as empresas que avaliam as possibilidades de mercado”, afirmou Moreira, em entrevista exclusiva ao Estadão.

Uallace Moreira, secretário da Indústria do MDIC, afirma que governo não tem preferência sobre fabricação de híbridos flex ou de elétricos, disputa que divide o setor produtivo. Foto: Renato Villas

Ele afirma que a avaliação sobre a concessão de créditos pela instalação de unidades fabris no Brasil não levará em conta se os carros são de uma tecnologia ou de outra, mas admite que haverá diferenciação no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

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No Mover, o governo afirma que pretende tributar mais os carros que poluem mais – porém, a fixação de cinco variáveis para quantificar isso está causando dúvidas no mercado. Moreira afirma que a produção dos híbridos flex emite menos CO2, o que lhes daria vantagem comparativa. Mas ele também admite que os elétricos terão vantagem no curto prazo, quando ainda não entrará no cálculo o nível de poluição para a fabricação dos componentes dos veículos.

Esse tema, porém, deve ser objeto de um round futuro. Nesta terça-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o vice-presidente e ministro da Indústria, Geraldo Alckmin, anunciam as primeiras regras do Mover, e a expectativa é que o governo se concentre nas contrapartidas em investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e na implantação de fábricas no Brasil.

Em 2021, dado mais recente com que trabalha o MDIC, as montadoras aplicaram 2,43% em pesquisa e desenvolvimento. Desta vez, a expectativa da indústria é que haja um porcentual mínimo de 0,6% para automóveis de passeio e de 0,3% para ônibus e caminhões para todos os fabricantes, com pelo menos mais 1% para ter acesso ao benefício tributário. Esse número será elevado ano a ano até atingir 1,8% em 2028.

Moreira não adianta quais serão os porcentuais, mas afirma que a preocupação do governo é garantir o investimento e, ao mesmo, abrir a via para um novo ciclo de investimentos do setor no próximo mandato presidencial, a partir de 2026.

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Veja a seguir os principais trechos da entrevista.

O governo vai elevar a exigência para as empresas do setor automotivo investirem em pesquisa e desenvolvimento (P&D)?

Temos dialogado com o setor sobre a regulamentação. A ideia é chegar numa portaria que promova o investimento. Será gradual: começa em 2024 e fazemos uma escadinha até 2028. Tem que ter certo cuidado, porque o que se investe hoje, dependendo do ciclo tecnológico, não precisa investir nos próximos um ou dois anos. Então, quando a gente estabelece um porcentual, tem que ter cuidado para não comprometer as decisões de investimento e apertar muito o ciclo. Outra coisa que temos que diferenciar é o que são montadoras e o que são autopeças. Neste segundo setor, boa parte são pequenas e médias empresas. A gente não pode pegar um porcentual que a gente determina para montadora e fazer para o setor de autopeças. O ciclo é bem diferente também para ônibus e caminhões.

Mas o intuito do governo é subir o porcentual de P&D, hoje perto de 1% do faturamento?

O intuito do governo é estimular o investimento. A gente vai chegar num ponto em que a gente tenha clareza de que está tendo investimento em pesquisa e desenvolvimento de forma efetiva.

As montadoras já estavam fazendo mais do que 2%. Pedir menos não é pouco?

Já decidimos que haverá uma escadinha, uma progressão. No Rota 2030, começava com 0,5% e chegava a 0,9%.

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Onde serão usados esses recursos?

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A ideia é que seja nas novas rotas tecnológicas que promovam a descarbonização. Pode ser para processo, produto ou organizacional. Basicamente, estamos identificando (o interesse em) investimentos em novas tecnologias, como desenvolver o carro híbrido flex (elétrico e à combustão, com gasolina e etanol). Hoje, só tem uma empresa que fabrica o híbrido flex (Toyota). As demais têm híbrido a gasolina. Eles vão possivelmente investir porque o Brasil tem um mercado específico. O carro híbrido flex, os estudos técnicos mostram que ele tem uma pegada de descarbonização do poço à roda maior do que um carro elétrico que tenha a bateria fabricada fora do País, por causa da fonte energética.

Pode explicar melhor?

O que é o poço à roda? É você pegar (a emissão de gases) da origem, da fonte energética, até o final. Se você pegar uma bateria elétrica que é fabricada com a fonte energética do carvão, ele já sai em desvantagem quando você compara com o carro flex e híbrido a etanol.

Há a possibilidade de se fabricar baterias no Brasil?

Tem empresas projetando fabricar, mas eu não posso dar garantia a vocês, é uma decisão do setor privado. Tem empresas que afirmam que vão verticalizar, que vão produzir. Agora, se vão, aí é uma decisão da empresa. Mas se você pega a mensuração, a partir de 2027, do poço à roda, se é uma bateria fabricada fora do Brasil que usa uma matriz energética não limpa, essa bateria tem um impacto ambiental maior do que o carro híbrido flex. Então, os investimentos dessas empresas vão estourar. Eu já ouvi do presidente da GWM, por exemplo, que eles vão desenvolver o carro híbrido flex no Brasil. Os estudos técnicos mostram que o híbrido flex, quando ele aciona o motor com etanol, a emissão de CO2 é muito mais baixa.

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Isso explica por que o Mover dará vantagem tributária ao híbrido flex em relação ao elétrico?

O que vai diferenciar os dois será o IPI verde. No crédito financeiro, não fazemos diferenciação. Neste quesito, o que vale é a agregação de valor. Quanto mais você intensifica a produção no Brasil, mais você tem acesso a crédito financeiro. A gente não tem prioridade em nenhuma rota tecnológica; quem tem que escolher qual é a melhor rota tecnológica são as empresas. Por exemplo: tem empresa que fala que não vai investir agora no híbrido plug-in (que tem tomada para abastecimento), só no full (a bateria é carregada pelo motor à combustão), devido à questão territorial do Brasil. Porque, no plug-in, é preciso ter um lugar para recarregar; o full, não. Então, a decisão é das empresas; o importante é que estimule investimentos em novas rotas tecnológicas, como tem sido anunciado, nesse valor de R$ 93,6 bilhões. Tem outra questão que está contemplada no Mover que é um maior estímulo à inserção nas cadeias globais de valor. Isso é importante, as empresas têm que avaliar se a rota tecnológica que elas escolhem têm espaço no mercado internacional para exportar mais.

Se exportar ganha pontos?

Sim, tem uma cumulatividade para o crédito financeiro. Maior inserção nas cadeias globais de valor e maior agregação de valor gera uma cumulatividade de crédito, e é isso que será regulamentado.

Mas não vai ser difícil atender às duas coisas? O Brasil é um mercado único na escala de consumo de etanol.

Especialistas afirmam que há potencialidade para inserção em mercados externos. Os Estados Unidos estão aumentando a produção do etanol, a Índia também está expandindo, a América do Sul... É uma aposta, caberá às empresas. Mas muitos especialistas afirmam que existe esse mercado.

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O que vai dar mais pontuação? Ser mais verde, como o híbrido a etanol, ou ter maior inserção nas cadeias globais?

Tem ponderações, por isso sairão na portaria os pesos de cada um.

O que é mais importante para o governo?

Tudo é importante para o governo. O mais importante para o governo é descarbonizar, gerar produção e empregos no País. Se para as empresas é importante ter maior inserção nas cadeias globais de valor, porque vai diminuir a dependência do mercado interno e vai manter o nível de atividade elevado, para a gente está ótimo. O importante é as empresas expandirem a sua capacidade de produção. Nenhuma empresa sobrevive por muito tempo com baixo nível de atividade, de 50%, 60%. Então, se essas empresas avaliarem que, para não correr esse risco, diante do volume de investimento que eles estão fazendo, é melhor buscar o mercado internacional, para a gente está ótimo.

Mesmo que não seja de veículos híbridos flex?

É uma escolha deles. O que nos deixa confortáveis é observar que o Mover tem tido impacto positivo nos investimentos. O Mover e a recomposição tarifária estimularam os investimentos.

Recomposição do imposto sobre carros importados?

Sim, porque isso deu previsibilidade, uma cota e mostra que em 2026, quando o imposto (de importação) chegar a 35%, vai ser importante produzir no Brasil. Como o Brasil é um dos maiores mercados do mundo, é uma sinalização importante.

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Vocês pensam em ampliar a cota para importadoras que estejam investindo em novas plantas no Brasil?

Não há discussão sobre isso.

Fábrica da Toyota em Sorocaba (SP), onde a empresa produz carros híbridos. Foto: Werther Santana/Estadão

No IPI verde, como será a diferenciação para quem produzir híbridos ou elétricos?

Todos serão contemplados no IPI verde. Você leva em conta o consumo, mas também a eficiência, a potência, a reciclabilidade… Então, quando você soma esses fatores, você tem um IPI diferenciado. Os carros que descarbonizam mais vão ter um bônus. A ideia é estimular carros, caminhões e ônibus que promovam a descarbonização.

Algumas empresas se queixam de que são cinco variáveis para o cálculo do IPI verde, o que cria complexidade - algumas alegam que não sabem quanto efetivamente pagarão em imposto. Como o sr. vê o problema?

A decisão foi tomada em diálogo com o setor. O que ainda está sendo discutido internamente são as ponderações. Isso está sendo discutido com a Fazenda, porque (a renúncia do) IPI vai passar por lá. Temos várias simulações para saber o impacto, quais são os carros que descarbonizam mais. Temos trabalhado de forma criteriosa.

Mas há empresas alegando que carros praticamente iguais podem acabar pagando IPI diferente.

Um carro a diesel é óbvio que vai pagar mais.

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E o híbrido flex vai pagar menos IPI do que o elétrico?

Vai ter que ver, porque o híbrido flex a etanol polui menos do que um elétrico; mas isso não significa dizer que o elétrico vai pagar mais ou menos imposto. Isso é que está sendo ponderado. Porque tem vários critérios, tem o consumo, a reciclabilidade. Então, não é um fator só que vai determinar o IPI, são as combinações.

Empresas afirmam que é possível chegar a 1.092 combinações...

Isso quem fala são eles. Não acho que seja complexo. Acho que é um sistema muito bem formulado, que estimula carros que descarbonizam.

Mas é certo que um carro a diesel vai pagar mais IPI do que um carro a gasolina?

Depende da potência do motor, depende do índice de reciclabilidade. Tem que ver as ponderações.

Um carro flex com etanol paga hoje menos IPI. Ele não vai continuar pagando menos no IPI verde?

Se pegar todos os critérios, a tendência é que um flex pague menos. Você tem que fazer a comparação dentro dos modelos dos carros. Eu não posso pegar um carro com a potência de 300 cavalos e comparar com um carro 1.0. Segundo ponto: qual é a fonte energética desse carro e a reciclabilidade?

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Um carro fabricado no Brasil, feito com a matriz brasileira (mais limpa) pagará menos IPI do que um importado? Um importado elétrico, por exemplo.

Carro elétrico vai poluir menos do que um carro a gasolina, independentemente se ele produz aqui no Brasil ou não. Qualquer carro importado elétrico vai emitir menos do que um carro movido a gasolina, fabricado no Brasil ou não.

E o peso da matriz energética?

O conceito do poço à roda (que leva em conta o nível de poluição para a fabricação dos componentes, e não só do veículo pronto) só será considerado a partir de 2027. Neste momento, é só do tanque à roda.

Então, os elétricos ganham vantagem no curto prazo?

É bem possível, tem que ver pegar os dados de consumo energético que são publicados pelo Inmetro.

O governador Jerônimo Rodrigues (PT-BA) e o vice-presidente Geraldo Alckmin em evento do lançamento da pedra fundamental da fábrica da BYD na Bahia Foto: Manu Dias/Secom/Bahia

O sr. não teme uma invasão de carro elétrico importado?

Quem sabe disso é o mercado. Se for o carro que as pessoas acharem melhor para se consumir e o preço for acessível… Eu não tenho dinheiro para comprar um carro de R$ 150 mil.

Por que a previsão do poço à roda só a partir de 2027?

A partir de 2027, teremos uma visão do ciclo completo da descarbonização. Saberemos melhor qual é o impacto ambiental do carro na vida das pessoas. É (um conceito) muito diferente do tanque à roda, em que você abastece o carro e vê como rodou. Mas de onde saiu essa fonte energética? Eu quero saber se a produção da bateria foi com fonte energética limpa. Se não foi, o carro elétrico compromete em parte a descarbonização, porque ele está usando carvão. Estamos amadurecendo e discutindo métricas. O Brasil é o primeiro do mundo a fazer isso.

Apesar do anúncio oficial, ainda há ceticismo no mercado quanto à instalação da BYD no Brasil. O sr. tem garantias de que ela vai construir a unidade na Bahia?

No Mover, a partir do momento em que as empresas não cumprirem com os objetivos, elas estão desabilitadas. Ninguém vai usufruir de dinheiro público e não responder ao que está sendo proposto. Eles apresentam um programa de investimento e, a partir do momento que eles apresentarem, a gente segue aquilo ali. Não apresentou o resultado, a gente suspende a habilitação.

O princípio do IPI verde é ser neutro em termos arrecadatórios?

O objetivo não é fiscal, nosso objetivo é estimular a descarbonização através do princípio de bônus-malus (recompensa/penalização).

Como o sr. imagina o mercado automotivo brasileiro em 2026?

Minha avaliação é que a gente vai ter um ciclo de investimentos, uma fronteira tecnológica das estruturas produtivas muito mais avançada. E, com a retomada do mercado interno – e isso é muito importante porque hoje, em média, 80% desse setor depende fundamentalmente do mercado interno –, haverá uma recomposição do nível da capacidade instalada. Ao mesmo tempo, ter maior inserção nas cadeias globais de valor. Se isso acontecer, teremos um novo ciclo de investimentos pesado no setor. Isso é bem possível.

Com que tipo de automóvel? O híbrido flex?

A minha grande esperança é que o Brasil desenvolva a cadeia produtiva do hidrogênio. Não tem País no mundo com potencial de desenvolver hidrogênio verde como o Brasil, porque temos uma matriz energética limpa como poucos países têm. É uma tecnologia disruptiva. Se o Brasil conseguir desenvolver isso e desenvolver a cadeia produtiva, eu acho que é um instrumento de catch up tecnológico que poucos países tiveram na história.

As empresas informaram se vão fabricar carros híbridos flex?

Acho que todas estão investindo nisso, muitas têm dito que vão desenvolver o híbrido flex. A BYD acho que vai diversificar o seu mercado (a empresa fabrica elétricos). Muitas empresas se adaptam à realidade do mercado. É uma decisão da empresa, a gente não interfere. Não me interessa, o que me interessa é que eles invistam em descarbonização. Qual a rota tecnológica? Eu não tenho preferência, nem o Mover tem preferência.

O Brasil tem preferência pelo híbrido flex, pela produção local de etanol?

Muitos analistas e especialistas têm as suas preferências. Mas, enquanto governo, nosso papel é estimular o investimento em rotas que promovem a preferência. O Mover tem uma neutralidade quanto à rota tecnológica. Cabe às empresas decidir, não é o governo que vai dizer: ‘produza (carros a) etanol’. O governo promove todas as rotas tecnológicas; as empresas que avaliam as possibilidades de mercado.