O presidente da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Venilton Tadini, afirma que o processo de transição energética em andamento no mundo é a grande oportunidade de recuperar a indústria nacional, hoje bastante fragilizada.
“Isso pode nos colocar novamente entre os principais players do mundo na produção industrial, que nós perdemos. A gente está numa posição bastante fragilizada, com a participação da indústria no PIB debilitada, em torno dos 10%.”
Na avaliação de Tadini, hoje o Brasil tem as melhores condições para liderar a transição energética global. Para isso, é preciso transformar a vantagem comparativa em vantagem competitiva, capaz de elevar a capacidade dessa indústria para atender o mercado.
Ele alerta que o País não pode deixar escapar essa oportunidade. Segundo o executivo, hoje os investimentos que estão sendo feitos no hidrogênio verde, por exemplo, têm como foco o mercado externo. “A gente tem de fazer mais do que produzir energia para exportar ‘in natura’, como commodity. Nós precisamos é usar esse desenho para efetivamente fazermos produtos verdes e sermos mais qualificados na concorrência internacional.”
A necessidade de priorizar alguns temas para desenvolvimento será debatido nesta quinta-feira, 23, no Abdib Fórum – 2024 Infraestrutura: Bases para a Neoindustrialização e Desenvolvimento Sustentável. O evento ocorrerá em Brasília, a partir das 9h. Também estarão em pauta a questão da importância da harmonia entre os Três Poderes da República; o arcabouço fiscal, o novo PAC, a reforma tributária, a Nova Indústria Brasil e o Plano de Transição Ecológica.
O setor de infraestrutura deve investir neste ano cerca de R$ 235 bilhões, sendo 77% da iniciativa privada. O volume representa um aumento de 10% em relação a 2023, quando foram injetados no setor R$ 213 bilhões, sendo 43% no setor de energia.
Veja trechos da entrevista:
Como o sr. avalia o quadro macroeconômico do Brasil considerando a grande necessidade de investimentos, e que está aquém das necessidades há alguns anos?
Temos uma situação complexa, seja de natureza estrutural, conjuntural institucional e política, da relação entre os Poderes. Na parte econômica, o que podemos falar é que verificamos alguns avanços importantes do ponto de vista estrutural e da nossa inserção internacional, que está na direção correta em relação às diretrizes que estão sendo colocadas pelo governo federal, que é aproveitar as oportunidades da transição energética. Nós nos colocamos como um ator importantíssimo nessa corrida que o mundo está vivendo para enfrentar as variações climáticas. Isso é absolutamente fundamental.
E como podemos aproveitar essa oportunidade?
Temos de transformar essa vantagem comparativa das fontes limpas da nossa matriz energética em vantagem competitiva para também dotar a indústria de capacidade para atender as demandas em relação à transição energética, não só das fontes renováveis, como também nos processos de integração da infraestrutura. Uma questão que é fundamental: é preciso ter um norte na estratégia de desenvolvimento. Estou falando na neoindustrialização e no apoio a indústrias absolutamente novas. Isso não só pelo que vai ocorrer e está sendo enfatizado de apoio em inovação tecnológica nos segmentos existentes, como também é possível trabalhar para não ser dependente no futuro, por exemplo, de baterias, estruturas de eletrólise para fazer o hidrogênio verde e de aproveitar tudo isso no uso do hidrogênio verde. A gente tem de fazer mais do que produzir energia para exportar ‘in natura’, como commodity. Nós precisamos usar esse desenho para efetivamente fazermos produtos verdes e sermos mais qualificados na concorrência internacional.
Estamos atrasados nesse processo?
O que a gente percebe principalmente na Europa é que o pessoal adora falar da questão ambiental. Mas, do ponto de vista da utilização dos recursos, eles usam até hoje carvão como combustível. Nós temos condições e a possibilidade de transformar os nossos produtos com essa energia verde dando a eles maior condição de competitividade da forma que o mundo dá hoje. Mas, cada vez que a gente dá um avanço, há também um aumento da régua para dizer que o nosso produto não é tão verde assim, que há problemas na Amazônia. Essa é uma questão que a gente tem de enfrentar. Mas isso pode nos colocar novamente entre os principais atores do mundo na produção industrial, que nós perdemos. A gente está numa posição bastante fragilizada, com a participação da indústria no PIB debilitada, em torno dos 10%. Acredito que a transição energética, com a neoindustrialização e inclusão social é um desenho importantíssimo na definição da estratégia de desenvolvimento.
Hoje vemos o mundo numa briga intensa com a China por causa da enxurrada de produtos extremamente baratos que inundam os mercados. A transição energética e nosso potencial nessa área podem nos dar a competitividade que esse novo mundo exige?
Não tenho dúvida. Esse é um ponto fundamental. Por isso que a questão energética junto com a infraestrutura é um binômio de um bloco de investimentos para nós trabalharmos na reindustrialização. Aí é importante que se diga: os projetos do PAC estão ligados com essas estratégias, a Nova Indústria Brasil e a forma como o BNDES voltou a ser uma agência de fomento. Esperamos que ele dobre o seu orçamento. Foi aprovado na Câmara e vai para o Senado a nova letra de crédito e desenvolvimento que tornará a captação mais barata pelo BNDES. Veja bem: não estamos falando em substituir a TLP (taxa de juros do banco de fomento). Ela será mantida para determinados grupo de investimentos, mas vamos ter, a exemplo do que ocorre na inovação, taxas diferenciadas. O BNDES está em plena transformação e tem trabalhado muito bem até agora. Ele aumentou em 90% as liberações neste ano em relação ao ano anterior. Acreditamos que o BNDES vai voltar a ser uma agência de fomento, mas sem os atropelos ao Tesouro que ocorreram num passado recente, com menos subsidios.
E qual o papel do mercado de capitais?
Estamos trabalhando no mercado de capitais ― que também não tinha no ciclo anterior ―, a nova debênture de infraestrutura que foi aprovada. Fizemos um excelente seminário aqui com CVM (Comissão de Valores Mobiliários), Previ (fundo de pensão dos funcionário do Banco do Brasil), entre outros agentes, para verificar o uso desses ativos. E, por último, não menos importante, queremos aproveitar a onda do mundo na transição energética para fazer colocações de fundos específicos que apoiam essa economia verde pelo Tesouro Nacional, com taxas diferenciadas e cobertura de risco cambial, para conseguir utilizar as fontes externas de recursos. Nunca antes o País teve, efetivamente, uma composição de estrutura de funding para um ciclo de desenvolvimento. O desenvolvimento da economia no governo Juscelino Kubitschek ocorreu com recursos externos; o primeiro PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) teve recursos externos; o segundo PND, recurso externo e Tesouro Nacional; e o último ciclo, que foi aquele do voo de galinha, onde se utilizou basicamente BNDES com repasse de recursos do Tesouro. Isso trouxe um sério problema e gerou uma certa antipatia com o termo de “política industrial”, com a questão de você fazer política pública para o desenvolvimento específico que o BNDES poderia fazer como exportação de serviço. Então a gente tem uma série de coisas em andamento que logicamente tem a complexidade de ter uma estrutura política institucional muito complexa, que precisa acertar as engrenagens da República. O primeiro painel do nosso evento será o Papel das Instituições da República para a Segurança Jurídica e Desenvolvimento da Infraestrutura. Lá teremos ministro da Casa Civil, presidente do Senado, presidente da Câmara, presidente do STF, TCU e AGU para tratar desse tema. Nosso seminário passado, no início do governo Lula, falamos das diretrizes do novo governo, qual que era o desenho e qual era a expectativa da política econômica. Este ano nosso objetivo é falar dos programas que já foram estabelecidos, como eles estão andando e o que precisa fazer para que de fato ele se materialize. Agora, a bola está no chão, o jogo está sendo jogado e a gente tem de apoiar. Tivemos o arcabouço fiscal e uma nova estrutura tributária para consumo e serviço. Não é um passeio no parque, mas é uma mudança estrutural da maior relevância de custo para indústria. Isso tem de ocorrer também na questão da energia e na infraestrutura.
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Como o sr. vê os investimentos na transição energética?
Eu sempre digo que a gente tem de tomar cuidado, porque os investimentos que tem sido feitos para desenvolver hidrogênio no Brasil têm como destino o mercado externo. O objetivo é exportar commodity. Para nós, o hidrogênio verde tem de ser priorizado para a nossa neoindustrialização, para ter produtos verdes, para que a gente tenha uma inserção competitiva que os outros não têm igual o Brasil. E cada vez que a gente avançar nisso, (a concorrência) vai mudando. A Europa vai mudando as regras. A OMC vai mudando as regras. A gente já viu isso com os Estados Unidos. O álcool brasileiro não pode entrar lá, nunca pode. Temos uma condição ímpar nessa área. Eu fico alucinado quando começam a falar da derivada da quarta do déficit primário. Será que eles têm noção do quanto está sendo feito com o programa do Inflation Reduction Act (lei de redução da inflação, que prevê uma série de investimentos verdes com destaque para a produção de energia renovável) nos Estados Unidos? São US$ 2 trilhões com a economia aquecida. E aqui a gente tem de cravar um déficit primário para ter uma inflação anual abaixo de 3%. Aí dizem: “É preciso crescer e tal”. Quando você cresce, a dívida pública em relação ao PIB cai. Se toda vez eu faço uma política na qual meu corte da parte do gasto público é investimento, o PIB não vai crescer. Ele cresceu o ano passado por causa do Bolsa Família e de alguns auxílio específicos. O investimento foi negativo. O investimento de infraestrutura cresceu, mas a indústria precisa de demanda. Não adianta eu ter inovação tecnológica, pegar um produto e ter uma sacada maravilhosa se não tem mercado para aquele produto. Na Alemanha, por exemplo, o programa de hidrogênio verde começou já com o governo fazendo uma licitação e garantindo a compra do produto. Nos Estados Unidos é a mesma coisa.
Mas nesses países os programas de subsídios são bilionários. Não temos o mesmo potencial financeiro para concorrer.
É que a gente faz errado. A gente está com excesso de energia e está dando subsídio para energia solar. Nós gastamos muito e gastamos errado. São R$ 15 bilhões e eu não vi nenhuma instituição financeira ou analista de banco falando contra isso, mas reclamam do déficit fiscal. Está cheio de lugar que aumenta gasto e não é só do Executivo, tem também o Legislativo. Tem de acabar com essa farra. Por isso é fundamental ter estratégia de desenvolvimento e definir prioridades, como o governo está tentando fazer com o PAC que hoje tem projetos muito mais estruturados para atrair investimento. Aí vejo analista fazer análise do PAC 1 e PAC 2 e dizer que o PAC 3 não vai dar certo porque o 1 e o 2 não deram. Não se compara a qualidade dos projetos, a definição de prioridades, a articulação em relação ao conteúdo local e a relação com os entes subnacionais. Mas dizem que não vai dar certo. É o complexo de vira-lata.
Como resolver a questão do baixo investimento público em infraestrutura?
Sempre defendemos a participação do investimento público. Sempre dissemos que infraestrutura se faz com investimento público e privado. Há segmentos que o setor privado não quer entrar, então nós precisamos do público. Mais de 80% das estradas pavimentadas estão nas mãos do Estado. Então preciso ter investimento na conservação e manutenção dessa rede. Na nossa proposta de ajuste fiscal sempre dissemos que investimento tem de ter piso. Teto é para outras despesas e o ajuste tem de ser feito nelas, não nos investimentos. Investimento é a porta de crescimento econômico, do desenvolvimento futuro
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