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Orçamento de 2025 ‘não está muito realista’, diz diretora da Instituição Fiscal Independente

Vilma Pinto cita projeções para PIB e inflação mais otimistas que as do mercado, incertezas sobre receitas extraordinárias e despesas subestimadas na Previdência Social

Foto do author Bianca Lima
Foto: Denis Ferreira Neto/Estadão - 8/7/2021
Entrevista comVilma da Conceição PintoDiretora da Instituição Fiscal Independente (IFI)

BRASÍLIA - A diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), Vilma da Conceição Pinto, avalia que o Orçamento de 2025 “não está muito realista” e alerta para problemas na execução da peça orçamentária ao longo do próximo ano. O projeto de lei, com mais de 3 mil páginas de projeções de receitas e despesas públicas, foi entregue pelo governo ao Congresso na última sexta-feira, 30.

Na longa lista de pontos de atenção, a economista destaca projeções para Produto Interno Bruto (PIB) e inflação mais otimistas que as do mercado, criando um cenário fiscal mais confortável para a equipe econômica, além de incertezas geradas pelo alto volume de receitas extraordinárias e por despesas subestimadas na Previdência Social.

“O cálculo do limite de despesa e do resultado primário (meta de déficit zero) foi feito exatamente para cumprir as regras fiscais, então qualquer desvio nesses parâmetros macroeconômicos vai gerar problemas durante a execução do Orçamento”, afirma em entrevista ao Estadão.

Segundo ela, essa conjunção de fatores deve gerar a necessidade de novos bloqueios e contingenciamentos de gastos ao longo do próximo ano, assim como ocorre em 2024. Em julho, o governo anunciou o congelamento de R$ 15 bilhões em despesas para cumprir a meta de déficit zero, que será mantida em 2025, e o limite de gastos estabelecido pelo arcabouço.

Vilma Pinto, diretora IFI, vê risco de o governo ter de realizar contingenciamentos e bloqueios frequentes no Orçamento em 2025 Foto: Denis Ferreira Netto/ Estadão

Vilma também lembra que R$ 245 bilhões em gastos correntes estão condicionados à aprovação, pelo Congresso Nacional, do descumprimento da chamada regra de ouro. Essa regra impede que o governo se endivide para pagar despesas do dia a dia. Nesse valor estão incluídos, por exemplo, R$ 40,7 bilhões do Bolsa Família e R$ 180,7 bilhões da Previdência Social.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista ao Estadão.

Qual a avaliação da sra. sobre o Orçamento de 2025 entregue pelo governo?

Acho que não está muito realista. Os parâmetros macroeconômicos estão superestimados, com um PIB maior e uma inflação menor do que a mediana do mercado. Isso gera um alívio para o governo tanto do ponto de vista de despesa (que fica menor do que se fossem usados os parâmetros do mercado) como de receita (que fica maior). O cálculo do limite de despesa e do resultado primário foi feito exatamente para cumprir as regras fiscais, então qualquer desvio nesses parâmetros macroeconômicos vai gerar problemas durante a execução do Orçamento.

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Quais problemas?

Pode gerar a necessidade de bloqueios, para cumprir o teto de gastos, ou de contingenciamento, para cumprir a meta (de déficit zero). Além disso, você tem uma série de receitas condicionadas e extraordinárias para auxiliar no cumprimento da meta. Então, não é uma meta que você consegue alcançar somente com os números estruturais do Orçamento. Se nada for feito do ponto de vista estrutural, pelo lado da despesa, é possível que a gente discuta de novo receitas e medidas extraordinárias em 2026.

As projeções de receitas e despesas são factíveis?

O número da IFI para a Previdência Social está R$ 23 bilhões acima do valor projetado pelo governo. Quando a gente olha para a despesa geral, aí até que está em linha com a nossa projeção, porque o nosso cenário de discricionárias (despesas não obrigatórias) é menor do que o estimado pela equipe econômica. Mas a principal diferença está na receita líquida: o nosso cenário está R$ 55 bilhões abaixo do projetado no PLOA 2025.

O governo está prevendo R$ 166 bilhões em receitas extras no próximo ano, mas depende do Congresso e de negociações entre empresas e o Fisco para alcançar essa cifra...

Esses dois aspectos (negociações com Congresso e Fisco) representam riscos de magnitudes parecidas para a realização dessas receitas. A questão da judicialização (as negociações entre governo e contribuintes nas esferas administrativa e judicial) é um ponto importante de atenção. É necessário ver até qual instância cabe recurso e por quanto tempo as empresas podem adiar o pagamento. A entrada desses valores também depende das decisões, se serão favoráveis ou não à União. Ou seja, são várias questões que acabam tornando esse cenário (de arrecadação extraordinária) mais incerto. E tem outro ponto de atenção que eu acho não está sendo bem explorado, que é a regra de ouro, que está condicionando uma série de gastos obrigatórios importantes.

Poderia explicar melhor essa questão da regra de ouro?

O objetivo dessa regra é muito bom: determina que o governo só pode se endividar se for para investir. Ou seja, não pode pegar empréstimo para pagar despesa corrente, como aposentadoria, por exemplo. Num contexto familiar, seria o mesmo que evitar que a família fizesse financiamentos para pagar aluguel ou a compra de mês no supermercado. Só seria possível pegar empréstimos para investir em um imóvel ou curso. Esse é o espírito da regra. Só que, como estamos em um cenário de déficit (gastando mais do que arrecadando) há vários anos, os governos começaram a pedir recorrentemente o aval do Congresso para descumprir essa regra.

Quais gastos estão condicionados a esse aval do Congresso?

São R$ 245 bilhões condicionados (à aprovação do descumprimento da regra de ouro). Nesse valor, tem R$ 40,7 bilhões de Bolsa Família; R$ 180,7 bilhões de Previdência Social; R$ 2,2 bilhões do Fundo Nacional de Assistência Social; R$ 17,7 bilhões de pagamento de sentenças judiciais; e R$ 3,8 bilhões de encargos previdenciários. Ou seja, não é um Orçamento fácil. Ele está com uma série de condicionantes, assim como a gente viu no Orçamento deste ano, e isso traz incertezas em relação à execução dessa peça ao longo de 2025.

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