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Sem clareza sobre prioridades, revisão de gastos poderá virar emenda, diz secretária do Planejamento

Virgínia de Ângelis afirma que agenda de corte de gastos não pode se concentrar apenas na abertura de espaço fiscal, mas também deve definir claramente para onde vai o dinheiro

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Atualização:
Foto: WILTON JUNIOR/Estadão
Entrevista com Virgínia de Ângelis Oliveira de Paula Secretária Nacional de Planejamento

BRASÍLIA – A secretária nacional de Planejamento do Ministério do Planejamento e Orçamento, Virgínia de Ângelis, afirma que a agenda de revisão de gastos, em discussão no governo federal, precisa deixar claro quais são os objetivos do corte de despesas pretendido pelo Executivo. De acordo com ela, se o processo não for planejado e delimitado, o novo espaço fiscal corre o risco de ser ocupado por mais emendas parlamentares.

“Quando você faz a revisão de gastos, ela não é simplesmente para gerar espaço fiscal. É gerar espaço para quê? Se for para pagamento de serviço da dívida, isso tem que estar muito claro”, afirma Virgínia em entrevista ao Estadão. “Se for para realocar em prioridades do governo, quais são as prioridades? Se a gente não tiver clareza sobre isso, podemos ter um novo aumento do porcentual de emendas impositivas (obrigatórias) individuais, por exemplo.”

Servidora de carreira do Tribunal de Contas da União (TCU) e há dois meses no posto de secretária nacional de Planejamento, Virgínia avalia que os valores destinados por deputados e senadores aos redutos eleitorais tomaram uma dimensão desproporcional.

“As emendas parlamentares são legítimas e ocorrem no mundo todo. Acontece que, nos últimos anos, no Brasil, elas tomaram uma dimensão desproporcional e, por vezes, até com mecanismos que inviabilizam a transparência e a prestação de contas – como no caso das transferências especiais, as chamadas emendas Pix”, afirma.

Atualmente, mais de 90% das despesas primárias são compostas por gastos obrigatórios. Do que resta, quase um terço está na mão do Congresso. Além disso, segundo a secretária, não há apenas um desequilíbrio em termos de valores, mas também de responsabilidades entre os Poderes – cenário que é agravado pelo fato de o Legislativo, em tese, ser o responsável pela fiscalização do Orçamento.

Virginia de Ângelis é servidora de carreira do TCU e há dois meses comanda a secretaria responsável pelo PPA.  Foto: WILTON JUNIOR/Estadão

O Plano Plurianual (PPA) 2024-2027, liderado pela secretária, busca reduzir essas distorções. O instrumento de planejamento orçamentário de médio prazo vai trazer informações de como os recursos públicos federais, incluindo as emendas, estão obedecendo ou não aos indicadores e metas criados pelo projeto.

O PPA estabelece seis prioridades: combate à fome e redução das desigualdades; educação básica; saúde: atenção primária e especializada; neoindustrialização, trabalho, emprego e renda; novo PAC; combate ao desmatamento e enfrentamento da emergência climática. A seguir, os principais trechos da entrevista.

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O governo publicou um decreto que regulamenta a gestão do PPA. O que esse instrumento traz de mudança prática em relação ao monitoramento do Orçamento?

A gente mudou a sistemática (de prestação de contas dos ministérios). Antes, esse monitoramento era feito em dois momentos no ano, em que os órgãos responsáveis pelos programas inseriam as metas no sistema. Agora, ele ficará aberto a maior parte do tempo, e as áreas finalísticas dos ministérios também vão ter de participar para preencher essas metas, o alcance dos resultados e as entregas, a partir do recurso aplicado. Queremos mudar a mentalidade.

É importante trazer o Congresso para a mesa de discussão, tendo em vista o aumento das emendas parlamentares?

As emendas parlamentares são legítimas e ocorrem no mundo todo. Acontece que, nos últimos anos, no Brasil, elas tomaram uma dimensão desproporcional e, por vezes, até com mecanismos que inviabilizam a transparência e a prestação de contas, como no caso das chamadas emendas Pix. Quando você não tem um planejamento bem feito, fica mais fácil fazer esse tipo de ação, porque não tem instrumento para monitorar. Nós estamos construindo esse referencial, um critério para que, de fato, a gente fale: isso não obedece o planejamento. Hoje, o Congresso só aloca (recursos), ele não se responsabiliza pelo resultado.

O caminho seria ampliar a transparência, apontando o que gera e o que não gera resultado?

Qualificar todo o processo alocativo, com especial atenção nas emendas, é o que a gente busca com a reformulação do PPA e o robustecimento dele. A gente hoje tem falado muito, por exemplo, na revisão de gastos, gerar eficiência e abrir espaço fiscal para políticas públicas prioritárias. Mas quais são as políticas prioritárias? Que garantia a gente tem de que essa abertura de espaço fiscal será direcionada, de fato, para as prioridades e não, por exemplo, para mais emendas impositivas?

Que garantia a gente tem de que essa abertura de espaço fiscal será direcionada, de fato, para as prioridades e não, por exemplo, para mais emendas impositivas?

Então, há um risco de o espaço orçamentário gerado com a revisão se transformar em mais emendas?

Quando você faz a revisão, ela não é simplesmente para gerar espaço fiscal; é gerar espaço fiscal para quê? Se for para pagamento de serviço da dívida, isso tem que estar muito claro. Se for para realocar em prioridades do governo, são quais prioridades? Se a gente não tiver clareza sobre isso, podemos ter um novo aumento do porcentual de emendas impositivas individuais, por exemplo.

O governo tem clareza do ‘para quê’?

Tem, porque já temos prioridades mais claras, como o Plano de Transformação Ecológica e o combate à fome. O PPA não saiu perfeito, ele precisa ser aprimorado também. Mas o governo tem como ter clareza das áreas prioritárias, ele tem a ferramenta.

Nós não somos um País que tem tradição em planejar. O nosso olhar alocativo é de curto prazo, por vezes nem anual, até menor.

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Qual a sua visão sobre rever os pisos da saúde e educação?

A discussão deve ultrapassar o fiscal. Se vamos desvincular (as despesas com saúde e educação da arrecadação), vamos desvincular para quê? O fiscal é relevantíssimo; a gente precisa desvincular para permitir a flexibilidade na gestão orçamentária e financeira e viabilizar o cumprimento do novo arcabouço, da meta de resultado primário… Agora, ao desvincular, isso vai para onde? Quando falamos da revisão do gasto, da qualidade do gasto, é o que você entrega para a sociedade, o que gera de resultado. A gente sabe que isso também a literatura aponta: a vinculação orçamentária prejudica demais, ela dificulta a alocação (de recursos). Então, essa discussão é necessária, mas tem de ser mais ampla, complementada com outros aspectos.

O que fazer para resolver o desequilíbrio de responsabilidades entre Executivo e Legislativo?

A relação entre os Poderes está distendida a um ponto que a mudança dificilmente se dará pelo sistema de freios e contrapesos. O Executivo tem o poder de vetar emendas, mas acioná-lo pode ter um custo alto. O STF teria condições de discutir os critérios de constitucionalidade, mas também dificilmente fará isso. O TCU não pode discutir o processo legislativo orçamentário. O controle externo está a cargo do Legislativo, que é quem está alocando o recurso. Ou seja, quem aloca hoje é quem fiscaliza, e a prestação contas está a cargo do Executivo. O Legislativo tem a atribuição do controle externo, mas está alocando grande parte dos recursos.

Virgínia de Ângelis, secretária de Planejamento, afirma que agenda de corte de gastos não pode se concentrar apenas na abertura de espaço fiscal. Foto: WILTON JUNIOR/Estadão

O órgão que tem a atribuição do controle externo é o Legislativo, que é quem está alocando o recurso.

De onde então virá a mudança?

A gente só vai conseguir mudar isso com a sociedade mais informada sobre o que está acontecendo, com maior transparência sobre os resultados gerados pelas alocações e com ferramentas que permitam acompanhar a aplicação do recurso.

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É só no Congresso o problema? O governo não sofre das mesmas distorções?

Sofre também. Quando vemos as decisões de execução orçamentária e financeira, elas não necessariamente vão levar em consideração as prioridades que olham para o futuro. As decisões olham as prioridades de curto prazo, para a contingência do momento. O que temos tentado fazer é que, nessas decisões, o olhar não esteja só aqui – temos que subir o drone e ter uma visão do impacto ali na frente.

Como fica a Previdência, que está no PPA com metas crescimento, mas hoje é a despesa que mais pressiona o Orçamento?

Na próxima revisão do PPA, no início do próximo ano (até abril), vamos ter de considerar isso. Se as projeções ampliaram o déficit, vamos ter de rever essas metas. Não dá para atender todo mundo. Uma das premissas é garantir a sustentabilidade da Previdência porque, para atender os beneficiários, você tem que ter a garantia da sustentabilidade. O que está previsto aqui garante sustentabilidade? E aí vamos fazendo os ajustes.