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Extinção de concessão proposta por ministro para Enel é um processo complexo e moroso; entenda

Para especialistas, declaração de Alexandre Silveira também teve componente político; Ministério de Minas e Energia intensificou pressão sobre a empresa após quedas de energia em São Paulo

Atualização:

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, intensificou a pressão sobre a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) por uma fiscalização mais dura na distribuidora Enel São Paulo. Silveira deixou clara a possibilidade de futura perda da concessão ao apresentar um ofício à agência reguladora solicitando a realização de processo administrativo.

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Mas especialistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast salientam que tal processo é complexo e moroso, com direito de plena defesa à empresa e possibilidade de soluções alternativas. Além disso, há críticas ao componente político da iniciativa do ministro, que foi precedida de anúncio a veículo da grande imprensa, seguida de reunião com a maior parte dos diretores da Aneel, com ampla divulgação do encontro e do ofício apresentado à agência reguladora.

“O contrato de concessão é muito claro quanto a quais são as infrações que podem resultar na caducidade, e a qualidade do serviço é uma delas. Não sei se a melhor forma de se fazer as coisas é pressionando a Aneel. É bom para a opinião pública, mas não sei se é a maneira mais adequada”, disse o ex-diretor da Aneel Edvaldo Santana. Para ele, existem várias maneiras para não se chegar a esse ponto, e citou que o ministro poderia ter chamado a empresa para conversar.

Santana explicou que a Aneel, mediante processo de fiscalização, identifica se a concessionária cometeu infrações em relação ao que é exigido por lei e por contrato para a prestação de serviço de distribuição de energia, e se é necessário pedir a caducidade do contrato. A partir de duas infrações, a empresa é intimada e pode se defender. “Um processo desses leva no mínimo dois anos para uma empresa pequena; no caso de uma companhia do tamanho da Enel, que vai ter banca de advogados, demora mais”, afirmou.

Para o advogado especialista em energia André Edelstein, o processo administrativo deve observar todos os requisitos estabelecidos na legislação e a situação da Enel precisa se enquadrar rigorosamente numa das hipóteses previstas na regulamentação que autorizam a caducidade. Ele pontua, ainda, que é necessário que a concessionária tenha a prévia oportunidade de sanar as irregularidades apontadas. “A aplicação de penalidades se submete ao princípio da ‘tipicidade’ (tem de estar escrito na lei), de forma que somente as condutas plenamente caracterizadas como infração podem dar ensejo à penalização”, afirmou.

Quedas de energia em São Paulo, com demora para restabelecimento do serviço, levantaram questionamentos sobre a Enel Foto: DANIEL TEIXEIRA / ESTADÃO

Edelstein comentou também que, para casos como este, a regulação proporciona condições para a Aneel e o Ministério de Minas e Energia (MME) forçarem a empresa a melhorar a qualidade do serviço e dar as respostas adequadas ao problema. Ele menciona a possibilidade de se construir um plano de ação, com medidas concretas para solucionar os problemas.

No ofício encaminhado à Aneel em que solicita a abertura de um processo para avaliar a atuação da Enel São Paulo, o MME indica a necessidade de avaliar se a prestação dos serviços está ocorrendo de forma “inadequada ou deficiente” em relação aos indicadores e parâmetros de qualidade do serviço e também se há “descumprimento das cláusulas contratuais ou disposições legais ou regulamentares concernentes à concessão”.

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O documento pede ainda que seja verificada se a concessionária “deixou de atender intimação da agência reguladora para a regularização da prestação do serviço”. Ao longo do texto, destaca cláusulas contratuais que apontam como consequência dessas irregularidades a caducidade da concessão.

Para o advogado sócio do escritório Lefosse, Raphael Gomes, embora efetivamente caiba ao MME cobrar a Aneel algum tipo de análise sobre o caso, ainda que seja a agência reguladora a responsável por gerir os contratos de concessão, há um “teor inadequado” no ofício. “No contexto do ofício, está sendo solicitado que sejam tomadas providências nos termos de uma das resoluções que trata de penalidades, para ser verificada a adequação do serviço, esse é um ponto institucionalmente adequado”, disse.

Ele considera, porém, que a iniciativa do ministro tem uma conotação política e carrega antecipação de entendimentos. “Têm duas questões desse ofício que causam muita preocupação para a estabilidade regulatória e a segurança jurídica”, disse, citando a maneira como o texto do ofício foi construído e declarações do ministro à imprensa sobre a iniciativa.

Pressão na Aneel

Na avaliação do advogado, pelos adjetivos utilizados e as suposições apresentadas, o ofício passa a impressão de um pré-entendimento de que há um descumprimento de contrato e uma inadequação do serviço. No entanto, esses deveriam ser questionamento a serem respondidos pela Aneel. “Isso pode poluir e induzir alguma tecnicidade em relação ao julgamento”, disse.

Ele também cita a declaração de Silveira de que o processo da Enel SP seria um exemplo para as demais distribuidoras. “Nenhum caso deveria servir de exemplo para os demais. O maior exemplo é ter uma fiscalização e uma análise de cada uma das concessões, e não dar a entender que se iria usar este caso aqui para servir de exemplo”, disse.

Uma advogada especialista no setor elétrico, que conversou com a reportagem em condição de anonimato, também destacou a componente política da iniciativa. “Nunca vi uma coisa assim de o ministro fazer visita pública na Aneel e entregar ofício. Pressão grande na agência reguladora sobre o tema”, disse.

Ela lembra que a Aneel já tem processo administrativo em andamento para fiscalização da Enel SP e já determinou multas elevadas. “Não há inação da agência reguladora, ela tem agido de maneira próxima aos incidentes”, avalia. No entanto, para ela, das declarações do ministro subentende-se que, para ele, a Enel não tem mais condições de prestar serviço.

“Embora a declaração (de caducidade) seja feita pelo MME, quem faz a instrução é a agência reguladora e o ministério tem de cumprir com a regulação, mas caducidade é pensada para uma situação extrema, em que não há mais solução, como o caso de abandono da concessão, é a última medida aplicável”, afirma.

A advogada cita ainda que, em caso de término antecipado da concessão, resta a dúvida sobre quem irá assumir a prestação do serviço. “Teria de entrar outra empresa, que teria problemas semelhantes”, disse. Além de uma relicitação, o ministro Alexandre Silveira também citou a possibilidade de uma reestatização, sem se aprofundar sobre quem de fato assumiria, já que atualmente não existe uma estatal elétrica que opere na distribuição.

Para Edvaldo Santana, a ação do MME pressionando a Aneel pode estar relacionada à fragilidade da agência neste momento, com divisão entre os diretores e tentativa de interferência pelo Poder Legislativo. “Se tiver uma caducidade da concessão da Enel, metade ou mais das distribuidoras do Brasil precisaria passar pelo mesmo processo. A Enel SP presta um péssimo serviço, e a qualidade do serviço é uma das questões, mas tem distribuidora muito pior”, disse.

O presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, também criticou o uso político da medida anunciada pelo ministro Silveira nesta segunda-feira e as declarações dadas no início do dia. “A falta de energia traz transtorno para qualquer cidadão e é compreensível a revolta dos consumidores, mas é algo a ser investigado pela agência reguladora com o máximo rigor, à luz da regulação existente e do contrato existente e, ficando caracterizada a responsabilidade da empresa, aplicar as punições previstas”, disse. “Isso não tem nada a ver com o discurso político, essa entrevista eivada de colocações políticas e julgamentos pessoais”, acrescentou.

Ele comentou, ainda, sobre outro processo de caducidade já encaminhado pela Aneel, referente à distribuidora Amazonas Energia, atualmente sob avaliação do MME. “Esse tipo de situação (da Enel) não tem nada a ver com o grau a que chegou a concessão no Amazonas, porque enquanto aqui (em São Paulo) existem episódios que justificam uma fiscalização rigorosa e eventual punição, lá tem a empresa ausente. A Aneel, ao pleitear a caducidade, é porque a empresa se mostrou incapaz de dar qualquer resposta regulatória, é outra ordem de grandeza”, disse.

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