Está planejando fazer uma viagem internacional? Espere caos e confusão

O mundo atrai especialmente as pessoas que foram vacinadas, mas os viajantes em potencial enfrentam um momento difícil quando as possibilidades de viajar não condizem com a realidade de um mundo ainda cambaleante

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Por Stephen Hiltner

Nos últimos dias, uma série de notícias promissoras tem pintado um quadro otimista do retorno das viagens internacionais recreativas.

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Mais de 105 milhões de pessoas nos Estados Unidos já tomaram as duas doses da vacina. Grécia, Islândia e Croácia, entre uma lista crescente de países, agora estão abertas para os turistas americanos. As empresas aéreas retomaram os voos para o exterior. E talvez a melhor notícia: os americanos totalmente vacinados novamente serão bem-vindos em toda a Europa. Mas o otimismo talvez seja prematuro. No momento, a realidade mais ampla é mais caótica e mais séria.

Um conjunto de contracorrentes turbulentas – incluindo um forte aumento nos casos de coronavírus em todo o globo, campanhas de vacinação atrasadas nos locais turísticos e a falta de um sistema confiável para comprovar a vacinação, abrem espaço para um retorno lento e torturado das viagens internacionais emgrande volume, apesar dos pronunciamentos ambiciosos e a pressão da indústria do turismo desejando evitar um outro período de desgaste econômico.

Sinal colocado na frente do Museu do Louvre em junho passado anunciava seu fechamento. Ele ainda não reabriu. Foto: Charles Platiau/Reuters

Reabrir áreas para turistas vacinados é um risco calculado, disse Sarah Fortune, diretora do Departamento de Imunologia e Doenças Infecciosas na Harvard T.H. Chan School of Public Health. “Meu cenário é catastrófico”, disse ela, “uma mistura de populações vacinadas e não vacinadas num local onde a carga viral é alta e também a transmissão viral é alta”.

Ao mesmo tempo, países dependentes das receitas advindas do turismo vêm pressionando para se admitir mais visitantes. Muitas nações caribenhas estão abertas aos americanos desde que apresentem testes negativos para o coronavírus. E alguns países europeus não ficam atrás. As restrições de viagem na Grécia, onde o turismo representa cerca de 25% da mão de obra do país, foram flexibilizadas em meados de abril, permitindo que viajantes que tomaram as duas doses da vacina, vindos dos Estados Unidos, Grã-Bretanha, Israel e Estados membros da União Europeia, entre outros lugares, visitem o país sem necessidade de uma quarentena ou do fornecimento de testes negativos para a covid-19. (Uma abertura mais ampla é planejada para o final deste mês).

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Por enquanto, é difícil saber se o setor de viagens está passando por uma transição temporária ou se defrontando com as complexidades a longo prazo de um choque entre ilusões de viagem, a dura realidade de uma pandemia implacável e a possibilidade de um turismo responsável. Seja qual for o caso, uma série turbulenta de forças afeta as perspectivas de viagens ao exterior.

Uma realidade global terrível

Os que aspiram viajar para o exterior, principalmente os americanos vacinados, entram numa fase cada vez mais caótica em que seus sonhos de viagem – alimentados por mais de um ano de confinamento – estão em desacordo com os fatos de um mundo exterior em sua grande parte fechado e ainda cambaleando. Globalmente, mais casos novos de coronavírus foram reportados nas últimas semanas do que em qualquer momento desde o início da pandemia. Os números vêm sendo impulsionados por um surto descontrolado na Índia, mas também refletem tendências preocupantes nos destinos europeus prediletos dos americanos, da França e Alemanha à Itália e Espanha, alguns deles agora passado por longos lockdowns e toques de recolher.

Nos EUA, mais de 105 milhões de pessoas já tomaram as duas doses da vacina.As empresas aéreas estão abertas para recebê-las. Foto: Nicole Craine/The New York Times

Em abril, o Departamento de Estado dos Estados Unidos ampliou a lista de países na categoria “Nível 4: Não viajar”, adicionando, entre outras dezenas de lugares, o México, Canadá e Grã-Bretanha, três dos destinos mais populares entre os americanos. Muitos países do Caribe, incluindo Bahamas, República Dominicana e Jamaica, também estão no Nível 4. Na Índia, que enfrenta um surto catastrófico, a presença de uma variante potencialmente mais ameaçadora – possivelmente mais perigosa para as crianças, e contra a qual as vacinas são menos eficazes, está complicando ainda mais a crise.

Para o viajante em potencial, são indícios do que as variantes que vêm surgindo podem representar nos meses e anos que virão.

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Desigualdade e atrasos na vacinação

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Fora dos Estados Unidos, o número de vacinados permanece comparativamente baixo – em alguns casos alarmantemente baixo. Na Itália, cerca de 11% da população foi totalmente vacinada. No México, historicamente o país mais visitado por turistas americanos, a porcentagem de vacinados está em 6%. No Canadá, 3%, embora essa taxa seja parcialmente explicada pelo longo intervalo entre a primeira e a segunda dose no país. Em comparação, os Estados Unidos acabaram de superar a marca de 32%. O fornecimento global de vacinas tem sido interrompido pelo aumento de casos de covid-19 na Índia que reduziu as exportações para atender à demanda doméstica.

Como a maioria dos países, o Canadá depende inteiramente de fontes estrangeiras para o fornecimento de vacinas; como uma medida da parcela da sua população totalmente vacinada, o país está hoje atrás de mais de 50 nações. Enquanto isso, o ímpeto no sentido de um retorno às viagens de lazer suscita questionamentos sobre a ética dos viajantes vacinados que demandam serviços de pessoas nos países que os recebem, em grande parte ainda não vacinadas. Essas questões são especialmente complicadas em comunidades que dependem economicamente do turismo.

A Itália já está reabrindo algumas de suas atrações turísticas, mas apenas 11% da população local foi totalmente vacinada. Foto: Flavio Lo Scalzo/Reuters

Segundo Mami Taniuchi, pesquisadora de doenças infecciosas na Universidade da Virgínia, embora o risco de infecções repentinas entre os viajantes vacinados seja baixo, existe um risco aumentado entre os trabalhadores não vacinados que, de outra forma, não estariam juntos com um número tão grande de pessoas ou em ambientes fechados.

O problema dos passaportes de vacina

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Certificados de saúde que comprovam a condição de imunizado de uma pessoa, os chamados “passaportes de vacina”, têm sido apregoados como a chave para destravar as viagens internacionais. Mas até agora a perspectiva de desenvolver um certificado digital fácil de usar e amplamente aceito tem sido entravada por uma série de obstáculos burocráticos, logísticos e técnicos.

O governo Biden descartou a possibilidade de um banco de dados federal centralizado de vacinação. Em vez disso, Estados individuais (e algumas cidades e territórios) vêm mantendo um emaranhado de registros. Qualquer empresa ou organização precisaria, assim, rastrear os dados de imunização de uma série de registros. No momento, a opção mais viável para os americanos comprovarem sua condição de imunizados numa viagem internacional é apresentarem o cartão de registro de vacinação contra a covid-19 que receberam ao serem vacinados. Mas esses documentos são facilmente falsificados.

Vários Estados oferecem PDFs dos cartões para serem baixados gratuitamente nos seus websites; certificados falsificados já foram colocados à venda no TikTok, eBay e Craigslist. O desenvolvimento de certificados de saúde digitais é um desafio multidimensional, envolvendo políticas públicas, saúde pública, experiência do cliente e cooperação internacional, disse Eric Piscini, que supervisionou o desenvolvimento do aplicativo do passaporte de saúde da IBM Digital Health Pass. “Estou muito otimista quanto ao longo prazo, mas o caminho não é fácil”. Ele avalia que o Certificado Verde Digital da Comissão Europeia não estará operacional antes do final de junho ou julho.

A integração com plataformas fora da Europa levará tempo. Até então, disse Piscini, países como a Grécia, que por enquanto verifica a situação de imunização dos visitantes com certificados de papel facilmente falsificados – podem enfrentar tanto a falta de confiança dos viajantes como a resistência dos moradores locais que temem que a política adotada os coloque em risco.

A Grécia já está aberta para os turistas americanos, mas população local teme a política de reabertura do governo. Foto: Costas Baltas/Reuters

Destinos alterados

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Mesmo que os turistas internacionais possam viajar com segurança, sem arriscar o bem-estar dos seus anfitriões, eles enfrentarão outro obstáculo: os destinos podem não ter muitos dos habituais atrativos. Em todo o mundo, a pandemia fechou museus, forçou restaurantes a fecharem e restringiu inúmeras ofertas culturais. Muitas regiões da Europa estão sujeitas a toques de recolher locais que vão e vêm conforme o número de casos flutua. 

No mês passado, reinou uma grande confusão na Espanha sobre se os banhistas, respeitando o distanciamento social, seriam obrigados a usar máscaras, embora as regras tivessem de ser esclarecidas (e não foram). Tudo isso sugere que, num futuro próximo, haverá uma lacuna entre as expectativas dos turistas e as realidades restritas dos seus destinos. 

“Realmente não sei o que haverá de atrativo para os turistas em Paris, agora ou num futuro próximo”, disse Yuji Kayayan, autora de livros de viagens que reside perto do Louvre, citando a escassez de ofertas culturais. As regras que regem os toques de recolher e as restrições regionais, acrescentou ela, seriam difíceis para os estrangeiros entenderem. “Para ser honesta, as regras são muito confusas, mesmo para os parisienses”, disse ela.

O quadro geral e os custos

Em 2019, o número de turistas internacionais em viagem atingiu 1,5 bilhão globalmente – uma cifra impressionante. Mas compreender a escala das viagens internacionais e os setores que cresceram para apoiá-las e incentivá-las é fundamental para entender as forças que pressionam agora pelo seu retorno. 

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Checkpoint Charlie, em Berlim, vivia repleto de turistas, mas estava vazio em novembro. Atualmente, a Alemanha passa por outro lockdown. Foto: Lena Mucha/The New York Times

Governos, conselhos de turismo, companhias aéreas, empresas hoteleiras, agências de viagens e operadoras de cruzeiros, junto com motoristas de ônibus de turismo, governantas, guias locais, pilotos, donos de restaurantes, operadores de museus, artistas, fornecedores, pescadores, lojistas, proprietários de bares – em resumo, todas as pessoas que lucram com os dólares do turismo – estão enfrentando a mesma pressão econômica e não desejam perder outra temporada turística. O ano passado sem viagens, quando o número de turistas internacionais caiu de 1,5 bilhão para 381 milhões, foi devastador. Para muitos, um outro ano similar seria impensável.

E assim, um sistema já estressado é forçado a enfrentar um dilema existencial: os países decidirão continuar com os bloqueios ou aumentar o risco de doenças e cortejar as tão necessárias receitas advindas do turismo? A Nova Zelândia, que por meio de uma combinação de bloqueios rígidos, fechamentos de fronteiras e quarentenas rigorosas praticamente eliminou o coronavírus das suas costas, apostou no lado extremo do espectro. A Grécia parece estar apostando no lado contrário.

Não há respostas fáceis e nem soluções universais. Em muitos casos, caberá aos turistas individuais – os poucos afortunados e vacinados repletos de incentivos e loucos para viajar – fazerem as considerações éticas a respeito. De todas as variáveis, apenas uma coisa parece inevitável: as escolhas que fizermos, se nos aventuramos a sair ou nos amontoamos perto de casa, provavelmente nada disso será um bom presságio para os trabalhadores individuais – os muitos desafortunados e não vacinados que, por força das circunstâncias, estão vulneráveis ao vírus e ao destino cambaleante de uma indústria duramente atingida. /TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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