A tentativa de interferência do governo na sucessão da Vale produziu uma divisão entre os acionistas da companhia que paralisou a decisão sobre quem vai presidir uma das maiores empresas do País.
Os conselheiros voltaram a se reunir na quinta-feira, 22, mas não houve veredicto. Segundo relatos obtidos pelo Estadão, o empate segue e não houve clima para voltar ao assunto, uma vez que ainda não apareceu uma saída para o impasse.
De um lado, seis conselheiros, de um total de 13, votaram pela troca do atual presidente, Eduardo Bartolomeo. O grupo inclui os representantes da Previ, o fundo de pensão dos funcionários do BB, por meio do qual o governo exerce influência na empresa; da Bradespar, o braço de investimentos do Bradesco; o representante dos funcionários na companhia e minoritários brasileiros. Do outro lado, estão os sócios estrangeiros da companhia e independentes, que querem evitar maior influência do governo.
O governo Lula tinha o interesse de tirar Bartolomeo do cargo para entregá-lo ao ex-ministro da Fazenda Guido Mantega. Tentou ainda uma fórmula para emplacá-lo no conselho de administração, mas não houve acordo. Nem os sócios privados aceitaram entregar a presidência ao governo, nem a Previ concordou em ceder uma de suas duas vagas no conselho de administração.
Integrantes do governo têm alegado, nos bastidores, que é necessário um novo presidente que permita o alinhamento de agendas da empresa com o Executivo federal. Privatizada há 26 anos, a Vale é hoje uma multinacional da mineração e, durante os dois primeiros mandatos de Lula, sofreu influência do governo, que incentivou a companhia a apostar em investimentos de siderurgia que não deram resultado.
No atual mandato, auxiliares de Lula dizem esperar contar com a empresa para auxiliar no crescimento da economia e na geração de empregos. Defendem, por exemplo, que a empresa internalize partes da cadeia de exportação do minério de ferro, como a pelotização e a briquetização, feitas hoje no Golfo do México e no Oriente Médio.
A Bradespar, por sua vez, apresentou condicionantes para a sucessão, num arranjo que poderia atender aos mais receosos da influência política na companhia: que os indicados não sejam ex-presidentes e ex-diretores da Vale nem pessoas ligadas ao governo. Bartolomeo poderia, neste caso, integrar a lista tríplice que será formada caso a palavra final seja pela não renovação de seu contrato.
O atual presidente encontra apoio nos sócios estrangeiros da companhia, que passaram a deter poder na empresa desde que a Vale pulverizou o controle e se tornou uma corporation, em 2020 — pelo modelo, nenhum sócio detém mais do que 10% da companhia.
Esses acionistas são refratários à interferência estatal e, em reuniões reservadas, já falaram em acionar a Justiça americana caso se comprove a ingerência de Brasília na companhia.
Seis conselheiros ligados a investidores estrangeiros, como os fundos BlackRock e Capital, Mitsui e independentes, votaram pela permanência de Bartolomeo. Para esse grupo, uma solução “salomônica” passa por uma extensão do mandato de Bartolomeo por, pelo menos, mais um ano, para garantir a continuidade do trabalho blindando a companhia da intromissão do governo Lula.
O voto do Bradesco, se seguido pelos demais conselheiros, poderia neutralizar não apenas Mantega, mas também cotados como o ex-presidente da companhia Murilo Ferreira, que administrou a Vale durante o governo Dilma Rousseff (2011-2016).
Entre os nomes que passaram a circular nos últimos dias, voltou o do ex-presidente do Banco do Brasil Paulo Caffarelli, que integrou a equipe de Mantega no Ministério da Fazenda em 2014. Desde que deixou o governo, o executivo construiu uma carreira no setor privado, dirigindo a Cielo e a Simpar, uma holding de logística. Ele também foi conselheiro da Vale. Uma das vantagens do executivo na disputa é o apoio da Previ, principal ator contra a permanência de Bartolomeo, e seu trânsito no mercado.
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Enquanto o impasse no conselho não chega a um desfecho, a Vale vem enfrentando crises nas relações governamentais.
Duas minas que a empresa opera no Pará, uma de níquel e outra de cobre, tiveram a licença ambiental cassada pelo governo do Estado, comandado pelo governador Hélder Barbalho (MDB), visto no meio político como potencial vice de Lula na eleição de 2026.
O Ministério dos Transportes enviou uma cobrança de R$ 25,7 bilhões pela renovação de concessões ferroviárias, e o Ministério de Minas e Energia prepara uma revisão dos direitos de exploração concedidos às mineradoras, entre elas a Vale, como mostrou a coluna Painel SA da Folha de S.Paulo. As duas discussões já ocorriam antes do impasse sobre a sucessão na Vale se instalar, mas ganharam tração.
No último dia 6, Barbalho fez um duro discurso contra a Vale. No lançamento de um projeto social, bancado pela empresa, em São Félix do Xingu, ele disse que o investimento não é uma “benevolência” da empresa.
“A Vale ganha muito dinheiro com o Pará e tem que deixar uma parte desse lucro para o Estado poder crescer e se desenvolver”, disse.
Procurado, o governador não se manifestou. Em nota enviada ao Estadão, a secretaria de Meio Ambiente do Pará afirmou que houve “inconformidade nos relatórios de informação ambiental e descumprimento de ações de mitigação de impactos, resultando em conflitos com comunidades próximas” e que aguarda a adequação das atividades.
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