
No último dia 10, o embaixador André Corrêa do Lago divulgou sua primeira carta como presidente da COP-30. Nela, ele avisa: “A mudança do clima não está mais contida na ciência e no Direito internacional. Ela chegou à nossa porta, atingindo nossos ecossistemas, cidades e vidas cotidianas”.
Especialista no tema, Corrêa do Lago foi um dos organizadores da Rio-92 e negociador do governo brasileiro para a adesão ao Acordo de Paris. Ele sabe da importância e do momento crucial para o País e para o mundo. “Vamos falar do que realmente é importante para o mundo inteiro, que é a mudança do clima”, afirma.
Para ele, a agenda do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, não alterou a agenda ambiental de Estados e empresas americanas.
A iniciativa privada e os Estados vão continuar muito presentes nesse tema, mas de maneira diferente”, afirma o presidente da COP-30.
A seguir, os principais trechos da entrevista do embaixador a Cenários:
O senhor recentemente divulgou uma carta como presidente da COP-30 em que fala dos desafios na área ambiental. O que o mundo pode esperar da COP-30 no Brasil?
Acho que eu vou ser o primeiro presidente de COP que foi negociador de clima antes, porque, em geral, os presidentes de COP são ministros, ou ministro das relações exteriores, ou ministros do meio ambiente, ou da indústria. Então, já é uma situação um pouquinho diferente. Mas, em razão dessa experiência, tenho de ter muito cuidado para não cair na tentação de falar só com os convertidos. Tenho procurado traduzir essas negociações para que um grupo muito mais amplo de pessoas possa acompanhar, se interessar e contribuir para a COP. Acho que ampliar o interesse e a participação vai ser uma das chaves para que a COP de Belém seja um sucesso.

Como incluir a sociedade civil e os povos indígenas nesse debate?
Existe uma dimensão formal dentro das Nações Unidas e, sobretudo, da Convenção do Clima, de incluir observadores, ou seja, a sociedade civil e também povos indígenas. Já existe uma base, mas é um número bastante limitado. O nosso desejo é que essa consulta seja muito mais ampla. Daí, um pouco o espírito da carta de querer que todos participem. E como é que a gente faz essa maior participação? Como já existem grupos organizados, é permitir que esses grupos ampliem essas consultas e que esses grupos tenham mais acesso, e que a negociação seja mais transparente. Porque essas negociações, como são só os governos que decidem no fim, muitas vezes são opacas. Queremos que elas sejam muito mais transparentes.
O senhor acha que a consciência ambiental, hoje, é mais ampla não só no Brasil, mas em todo o mundo?
Acho que sim, mas a interpretação do que está acontecendo é variada. Primeiro, a gente passou anos avisando que a ciência estava nos dizendo que essas coisas iriam acontecer. Muita gente não acreditou, inclusive algumas pessoas achando que ia acontecer muito mais tarde. Acabou acontecendo exatamente o contrário, aconteceu muito antes. Vários desses fenômenos extremos a ciência achava que ia acontecer na próxima década e acho que, a partir daí, aumentou enormemente a conscientização. Acho que hoje diminuiu muito o negacionismo.
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No caso do governo do presidente Donald Trump, parece que a ficha não caiu. Como lidar com isso?
Há duas dimensões nesse caso. Uma é que, realmente, a gente não consegue entender muito bem quais são os caminhos que ele vai tomar. De outro lado, a iniciativa privada e os Estados vão continuar muito presentes nesse tema, mas de maneira diferente. Estive recentemente nos EUA com empresários que me disseram que é preciso pensar muito mais na frente do que quatro anos para fazer investimentos, e que não serão interrompidos. As notícias do setor privado, de um modo geral, foram positivas. Então, a estimativa é isso, quer dizer, que dois terços da economia americana fossem como se eles estivessem acompanhando o Acordo de Paris, independentemente de o país não estar fazendo.
Como essa posição do governo americano pode afetar a COP?
Acho muito difícil uma alteração da decisão de sair do Acordo de Paris, mas considero que pode acontecer que, à medida que os apoiadores do presidente Trump se derem conta de que o combate à mudança do clima não é uma ameaça à economia americana nem uma questão ideológica, talvez ele modere muito o tom.
Como o senhor se aproximou do tema meio ambiente?
No momento em que eu saí do Brasil, já na minha geração, me dei conta de que o tema ambiente já tinha se tornado extremamente importante e o Brasil era visto, de certa forma, como um vilão. Isso exigia muito preparo para todos nós, diplomatas, para podermos reagir ao que se dizia. Já naquela época, a gente se deu conta do quanto esse tema era um tema incontornável. Comecei a me interessar porque percebi que esse tema seria importante durante toda minha vida. Na Rio 92 (conferência da ONU sobre o clima, em 1992), trabalhei mais na organização, mas passei a me interessar muito mais pelo tema. Fui para o exterior e, quando eu voltei, em 2000, decidi que essa deveria ser a área em que eu deveria me dedicar mais.
Qual a mensagem que a COP deve deixar?
A gente tem de estar bastante unido na preparação dessa COP. Queremos ter um pacto nacional pela COP-30. Porque, do ponto de vista econômico, há muita coisa positiva que pode acontecer para o Brasil, porque o Brasil tem a precondição de ser um país completamente livre em energia. Vamos aproveitar essa agenda. A gente não deve resistir a ela. Tem de aproveitar, porque essa agenda vai ajudar o Brasil a se projetar no mundo contemporâneo. Vamos falar do que realmente é importante para o mundo inteiro, que é a mudança do clima.