BRASÍLIA - A pedido dos Estados, o Ministério da Fazenda deve aproveitar o segundo projeto de lei complementar da reforma tributária, a ser enviado esta semana ao Congresso, para detalhar a taxação sobre herança e doação no exterior, além de abrir caminho para a tributação de planos de previdência privada (PGBL e VGBL) que visem ao planejamento sucessório. Ambas as cobranças são alvo de longas disputas no Judiciário, inclusive no Supremo Tribunal Federal (STF).
Interlocutores ouvidos pela reportagem afirmam que a inclusão desse tema no próximo texto da reforma - o qual abordará aspectos federativos do novo sistema - tem o objetivo de atender a uma demanda dos governadores. Isso porque esse tipo de tributação é de competência estadual e se dá por meio do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).
Apesar de a reforma ter como foco os tributos sobre consumo, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), promulgada no fim do ano passado, já trouxe mudanças na taxação do patrimônio, como no caso do IPTU, em que deu mais poderes ao Executivo local de reajustar o valor venal dos imóveis, ou seja, a base sobre a qual incide o imposto.
Agora, o intuito é regulamentar e aprofundar essas alterações por meio da lei complementar, a qual será submetida aos parlamentares.
Dentre as modificações previstas no texto constitucional está a exigência de que o ITCMD seja progressivo em relação ao valor da transmissão. Ou seja: quanto maior o montante recebido pelo herdeiro ou beneficiário da doação, maior será a alíquota aplicada. O Estado também pode optar por criar uma faixa de isenção e realizar uma cobrança única acima desse patamar. Em todos os casos, a alíquota máxima não pode ultrapassar 8%.
Antes da reforma, 14 Estados e o Distrito Federal já contavam com tributações progressivas (veja tabela abaixo). As outras 12 unidades da federação ainda não ajustaram as legislações, mas a expectativa é que o façam em breve. As modificações, porém, não terão efeito imediato, pois precisam seguir os princípios da anterioridade nonagesimal (só cobrar após 90 dias da publicação da lei) e anual (no exercício seguinte). Ou seja, se aprovadas neste ano, só valeriam em 2025.
Regras para exterior
Para herança e doação no exterior, a emenda estabelece quatro regras gerais. No caso dos imóveis, o imposto será sempre recolhido no Estado onde o bem está localizado. Por exemplo: o proprietário mora nos Estados Unidos e decide doar um apartamento localizado em São Paulo ao filho que reside no Rio de Janeiro. O ITCMD será pago ao governo paulista.
Saber em qual unidade da federação o tributo será recolhido é uma informação com impacto relevante nos cofres de cada Estado, mas também no bolso do contribuinte. São Paulo, por exemplo, pratica uma alíquota única de 4%, enquanto Rio de Janeiro cobra de 4% a 8%, a depender do valor do bem transmitido.
Já no caso dos bens móveis (como uma conta corrente, por exemplo), quando o doador morar fora do País, o imposto será recolhido no Estado onde reside o beneficiário da doação. Caso ele também viva no exterior, aí a competência será do Estado onde se encontra o bem.
Por fim, se os bens da herança estiverem situados no exterior, a tributação caberá ao Estado de residência do falecido. No caso de ele ser domiciliado fora do País, aí a taxação ocorrerá onde o sucessor residir.
Apesar de essas determinações já estarem previstas na PEC, será papel da lei complementar detalhar e uniformizar questões técnicas referentes às cobranças, as quais deixaram de ocorrer em 2021 por decisão do STF, em julgamento que frustrou os Estados.
Na ocasião, a Corte entendeu que os governadores não poderiam cobrar ITCMD sobre herança e doação no exterior apenas com base em legislações locais, uma vez que a Constituição exige que a taxação seja amparada por lei complementar federal. O problema é que a lei está pendente de deliberação desde 1988. O STF chegou a estabelecer um prazo para que o Congresso regulamentasse a cobrança, mas ele não foi respeitado.
À época do julgamento, a Secretaria da Fazenda e Planejamento de São Paulo estimou uma perda de arrecadação de R$ 5,4 bilhões em um período de cinco anos, devido à impossibilidade da taxação.
Tributação de VGBL e PGBL
A lei complementar também deve tratar de outro tema de grande controvérsia no Judiciário: a taxação, via ITCMD, de planos de previdência privada que tenham natureza de aplicação financeira, e não de seguro. O assunto já foi alvo de julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e aguarda análise do STF.
De forma geral, os PGBLs e VGBls não entram nos inventários quando o titular morre, sendo transmitidos aos beneficiários automaticamente. Dessa forma, ficam livre da incidência do ITCMD por serem compreendidos como produtos de natureza securitária.
Diversos Estados, porém, passaram a tributar a transferência desses planos nos últimos anos por avaliarem que se trata de uma forma de transmissão de patrimônio entre as gerações. Ou seja, que eles têm característica de herança. Isso gerou uma série de judicializações e respostas bastante díspares por parte dos tribunais.
Minas Gerais, por exemplo, tributa esses planos, enquanto São Paulo não taxa, e Rio de Janeiro cobra apenas sobre os PGBLs, e não sobre os VGBLs.
Em 2021, os ministros da 2ª Turma do STJ concluíram, por unanimidade, que a cobrança sobre VGBL é irregular. No ano passado, porém, ao julgar um recurso especial, o tribunal firmou o entendimento de que, se considerado investimento, o plano de previdência deve sim passar por inventário, ficando sujeito ao ITCMD.
Essa última posição também é compartilhada pelo Ministério da Fazenda, segundo apurou o Estadão. Técnicos da equipe econômica afirmam que, se tiver natureza de aplicação financeira, o plano pode ter a incidência do tributo estadual.
A expectativa é de que a lei complementar trace os limites do que seria ou não considerado aplicação financeira ou seguro. A palavra final, porém, será do STF, cujo julgamento terá repercussão geral.
Além disso, uma vez publicada e aprovada a legislação complementar, caberá a cada Estado decidir se deseja ou não realizar esse tipo de cobrança. Em caso positivo, será necessária a aprovação de lei ordinária local, cuja vigência também deverá seguir os princípios da anterioridade.
O tema é de interesse dos governadores porque, se aprovada a regulamentação ainda neste ano, eles poderiam ampliar arrecadação via ITCMD já a partir de 2025.
No caso de São Paulo, o Estado deverá rever como tributa hoje o ITCMD, uma vez que precisará implementar a progressividade na alíquota definida na reforma tributária - o Estado cobra 4%, de maneira uniforme.
O assunto está em estudo para ser levado ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), demandará aprovação da Assembleia Legislativa paulista e não deve ser concluído no curto prazo. A incidência sobre herança no exterior e fundos de previdência também aguarda a regulamentação federal.
No Congresso, tema é visto com desconfiança
Um dos integrantes do grupo de trabalho formado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para analisar o segundo texto da regulamentação enviada pelo Executivo, o deputado Vitor Lipi (PSDB-SP), afirma que a regulamentação deve se concentrar na tributação sobre o consumo e evitar temas afeitos à renda e ao patrimônio, cuja discussão deve ser feita numa etapa posterior.
“Sou contra tratar de ITCMD neste texto, é matéria estranha ao IVA (Imposto sobre Valor Agregado, incidente sobre o consumo), é outro tipo de imposto, não tem nada a ver”, afirmou.
Para o parlamentar, a discussão deve se concentrar em temas federativos, como o funcionamento do Comitê Gestor do IBS, o novo imposto que nascerá na junção do ICMS e ISS, e em como serão padronizados os trabalhos dos fiscos municipais, estaduais e federal.
“Os Estados não podem fazer cada um ao seu jeito, isso é muito importante para que não haja insegurança e judicializações”, afirmou.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.