BRASÍLIA – Representantes dos Estados se reunirão com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, nesta terça-feira, 25, para discutir melhor o projeto que amplia a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês, compensado com a tributação da alta renda. O objetivo dos governos regionais é entender melhor como funcionará a compensação proposta pela União, para garantir que não haverá impacto nos cofres dos entes subnacionais.
Desde que o governo apresentou a proposta, na última semana, há uma movimentação por parte de Estados e municípios que pressionam os parlamentares para evitar uma eventual perda de arrecadação. Como mostrou o Estadão, o principal receio de governadores e prefeitos é em relação ao impacto que a medida pode gerar na arrecadação do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) pago pelos funcionários públicos estaduais, distritais e municipais.

O governo federal argumenta que os entes subnacionais não terão perdas nos repasses dos fundos de participação porque a ampliação da faixa de isenção do IR para quem recebe até R$ 5 mil será compensada pela tributação daqueles que recebem mais de R$ 600 mil anuais. Como a renúncia fiscal é proporcional ao ganho de receitas neste modelo, não haverá alteração nos repasses ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e Fundo de Participação dos Estados (FPE).
Um interlocutor dos Estados explicou à reportagem que o grupo quer compreender melhor os cálculos da equipe econômica, já que tanto o ministro quanto outros integrantes frisam que o projeto é neutro do ponto de vista fiscal. Os governadores, no entanto, também se preocupam com as perdas que virão pela mudança no IRRF. Hoje, a retenção fica integralmente com os entes subnacionais, mas com o projeto, esses servidores serão equiparados aos demais trabalhadores.
Nesse caso, os Estados querem entender qual seria o impacto que a União vislumbra para as contas dos governos regionais com a perda da receita do IRRF.
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Pressão no Congresso
Nos corredores da Câmara, deputados têm ecoado que o projeto precisa prever alguma proposta que compense os Estados e municípios por eventual queda nas receitas. O assunto deve ganhar força, sobretudo, quando o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), designar o relator da proposta. No entanto, algumas sugestões para incluir no texto já têm surgido nos bastidores do Legislativo.
O Estadão/Broadcast apurou que a equipe técnica da liderança do União Brasil, a pedido dos parlamentares filiados à sigla, já está elaborando uma proposta de emenda para compensar os cofres de Estados e municípios. À reportagem, o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) também afirmou que estuda uma alternativa que garanta a recomposição das receitas dos entes federativos com base no último ano antes da vigência da nova regra, corrigido pelo crescimento da arrecadação do IR.
“Por exemplo, a prefeitura do Rio de Janeiro deve ter uma receita de R$ 1 bilhão e alguma coisa com essa retenção (IRRF). Aí ela está perdendo R$ 300 milhões. Pela proposta, a União pagaria os R$ 300 milhões mais um reajuste do que aumentou a arrecadação de imposto de renda no nível geral. Se a arrecadação de imposto de renda crescer 5%, seriam os R$ 300 milhões mais esse porcentual geral”, explicou. Ele ainda avalia por quanto tempo a compensação deveria vigorar ou se seria possível incorporá-la a um repasse já existente da União aos entes federados.
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A equipe do parlamentar elaborou uma nota técnica apontando que a justificativa do governo - de que o aumento da circulação de dinheiro na economia compensaria as perdas - é frágil e não tem respaldo na legislação fiscal. “Esses impactos fiscais sobre os Estados e os municípios não são negligenciáveis e precisam sim ser endereçados, isso porque a arrecadação do imposto de renda envolve também o imposto retido na fonte de funcionários públicos de cada um desses entes”, diz o documento.
Segundo os cálculos apresentados pelo gabinete do parlamentar, se o governo abrir mão de R$ 25,8 bilhões em IR, o Fundo de Participação dos Estados (FPE), o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e os fundos regionais perderão juntos R$ 12,9 bilhões, o que representa 50% do impacto total. Com a tributação sobre alta renda e dividendos, essas perdas poderiam ser compensadas, garantindo a neutralidade fiscal.
No entanto, o parlamentar ressalta que o mesmo não ocorre com o IRRF. “Já no caso do IR retido na fonte (IRRF), a dinâmica não é tão simples e muito menos neutra do ponto de vista fiscal. Por não transitarem pela conta única do Tesouro Nacional, isto é, não serem diretamente arrecadados pelo governo federal, quaisquer reduções em sua base de cálculo afetam diretamente o cofre dos Estados e municípios”, destaca a nota técnica.
Nas projeções divulgadas, ele calcula que as perdas no IRRF vão de R$ 3,6 bilhões a R$ 9 bilhões para os Estados e de R$ 2 bilhões a R$ 5 bilhões para os municípios. Os cálculos testam diferentes cenários, já que não se sabe a estrutura salarial da folha de pagamento de todos os entes federativos. “O Congresso Nacional dentro de suas competências deverá propor alterações para garantir que o projeto seja neutro do ponto de vista fiscal, redistributivo de renda e justo com entes federativos”, reforça o documento.
No Senado, a proposta apresentada pelo governo também provocou algumas reclamações. O Broadcast apurou que prefeitos começaram a procurar gabinetes de alguns senadores para argumentar que o texto, da forma como está, causará uma queda de arrecadação.
Senadores ouvidos pela reportagem disseram que aguardam o andamento da discussão sobre o assunto na Câmara, com a justificativa de que só será necessário elaborar formas de compensação para os governos estaduais e as prefeituras se os deputados não fizerem esse ajuste no texto - o que é visto como improvável, diante da pressão que os Estados e municípios começaram a fazer nos últimos dias.
Como antecipou o Estadão/Broadcast, a Confederação Nacional dos Municípios (CMN) também vai defender que haja um mecanismo de compensação, com critérios previamente definidos em lei. A entidade estima que, dos 7,5 milhões de servidores municipais, 3,4 milhões já são isentos e que mais 2 milhões passarão a estar com a nova regra, resultando em uma perda de arrecadação própria de quase R$ 5 bilhões em 2026. Somando a redução da receita própria e do FPM, a perda para os municípios pode chegar a R$ 11,8 bilhões, diz em nota.
A estimativa de impacto dos Estados também está neste patamar de R$ 11 bilhões.
Na semana passada, o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, disse em entrevista à CNN Brasil que o imposto mínimo para alta renda, medida para compensar a perda com a isenção, atenderá também os Estados. Ele afirmou ainda que a retirada do imposto para o trabalhador serve como um “14º salário” ou “renda extra”, o que irá impulsionar o consumo e, consequentemente, reverterá a arrecadação de ICMS para os Estados e de ISS aos municípios.
“Então, esse aquecimento da economia por conta desse valor injetado muito mais do que compensa qualquer suposta perda de Estados e municípios”, defendeu.
A procuradora-geral da Fazenda Nacional, Anelize de Almeida, lembrou, na coletiva técnica de apresentação do projeto, que o Imposto de Renda é um tributo com capacidade ativa 100% da União. “Os Estados têm direito na verdade a uma repartição da arrecadação, do produto da arrecadação”, disse na ocasião.
Ela também frisou que, como a compensação para o projeto não é uma colcha de retalhos e vem justamente da cobrança de IR, mas sobre a alta renda, não há impacto na conta final do que é arrecadado com o imposto. “Não há que você falar em compensação, por isso na minha opinião não deveria ter negociação com Estados”, disse.