Seja o futuro presidente da Argentina o candidato libertário Javier Milei, a ex-ministra da Segurança de Mauricio Macri, Patricia Bullrich, ou o atual ministro da Fazenda, Sergio Massa, é certo que o país enfrentará em 2024 mais um ano de inflação superior a 100%. O primeiro ano do novo governo também deverá ser marcado, na melhor das hipóteses, por um Produto Interno Bruto (PIB) estagnado.
Independentemente de quem vencer as eleições — o primeiro turno será em 22 de outubro —, reformas para diminuir o déficit fiscal e reduzir a diferença entre as mais de 20 diferentes taxas de câmbio atuais deverão ser implementadas no início de 2024, de acordo com economistas. Essas medidas, em um primeiro momento, resultarão em queda da atividade econômica e mais inflação.
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As reformas são dadas como certas porque seriam a única maneira para reduzir as distorções da economia do país. Hoje, a Argentina tem uma inflação acumulada nos últimos 12 meses até julho de 113,4%, mas a expectativa é que o índice termine o ano entre 150% e 180%. O Banco Central tem reservas líquidas negativas, ou seja, deve dólares aos bancos. A economia está em um patamar equivalente ao de 12 anos atrás. E o país não tem acesso aos mercados internacionais para se financiar.
“A situação hoje é muito ruim. Aqui, estamos acostumados com incerteza econômica, mas não acostumamos ter tanta incerteza política. Agora, estamos com as duas incertezas. É o momento mais difícil da economia argentina desde 2001″, diz o economista Andrés Borenstein, da consultoria EconViews.
A incerteza política cresceu no país em agosto, com a vitória de Javier Milei nas primárias. O candidato já afirmou pretender “dinamitar” o Banco Central e dolarizar a economia. Na semana passada, porém, seu assessor econômico, Darío Epstein, disse que, se o país não tiver dólares suficientes, não haverá dolarização.
Quais medidas econômicas devem ser tomadas em 2024 na Argentina?
Uma das mudanças esperadas para 2024 é um ajuste fiscal. Isso porque, para reduzir a inflação, o país precisa parar de emitir moeda com a qual financia gastos. Para isso, terá de fazer esse ajuste cortando gastos públicos. Neste ano, a Argentina deve registrar um déficit fiscal de quase 2% do PIB — a meta firmada com o FMI era de 0,9%.
Até Sergio Massa, que seria mais resistente às reformas, já sinalizou que fará o ajuste se ganhar as eleições. Recentemente, disse que os pilares de sua política econômica seriam a ordem fiscal, o superávit comercial, o acúmulo de reservas internacionais e o desenvolvimento com inclusão. Analistas, porém, acreditam que, se o ministro se tornar presidente, a velocidade do corte de gastos seria mais lenta.
No caso de Bullrich ou Milei vencerem as eleições, o ajuste deverá ser mais forte. Na última quarta-feira, 6, Bullrich publicou um documento com seu plano para a área econômica em que propõe “déficit zero imediato”. Também na semana passada, o assessor econômico de Milei, Epstein, afirmou que o “mais importante é que não se pode ter déficit fiscal”.
Com a redução dos gastos do governo, uma desaceleração na atividade econômica é inevitável. Neste ano, o Produto Interno Bruto (PIB) do país já deve cair cerca de 3%. No fim de julho, economistas ouvidos pelo Banco Central da Argentina projetavam um novo recuo em 2024 de 0,8% em média.
Também entre as mudanças previstas, a desvalorização do peso é tida como uma das mais certas. Hoje, com o Banco Central emitindo moeda para financiar os gastos públicos, o peso vem perdendo valor, o que pressiona a inflação. O governo, no entanto, mantém a cotação da moeda fixada artificialmente. Atualmente, o dólar oficial é negociado a cerca de 365 pesos. No mercado paralelo, chega a 730 pesos.
Credor do país, o FMI vem exigindo que o governo reduza essa diferença. Para isso, é preciso que o peso oficial seja desvalorizado. A medida, porém, vai acelerar ainda mais a inflação — e o governo tem tentado evitar isso para não perder popularidade às vésperas da eleição. Em 2024, entretanto, isso será inevitável.
Também se espera que o governo reduza subsídios a serviços básicos como água, energia e transporte, elevando os preços cobrados por eles. Diante desse cenário, a inflação mensal deve ficar acima de 10% no começo do próximo ano.
Em julho, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) foi de 6,3%. O dado de agosto ainda não é conhecido, mas projeções indicam que ele ultrapassou a casa dos dois dígitos. Se isso for confirmado, será a primeira vez desde abril de 2002 que a inflação no país atinge esse patamar.
Segundo economistas, o aumento de preços poderá se manter em níveis superiores a 10% ao mês até o fim do primeiro semestre do ano que vem. Isso fará com que a inflação de 2024 fique novamente acima de 100%.
Possível alívio na segunda metade de 2024
A esperança é que, com as correções nos preços avançando no começo de 2024, a inflação possa perder ritmo no segundo semestre, voltando então a ser menor que 100% no ano. “O ano que vem vai ter uma inflação bastante alta novamente, mas porque os preços estarão sendo reequilibrados. Será um processo virtuoso”, diz Gustavo Perego, da consultoria argentina Abeceb.
Por outro lado, essa desaceleração no aumento dos preços na segunda metade do ano poderá diminuir o consumo e, portanto, a atividade econômica. “Hoje o consumo na Argentina está muito ativo. O dinheiro ‘queima’ na mão. Por isso, as pessoas compram dólares ou gastam rapidamente”, acrescenta Perego.
O país, no entanto, conta com uma recuperação do setor agrícola em 2024 para aliviar a situação. Em 2023, a Argentina sofreu com a maior seca dos últimos cem anos, que dizimou a produção de commodities e fez com que o país perdesse cerca de US$ 20 bilhões em exportações, o equivalente a 23% do total vendido para fora em 2022.
Uma safra melhor no próximo ano deve favorecer o desempenho da atividade econômica e da arrecadação. “Ainda que o mais provável seja que o PIB não cresça, 2024 poderá contar com um impacto positivo da agricultura”, afirma Lorenzo Sigaut Gravina, economista da consultoria Equilibra.
Economistas também esperam que o gasoduto Néstor Kirchner, cujo primeiro trecho foi inaugurado em junho deste ano, ajude a minimizar a crise esperada para 2024. A conclusão da obra permitirá que a Argentina reduza a importação de energia e, assim, a falta de dólares.
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