Setor de etanol rejeita baixar tarifa dos EUA para conter Trump e quer disputar mercado no Japão

Evandro Gussi, da Unica, diz que californianos vão pagar mais caro com ‘tarifa recíproca’ de Trump, mas não vê impacto imediato para os produtores brasileiros

Foto do author Felipe Frazão
Atualização:

BRASÍLIA – A uma semana da entrada em vigor das chamadas “tarifas recíprocas” do presidente americano Donald Trump, que atingem o etanol brasileiro exportado aos Estados Unidos, o setor sucroalcooleiro embarcou para o Japão na expectativa de conquistar espaço num novo mercado em formação. A competição será com os EUA.

De Tóquio, o presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), Evandro Gussi, disse ao Estadão nesta terça-feira, dia 25, que o setor rejeita a hipótese de uma redução na tarifa de 18% cobrada sobre o etanol de milho importado dos EUA como forma de evitar a tarifação recíproca anunciada Trump. A promessa da Casa Branca é de que a tarifa passe a valer a partir do dia 2 de abril, e o governo brasileiro segue tentando adiá-la em rodadas de conversas.

'O etanol do Brasil é mais limpo, o americano chega a ter o triplo de emissões do que o etanol brasileiro', diz Gussi. Foto: Pedro França/Agência Senado

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“De maneira alguma, a indústria nem cogita esse tema de redução da tarifa. Nós estamos falando de dois produtos extremamente diferentes. Não faz sentido a gente deixar de crescer a produção brasileira de um etanol de baixo nível de emissão para importar um etanol com alto nível de emissão, que é feito lá nos Estados Unidos”, afirmou Gussi, que vai participar do Fórum Econômico Brasil Japão, na madrugada desta quarta-feira, dia 26, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o premiê japonês, Shigeru Ishiba. Ele discursa no painel “Descarbonização e Estratégias Energéticas”.

Gussi disse que não existe uma contraproposta brasileira. Ele mandou recado ao governo Lula, ao ressaltar que confia na estratégia de negociação adotada. O governo federal optou por ouvir o setor antes de iniciar conversas com representantes de comércio exterior da administração Trump. O próprio Gussi participou de reunião com o vice-presidente Geraldo Alckmin (também ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) e de duas recentes audiências com o ministro Mauro Vieira (Relações Exteriores).

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“A gente confia muito no governo brasileiro, que está sendo, lógico, diplomático e buscando soluções pacificadoras para esse processo, mas ao mesmo tempo com uma altivez muito grande, percebendo com clareza os diferenciais do etanol brasileiro e a necessidade de respeitar e valorizar esses atributos nacionais”, afirmou ele.

Segundo Gussi, caso a Casa Branca não reverta a prometida tarifa de 18% ao etanol brasileiro, a consequência será um aumento de custos internos no EUA, sem um impacto imediato aos produtores nacionais.

As empresas brasileiras exportam sobretudo para clientes do Estado da Califórnia, por causa de compromissos de redução de emissões de gases do California Air Resources Board, agência governamental local destinada ao controle da poluição do ar e do combate a mudanças climáticas.

“Primeiro, a gente espera que (a taxação) não aconteça. Os Estados comprometidos com a descarbonização vão pagar mais caro por esse etanol”, disse Gussi. “Por que a Califórnia, especialmente, importa etanol do Brasil? Porque o etanol do Brasil é mais limpo, o americano chega a ter o triplo de emissões do que o etanol brasileiro. Não teria lógica essa tarifa de equivalência, já que os produtos são diferentes. Então, para cumprir as metas de redução de emissões lá na Califórnia, eles precisam do etanol brasileiro”, afirma.

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Disputa de mercado no Japão

Já no Japão, o maior competidor do Brasil serão os Estados Unidos – maior exportador e produtor de etanol do mundo - com 52% de participação, em 2024, segundo dados da RFA (Renewable Fuels Association). O Brasil teve uma fatia de 28% e continuou sendo o maior fornecedor de etanol para os EUA, mas houve uma queda drástica de importações – somente 15 milhões de litros, o menor volume em 30 anos.

Em fevereiro, o premiê japonês indicou na Casa Branca a intenção de importar mais etanol dos EUA, “a um preço estável e razoável”, o que foi prontamente comemorado por Trump: “Todos os nossos Estados agrícolas ficarão muito felizes. Eles (japoneses) querem etanol, e nós seremos capazes de fornecê-lo”.

O Japão é o quarto maior parceiro comercial dos EUA, e a sinalização de Ishiba de comprar mais ocorre por causa de sucessivos déficits americanos, da ordem de US$ 68 bilhões.

Os EUA são muito próximos do Japão, com ampla colaboração e relacionamento estratégico em diversos setores: econômicos, políticos e estratégicos. Mas, ao contrário do temor que ronda a busca pela abertura do mercado japonês de carne bovina brasileira (o que também fará Brasil e EUA competirem), Gussi descarta que o governo japonês possa tomar alguma decisão com motivação política que leve o País a perder espaço em favor de Washington.

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“Eu não acredito nisso. É claro que vai ser uma competição de mercado natural, mas os japoneses têm se debruçado muito ao tema da diminuição de emissões de CO2 e já reconhecem largamente e publicamente que o etanol brasileiro tem um nível de emissão muito menor – ou seja, para alcançar a mesma redução de emissões com o etanol americano, os japoneses teriam que ter o dobro, ou quiçá o triplo de valor de montante”, disse Gussi.

Conforme dados da Unica, a demanda diária de etanol no Japão deve chegar a 12,2 milhões de litros nos próximos anos, já que o governo decidiu aumentar a mistura de etanol na gasolina ao patamar de 10% até 2030. Serão 4,45 bilhões de litros anuais a serem supridos.

O Ministério da Economia, Comércio e Indústria (METI) do Japão anunciou no ano passado o plano de elevar a mistura para 20% até 2040. A demanda, nos cálculos da Unica, dobraria para 9 bilhões de litros por ano.

Atualmente, o Japão mistura na gasolina o ETBE (ethyl tert-butyl ether), que leva como matéria-prima o etanol. O Brasil supre parte da demanda de importação.

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A entidade diz que a frota japonesa já está preparada para a mistura ser elevada a 10% e que chegar a 20% não seria um problema, mas depende ainda de preparos. A legislação atual permite apenas 3%.

De olho nesse novo mercado, a Unica vai promover um segundo seminário com o Instituto de Economia da Energia do Japão (IEEJ), um think tank local, reunindo também empresários e representates governamentais em Tóquio, no dia 27.

Estão na comitiva empresarial que acompanha a visita de Lula, além da Unica, empresas como a Raízen, Brasken, BP Bioenergy, Atvos Bioenergia, Copersucar SA, Energis 8, Transpetro e a Toyota.

Alternativas para ‘escapar’ de Trump

Segundo o Palácio do Planalto, a viagem de Lula se insere numa estratégia de buscar novos mercados para escapar das tarifas de Trump e também de mostrar aos principais parceiros comercias do País – EUA e China – que o Brasil “sempre vai buscar alternativas” e não quer ficar dependente nem alinhado. O presidente planeja novas incursões na Ásia neste ano, como a própria China, Malásia e Indonésia.

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O representante da indústria brasileira disse que já havia, no entanto, um trabalho próximo junto ao governo japonês, antes da guerra tarifária disparada pelo presidente americano.

O recado a ser enviado aos setores público e privado nipônicos é de que o etanol brasileiro seria uma opção para o país reduzir emissões de CO2 nos transportes terrestres, no setor aéreo e agora há conversas para uso como combustível marítimo.

“A nossa relação aqui com os japoneses, para os três modais, não tem esse caráter específico. É a construção de uma relação independente de governo, de circunstâncias pontuais do ponto de vista geopolítico. Nós já temos trabalhado, inclusive antes do Trump ser eleito, antes dessa história de guerra tarifária, no fundo a gente tem um diferencial competitivo, o japonês quer descarbonizar, o etanol brasileiro é a melhor solução para fazer isso”, resumiu Gussi.

Montadoras japonesas estão envolvidas no desenvolvimento dos veículos híbridos associados a etanol, especialmente para o mercado brasileiro, e empresas locais fazem parte dos estudos de A to J (alcohol to jet), a rota do etanol para combustível sustentável de aviação, e já promovem testes em motores de navios movidos a etanol.

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No setor aéreo, também há interesse em colaboração para o desenvolvimento do SAF (Combustível de Aviação Sustentável) - e a esperança brasileira é que os japoneses apostem no uso do etanol. Também há planos de que os voos 10% dos voos internacionais no país usem SAF até 2030. Para produzi-lo a partir do etanol, haveria uma demanda de 1,7 bilhão de litros por ano, prevê a Unica.

No ano passado, Lula e o então premiê Fumio Kishida assinaram comunicado conjunto demonstrando interesse na colaboração e na promoção de investimentos no etanol e no SAF e citaram as “complementariedades no setor energético”. O documento fala em estimular o uso de biocombustíveis, entre eles etanol e SAF.

O país asiático tem projetos de construção de plantas produtoras de combustível sustentável de aviação a partir de etanol, e o Brasil quer inserir o produto nacional.

“O tema que a gente vai trazer justamente é esse do diferencial competitivo do etanol brasileiro, por intensidade de carbono, capacidade de suprimento e confiabilidade de suprimento já há alguns anos, e o estabelecimento de relações profundas de amizade entre o Brasil e o Japão”, disse o presidente da Unica. “A gente tem esse grande diferencial competitivo, que é ter o etanol com o menor nível de emissões desses gases causadores de efeito estufa no mundo.”

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