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EUA vivem dilema entre preservar ‘paraíso’ no Alasca ou destruí-lo para combater mudança climática

Área em meio a vales exuberantes, que dão passagem a rios azuis glaciais enormes, tem R$ 35,8 bilhões em cobre; material pode ser usado para produzir turbinas eólicas e baterias necessárias para transição energética

Por Timothy Puko e Lillian Cunningham

THE WASHINGTON POST – Do topo de uma montanha aqui, você pode ver o passado e o possível futuro de um dos maiores parques protegidos da Terra.

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Esta é a cordilheira Brooks, situada a cerca de 80 quilômetros ao norte do Círculo Polar Ártico. Montanhas com topos verdes e dourados se destacam em meio aos vales exuberantes, que dão passagem a rios azuis glaciais enormes. O cenário é completamente inexplorado. Não há estradas ou outras infraestruturas à vista. Olhando para o leste está o Parque Nacional e Reserva Gates of the Arctic. E para o oeste, o Parque Nacional do Vale de Kobuk.

E olhando diretamente para baixo: o lugar de uma possível mina a céu aberto.

Há o equivalente a cerca de US$ 7,5 bilhões (R$ 35,8 bilhões) em cobre sob esta montanha que a empresa de mineração Ambler Metals quer extrair, o que poderia ajudar a construir as turbinas eólicas e baterias necessárias para combater as mudanças climáticas. Mas essa abundância – e outras semelhantes por todo o país – criou um dilema para Washington. O presidente Biden quer mais produção nacional de minerais para apoiar sua agenda climática, mas seus assessores estão tendo dificuldades para encontrar minas no país que não corram o risco de prejudicar áreas inexploradas e tesouros naturais sagrados.

Para conseguir ter acesso aos minerais nesta área seria preciso construir uma estrada de quase 340 quilômetros no coração dessa região no Ártico. Ela atravessaria 11 grandes rios e centenas de riachos, invadindo tundras intactas e o caminho migratório de dezenas de milhares de renas. Quarenta e um desses quilômetros atravessariam o Parque Nacional e Reserva Gates of the Arctic, enviando caminhões de carga gigantes e outros caminhões industriais para o meio de um dos parques e reservas nacionais mais remotos do país. A proposta levou a oito anos de querelas burocráticas e pressões políticas de ambientalistas para impedi-la.

Vila no Alasca em região cobiçada por mineradora Foto: Bonnie Jo Mount/Washington Post

Como ela atravessaria terras federais, o governo Biden deve decidir o destino da estrada.

Dirk Nickisch, piloto de voos rasantes que sobrevoa a Cordilheira Brooks há décadas, disse que é difícil entender a beleza da região sem vê-la do alto. “Você decola e voa durante horas vendo montanhas sem fim e vales fluviais intocados”, afirmou.

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Ele disse que seria “devastador” se uma rota de caminhão desmatasse esse cenário e que outras poderiam surgir depois disso. “Não vai ser apenas esta estrada”, disse ele. “Serão todas as vias de acesso que levam às minas.”

Por enquanto, este topo de montanha só é acessível por helicóptero e conta apenas com uma pequena plataforma do tamanho de um escritório feito com divisórias. Uma perfuração profunda no solo explora os metais e minerais abaixo dele. Mas se o projeto da Ambler virar realidade, grande parte da encosta da montanha seria desmatada e escavada para se ter acesso aos minerais abaixo e vendê-los no mercado global.

Cal Craig, gerente ambiental e de licenciamento da mineradora, disse entender por que alguns talvez estejam apreensivos. Ele mesmo decidiu aceitar o emprego depois de ser conquistado pela beleza da paisagem, que viu pela primeira vez numa fotografia. Apesar disso, acrescentou, “o potencial desta região é imenso”.

Vista aérea do deserto do Alasca coberto por folhagem do outono Foto: Bonnie Jo Mount/Washington Post

“É tão fácil simplesmente pensar que tudo isso apenas existe”, disse Craig, que trabalha para a Ambler Metals, a joint venture de duas empresas que querem explorar o lugar e outros nas redondezas em busca de cobre, zinco e chumbo. “Mas isso vem de algum lugar.”

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Funcionários do governo Biden concluíram que “algum lugar” precisa incluir lugares nos EUA – não apenas minas em países estrangeiros amigos – e que a urgência está aumentando. Biden prometeu que o país reduziria pela metade suas emissões totais de gases de efeito estufa registradas em 2005 até 2030, exigindo a rápida construção de uma infraestrutura energética. Segundo a Agência Internacional de Energia, esse tipo de pressão pode fazer com que a demanda por cobre aumente 25% entre 2020 e 2030; a demanda por outros metais, como o lítio, já está em vias de dobrar ou triplicar nesse período.

Ao mesmo tempo, Biden também estabeleceu uma meta de conservar pelo menos 30% das terras e águas do país até 2030. E os defensores da indústria dizem que tais políticas atrasam em anos as licenças para novas minas.

A Alaska Industrial Development and Export Authority, a corporação de desenvolvimento de propriedade pública do estado, solicitou licenças federais para construir a estrada em 2015. Elas avançaram durante o governo Trump cinco anos depois, mas a administração Biden suspendeu essa aprovação em 2022 e solicitou análises ambientais adicionais.

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Apesar das promessas de que terminaria a revisão do caso até o final do ano, em maio, o Departamento do Interior dos EUA informou repentinamente a um tribunal federal que adiaria a decisão final novamente – talvez para meados de 2024. A Ambler Metals chamou a atenção que isso poderia aumentar os atrasos até 2024.

Funcionários da Ambler Metals trabalham em área de perfuração no Ártico Foto: Bonnie Jo Mount/Washington Post

Isso frustrou a delegação de três políticos do Alaska no Congresso, que disse que “a incapacidade contínua” de adquirir minerais será um problema para a transição energética e cadeias de suprimentos do país.

Os funcionários do governo ainda não apoiaram a estrada da Ambler e se recusaram a dizer o que pretendem fazer. Brenda Mallory, que preside o Conselho de Qualidade Ambiental da Casa Branca, disse em uma entrevista que o governo apoia o desenvolvimento da mineração nacional, apoiando licenças para uma mina de cobalto em Idaho e uma mina de lítio em Nevada, assim como com bilhões em empréstimos subsidiados pelo governo, verbas do Departamento de Energia para o desenvolvimento de baterias e do Pentágono para materiais para as forças armadas.

“Isso não significa que todo projeto será adequado”, disse ela. “Achamos que o aspecto importante é que precisamos garantir que isso esteja acontecendo nos locais certos, que existem alguns lugares que são especiais demais para se realizar de fato a mineração neles. Mas há muitos outros que não são.”

Essa disputa remonta aos primeiros dias da presidência de Biden. Além de suas promessas de conservação, ele se comprometeu a levar mais em consideração os direitos e a saúde das comunidades de baixa renda, de minorias e de indígenas próximas a minas ou afetadas pela poluição delas. Ele também nomeou Deb Haaland – política de origem indígena que se opôs com frequência a projetos de perfuração e mineração – para chefiar o Departamento do Interior, que supervisiona muitas das maiores decisões de Washington sobre eles.

Amostras de minérios extraídos de região do Alasca são expostas em acampamento Foto: Bonnie Jo Mount/Washington Post

O governo se mexeu depressa para tentar impedir de forma permanente a proposta de um megaprojeto controverso de exploração de ouro e cobre, o Pebble Mine, no sudoeste do Alasca. E apresentou uma proibição de 20 anos à mineração em uma bacia hidrográfica gigante perto da área selvagem de Boundary Waters Canoe Area Wilderness, em Minnesota, para garimpar cobre, níquel e outros minerais resistentes.

Isso não foi suficiente para satisfazer muitos grupos ambientalistas e povos indígenas. Os povos nativos americanos estão protestando contra o projeto de mineração em Nevada conhecido como Thacker Pass, previsto para ser uma das maiores minas de lítio do mundo. Alguns defensores dos povos originários também criticaram o governo por não fazer mais para impedir um plano, apoiado com a autorização do Congresso, da joint-venture Resolution Copper, de uma mina gigante no Arizona em um território considerado sagrado pelos indígenas e conhecido como Oak Flat.

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No Alasca, os grupos indígenas estão divididos em relação à proposta da estrada da Ambler. Alguns estão interessados nas oportunidades de emprego que possam surgir com as minas – e pela possível redução de custo de bens e serviços se uma estrada for construída. Embora a estrada proposta seja uma via industrial privada para ser utilizada apenas pelas mineradoras, muitos dizem acreditar que isso poderia, no fim das contas, levar a um acesso maior a esta área remota. Isso, por sua vez, talvez ajudasse a conter o êxodo de indígenas dos vilarejos no Alasca, segundo os apoiadores do projeto. O estilo de vida de subsistência também pode ser caro, e trazer o desenvolvimento econômico para as comunidades pode ajudá-las a pagar pelas motos para se deslocar na neve, espingardas e outros equipamentos modernos que se tornaram essenciais para a caça.

Cordilheira Brooks, situada a cerca de 80 quilômetros ao norte do Círculo Polar Ártico Foto: Bonnie Jo Mount/Washington Post

“As coisas estão mudando de todo jeito”, disse Fred Sun, trabalhador da Ambler Metals e líder indígena de Shungnak, um vilarejo de povos originários próximo às possíveis operações da mina. “Não queremos ficar para trás.”

De acordo com uma lei de 1971, as empresas da região com fins lucrativos de propriedade de acionistas de povos originários controlam milhões de hectares de terra no Alasca. A NANA, empresa regional cujo território inclui a região na qual a Ambler quer operar, fez uma parceria com a Ambler Metals na perfuração exploratória no local. Se as minas forem construídas, os 15 mil acionistas inupiates da região poderiam ter uma parte dos lucros por meio dos dividendos anuais da empresa.

Embora um porta-voz da NANA tenha dito que a empresa está neutra em relação à estrada da Ambler, ela tem um acordo de três anos com o estado para atividades de “pré-construção”.

Outros povos originários do Alasca temem o possível impacto na vida selvagem essencial à cultura deles e entraram com uma ação para deter a construção da estrada. Eles e outras pessoas dizem que o projeto prejudicará o caminho migratório de um dos maiores rebanhos de renas do mundo e poluirá rios cruciais para o salmão e outros peixes fundamentais para a alimentação e subsistência de vários povos indígenas locais.

Alce bebe água de lago fora do Parque Nacional e Reserva Gates of the Arctic Foto: Bonnie Jo Mount/Washington Post

Há densas florestas de abetos brancos e álamos-trêmulos aqui; tundras de musgo e líquen; e um número incontável de lagos, rios e córregos que formam um labirinto de águas quando observados do alto.

“Estamos esperando o pior cenário possível para esta última grande área sem estradas nos EUA”, disse Frank Thompson, líder indígena de Evansville, um vilarejo de povos originários próximo à extremidade leste do caminho proposto para a estrada. “Há gente vivendo e caminhando por essa terra há gerações, milhares de anos.”

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Conforme proposto, a estrada de cascalho de duas mãos e aproximadamente dez metros de largura precisaria de quase 50 pontes sobre cursos de água amplos e mais ou menos três mil aquedutos para travessias menores pela água. Também haveria a necessidade de locais para materiais adicionais, áreas de manutenção, pistas de pouso e guaritas. Estima-se que os caminhões de carga com minério e equipamentos acabariam realizando cerca de 168 viagens de ida e volta na estrada diariamente.

Lutar contra a estrada da Ambler é uma das principais prioridades hoje da Associação de Conservação de Parques Nacionais (NPCA, na sigla em inglês), um grupo de defesa. E seus líderes veem a indústria da mineração ameaçando possivelmente outros parques famosos, inclusive áreas na Reserva Nacional do Deserto de Mojave, ao leste do Parque Nacional do Vale da Morte e no entorno do Grand Canyon.

“Parece que as mineradoras estão alegando que todas as minas propostas por elas são necessárias e indispensáveis para a revolução da energia limpa. E isso simplesmente não é verdade”, disse Alex Johnson, gerente sênior da NPCA do Alasca, que chamou a atenção para o fato do cobre não estar na lista federal oficial de minerais essenciais. “Há lugares que permanecem preciosos demais, conectados demais, selvagens demais, importantes demais para os povos originários e as pessoas que vivem naquele ambiente para serem explorados pela mineração.”

Os projetos no Alasca frequentemente atraem um grande escrutínio. O estado é lar de alguns dos últimos habitats naturais intactos e sem perturbação humana do país, proporcionando refúgio para aves migratórias, ursos polares e morsas, e repleto de lagos e pântanos vitais conectados por uma rede subterrânea de água doce. O governo ainda está enfrentando uma reação negativa intensa de jovens ativistas por conta de sua decisão em março de permitir um enorme projeto de perfuração de petróleo, o projeto Willow, na região de North Slope, no Alasca.

Mas a oposição às novas minas não se limita ao Alasca, fazendo com que muitos se questionem como o governo Biden pode atingir sua meta de garantir um suprimento confiável para os EUA. As montadoras do país e outras grandes indústrias estão vasculhando o mundo em busca de minerais, e com frequência se deparam com a forte concorrência de rivais chinesas, ou fornecedores que põem em risco as comunidades locais ou seus trabalhadores. O conflito geopolítico feroz com a China e a Rússia aumenta ainda mais a pressão para atender à demanda de suprimentos obtidos em território nacional.

Um esboço da avaliação anual de minerais em risco de escassez do Departamento de Energia, divulgado em maio, constata que cerca de meia dúzia de minerais essenciais, entre eles o níquel e o cobalto, já enfrentam grandes desafios de oferta. O dobro disso poderia vir a enfrentar grandes riscos na próxima década, com o lítio, a platina e o magnésio entrando na lista. O sucesso nos EUA e em outros países na criação de programas de energia limpa provavelmente levará a um aumento global da demanda, aponta o relatório, enquanto os impactos duradouros da pandemia e o conflito na Ucrânia também limitaram a capacidade.

E a pressão sobre a demanda pode aumentar ainda mais. Para cumprir a meta do Acordo de Paris de 2015 de limitar o aumento da temperatura global a 1,5 grau Celsius em comparação com os níveis pré-industriais, o mundo precisaria aumentar a demanda por minerais até quatro vezes nos próximos 20 anos, de acordo com as estimativas da Agência Internacional de Energia.

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O Congresso americano também exigiu que, para ter direito aos incentivos fiscais, a tecnologia limpa deve usar materiais dos EUA ou de seus parceiros comerciais, reforçando a demanda por metais do país ou de aliados. Os lobistas da indústria dizem que estão sob constante pressão para mostrar aos legisladores de Washington e a alguns investidores que estão se distanciando de fornecedores estrangeiros problemáticos, principalmente da China.

E muitos, sobretudo aqueles da indústria de mineração, têm criticado as iniciativas do governo para garantir minerais por meio de acordos comerciais internacionais ou diplomacia.

“Para conseguir aquilo que querem e também vão consumir, eles estão indo para fora do país”, disse Rich Nolan, presidente e CEO da Associação Nacional de Mineração dos EUA (NMA, na sigla em inglês). “Preferimos que eles comecem aqui e tentem estimular a indústria nacional – ao invés de detê-la.”

Brenda Mallory e outras autoridades do governo dizem estar pressionando o Congresso para atualizar a lei de mineração de 150 anos do país para impulsionar a mineração nacional, e que pesquisas do governo mostram que as solicitações de licença incompletas, a escassez de profissionais e as mudanças posteriores aos pedidos de licenças são os maiores motivos de atrasos.

Os atrasos não são um desafio apenas nos EUA. Instabilidades sociais estão atrasando projetos no Peru, e os debates a respeito de royalties e impostos estão provocando lentidão no Chile. As pessoas na França estão se organizando preventivamente para evitar a mineração de lítio numa reserva natural. A Suécia encontrou recentemente o maior depósito mineral da Europa dos chamados minerais de terras raras, mas a população indígena Sami da região diz que isso ameaça a cultura tradicional deles de criação de renas.

“É um problema global”, disse Nick Pickens, que supervisiona a pesquisa global de mineração na empresa de consultoria Wood Mackenzie. “Queremos isso, mas ninguém está preparado para as partes difíceis disso tudo.”

No entanto, aqueles envolvidos na preservação das áreas intocadas rejeitam esse raciocínio.

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“O argumento de que podemos alcançar um futuro mais verde com a mineração não faz qualquer sentido para mim”, disse John Gaedeke, que trabalha como guia de vida selvagem da Cordilheira Brooks e cujo sustento está ligado à área ao ar livre com montanhas e riachos intocados.

“Cada dia que passa sem uma estrada aqui ao lado me dá mais esperanças.”/Tradução de Romina Cácia

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