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Vitória de Trump traria incertezas, mas Brasil poderia receber capital em fuga dos EUA, diz Eurasia

Para Jon Lieber, chefe de pesquisa e diretor para os EUA da consultoria americana, Donald Trump é ligeiramente favorito para a disputa de novembro

Foto do author Alvaro Gribel
Atualização:
Foto: divulgação/EurasiaGroup
Entrevista comJon LieberChefe de pesquisa e diretor para os EUA da Eurasia Group

BRASÍILA - Os Estados Unidos terão de enfrentar uma crise fiscal para levar a sério o crescimento da dívida pública do país. Essa é a visão do chefe de pesquisa e diretor para os EUA da Eurasia Group, Jon Lieber, que conversou com exclusividade com o Estadão.

Lieber estará no Brasil na próxima segunda-feira, 14, como convidado do evento Macro Vision, do Itaú BBA em São Paulo, e afirmou que, por ora, o candidato republicano Donald Trump é ligeiramente favorito para vencer as eleições do mês que vem. Isso significa, na sua visão, um forte aumento do risco para a economia internacional: “O cenário de vitória de Harris é a manutenção do governo Biden. Mas as políticas de Trump provocariam grandes impactos na economia internacional, especialmente na inflação e no crescimento”, afirmou.

Ele cita, contudo, estudo do Peterson Institute que enxerga um cenário em que o Brasil poderia ser beneficiado.

“O Peterson Institute fez um estudo que basicamente concluiu que as políticas de Trump levarão à fuga de capitais dos EUA, e o Brasil seria, em última análise, beneficiário dessa fuga de capitais, porque isso significa que as empresas querem investir em outros mercados, como o Brasil”, afirmou.

Lieber diz que o governo americano se acostumou a ser financiado pelo mercado a custos baixos, já que os investidores sempre buscam refúgio no dólar em momentos de crise. Por isso, mesmo com o déficit fiscal elevado, as propostas de republicanos e democratas é por mais gastos, principalmente em defesa, com o financiamento de duas guerras e as ameaças vindas da Rússia e da China.

“Precisará haver uma crise para mudar a situação fiscal. Porque não está no radar político agora. Ninguém nos EUA está pensando nisso seriamente”, afirmou.

Leia abaixo a entrevista.

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Estamos a menos de um mês das eleições nos Estados Unidos. O que ela representa para a economia internacional?

A vitória de Donald Trump é o cenário de maior mudança. Com Harris, parece ser a continuação do governo Biden, com as mesmas políticas de imigração, de comércio internacional, alinhamento em política externa, na tentativa de formar uma coalizão de países para frear o crescimento tecnológico da China e proteger os interesses de segurança nacional. Com Trump, você tem uma grande margem de incerteza sobre comércio externo, imigração, e sobre o grau de confronto sobre como lidar com a China. Cada elemento desses poderia provocar grandes impactos na macroeconomia mundial. Particularmente o aumento de tarifas a produtos chineses poderia mudar o cenário de crescimento na região. E se Trump aumentar número de deportações de imigrantes dos EUA, isso aumentaria as expectativas de inflação, com efeitos secundários para países como o Brasil. Com potencial ainda maior globalmente.

Esse cenário inflacionário vale para os dois candidatos ou só para Trump?

As políticas de Trump, se ele fizer o que diz, serão inflacionárias de forma geral. O mix de políticas dele, de deportações, menos imigrantes, barreiras comerciais maiores e política fiscal mais frouxa, tudo isso é um mix inflacionário. Com Harris, você tem o Fed (Federal Reserve, banco central americano) na cadeira de comando, não há nada muito específico nas políticas dela que levariam a um aumento da inflação. E é possível você ter redução do déficit, porque ela está propondo aumentar impostos, o que Trump não pretende fazer. Ao longo do tempo, isso poderia chegar a juros mais baixos nos EUA e a uma política fiscal mais apertada que poderia afetar o crescimento. O crescimento é o que preocupa pelo lado da Harris, enquanto pelo lado de Trump, é a inflação.

Para países emergentes, como Brasil, a vitória da Harris seria melhor então?

Pensando em acesso ao mercado americano, crescimento mundial, taxas de juros nos EUA, há uma história melhor sobre Harris para os mercados emergentes, do que com Trump. Com ele, haverá restrições ao comércio, provavelmente taxas de juros mais elevadas. Isso tudo deve desacelerar o crescimento americano. Mas é uma pergunta complicada. O Peterson Institute fez um estudo que basicamente concluiu que as políticas de Trump levarão à fuga de capitais dos EUA e o Brasil seria, em última análise, beneficiário dessa fuga de capitais, porque isso significa que as empresas querem investir em outros mercados e o Brasil seria um desses mercados.

Quem é o favorito hoje, na visão da Eurasia?

Entendemos que Trump é moderadamente favorito, porque Harris tem o passivo de ser vice-presidente de um governo impopular. Trump foi melhor nos assuntos mais importantes, imigração, economia, e as pesquisas estão muito próximas, na margem de erro. Trump é moderadamente favorito, apesar do que dizem as pesquisas sobre Harris nos swing states (Estados com maior tendência de mudar votos entre republicanos e democratas entre uma eleição e outra).

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Qual a influencia da economia sobre o resultado das eleições?

O crescimento da economia está indo muito bem agora, apesar de o consumo ainda estar enfrentando problemas com a inflação elevada. O nível de preços permanece alto, apesar da desaceleração. De alguma forma as pessoas vão se acostumar com esse novo nível de preços. Essa insatisfação com a inflação está diminuindo ao longo do tempo, no dia da eleição pode ser um problema pequeno, assim como a imigração está se tornando um problema menor, depois que o governo Biden tomou medidas em relação a isso no último verão (meses de junho a setembro nos EUA). Isso é boa notícia para Harris, se esses assuntos dominarem a campanha nas próximas quatro semanas. O ponto é que as pessoas não estão felizes com a direção do país, e é um país muito dividido, que acha que o outro lado é uma ameaça, e estão pessimistas quanto ao futuro. Então quem está no governo paga esse preço.

Jon Lieber, chefe de pesquisa e diretor para os EUA da Eurasia Group Foto: divulgação/EurasiaGroup

É difícil explicar para um brasileiro como Biden é impopular com uma taxa de desemprego em 4,1%.

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O nível de preços está 22% acima do início do mandato de Biden. A inflação é um problema globalmente, as pessoas não gostam quando os preços sobem e o seu padrão de vida cai como consequência. Mas acho que um problema de Biden é a sua idade, ele não consegue ir a público e mostrar para os americanos como os seus programas estão funcionando e melhorando a vida das pessoas. Ele é pessoalmente impopular, tem problemas globais para lidar, um mundo em caos, com guerra na Ucrânia e no Oriente Médio, o que faz parecer com que os EUA estejam mais fracos. Acho que as pessoas simplesmente não estão felizes com o seu governo.

A proximidade das eleições pode ter alguma influência sobre a próxima decisão do Fed?

Não este ano. Se Trump ganhar, ele vem ameaçando aumentar barreiras comerciais, e o mercado financeiro não gosta disso. Ele pode mudar de ideia, e, nesse caso, o Fed continuaria cortando os juros. Mas, se no lugar disso, no primeiro dia de governo, ele disser que vai ter 60% de tarifas sobre a China, aumento sobre outros países, que vai deportar 5 milhões de pessoas, aí o mercado começa a subir as expectativas de inflação, e o Fed vai olhar o cenário de outra forma. Depende muito de como o mercado vai reagir às mudanças, não o Fed exatamente. Ele não vai agir de forma preventiva. Vai olhar para os dados e ver como eles serão precificados pelo mercado.

O governo americano tem tido fortes déficits primários nos últimos anos e continua financiando duas guerras. O governo tem capacidade de dar suporte para esses dois conflitos?

Colocando de lado as duas guerras, acredito que tanto democratas quanto republicanos tem uma preocupação crescente em relação à China e a Rússia, em termos de ameaça. Eles querem aumentar o orçamento em defesa. Isso é uma preocupação ampla nos dois partidos. Os republicanos querem dobrar o orçamento de defesa em cinco a dez anos. Querem dobrar a frota naval e aumentar o gasto nessa área de algo em torno de 2,5% hoje para 5% do PIB. Isso reflete uma preocupação sobre como os EUA estão sendo vistos como potência pelo restante do mundo.

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E em relação à Ucrânia?

Não está claro como os dois candidatos vão lidar com isso. Existe um cenário em que Harris tenta mais recursos do Congresso e não consegue. E um cenário em que Trump diz que quer acabar com a guerra, mas a única forma de fazer isso é dobrando o financiamento à Ucrânia. E há republicanos tentando influenciar Trump a isso. Mas não sei como isso vai parar. Depende dos resultados no campo de batalha. Se a Ucrânia pode mesmo contra-atacar, por quanto tempo. O quanto de diferença fará ter mais US$ 30 bilhões de financiamento. E além disso, se os ucranianos estão dispostos a um negociação de paz perdendo 30% do seu território. Que é o resultado de qualquer negociação que aconteça agora. Então acho que são grandes incertezas.

Quando o governo americano voltará a ter superávit primário?

Potencialmente, nunca, ou quando o mercado disser que não empresta mais para o governo. Precisará haver uma crise para mudar isso. Porque não está no radar político agora. Ninguém nos EUA está pensando nisso seriamente. Não há um Robert Rubin (secretário do Tesouro nos governos Bill Clinton) para dizer que essa deveria ser a prioridade entre os democratas. Também não há ninguém entre os republicanos para dizer que é assim que o partido ganha as eleições. E, na ausência de pessoas assim, não acho que esse problema será resolvido.

Na última semana, a Moody’s aumentou a nota do Brasil, mesmo com déficits primários do governo.

Os Estados Unidos estão em situação parecida, com dívida em moeda local, mas que é a reserva de moeda do mundo. Só que, quando há crises, as pessoas compram títulos do tesouro americano, e os juros caem. Isso dá aos EUA essa posição incrível, de poder se endividar mais.

É uma posição única a dos EUA.

Sim, e chega a ser irracional, as evidências mostram que qualquer outro país, além dos EUA, com o mesmo cenário fiscal, estaria pegando empréstimos com taxas mais altas. Mas o mercado dá esse crédito ao país. Com o maior mercado consumidor do mundo, com grandes reservas de riqueza inexplorada. Portanto, os EUA não precisaram aumentar impostos. Eles poderiam fazer isso, poderiam impor um imposto sobre o carbono, poderiam aumentar impostos sobre os ricos, poderiam aumentar impostos sobre as empresas. Portanto, acho que o mercado provavelmente está certo em ver que os EUA estão em uma posição um pouco especial. E, é claro, o Fed sempre pode começar a monetizar a dívida, se for o caso. Acho que, por causa disso, os legisladores podem se safar cultivando muito mais dinheiro do que têm. Os EUA basicamente triplicaram seu estoque de dívida desde a crise financeira. E as taxas caíram. Ninguém por ora está pensando em como reverter o déficit.

A disputa comercial entre EUA e China poderia afetar países como o Brasil, com aumento da exportação de produtos manufaturados chineses para cá, por exemplo?

Sem dúvida, é um grande problema e acho que a China ainda não está lidando com isso. É um problema mundial que está aumentando. Nos EUA, o grande problema é que o país consome mais do que produz. Então precisa importar produtos. E na China é o contrário, o país produz mais do que consume, então precisa exportar. Se os EUA colocam mais barreiras, então esse desbalanceamento terá que ir para outros lugares, como Brasil, União Europeia. Isso acontece globalmente, muitos países dizendo que não querem mais esses produtos. Então a China está ficando sem lugares para onde exportar.

Mas você entende que o Brasil deveria elevar barreiras comerciais?

Não sei o que Brasil deveria fazer, mas vejo que o Brasil está fazendo, e isso será um problema cada vez maior para a China.

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O Brasil não é o foco dos seus estudos, mas o que vem primeiro na sua cabeça quando pensa na economia brasileira?

O Brasil e outros países da América Latina estão em segundo plano, do ponto de vista da política externa americana. Obviamente, é um grande mercado consumidor, com oportunidades para investimentos, grande produtos de agricultura, exportador de commodities, com aumento no setor de óleo e gás, então poderia ficar mais importante. Mas os EUA têm a agropecuária mais eficiente do mundo, também são grandes produtores de petróleo. Então não há muitas complementariedades entre as duas economias, para que a corrente de comércio entre os dois países avance. A não ser pelo mercado consumidor brasileiro, que interessa às empresas americanas.

Qual o grande risco que o senhor enxerga hoje na economia mundial?

Acho que o maior risco na administração Harris é de que outros países vejam os EUA com um novo líder fraco e não testado e tentem explorar isso. Isso no caso de China, Rússia, Coreia do Norte. E acho que o maior risco em uma administração Trump é ele ser excessivamente agressivo com a China, e, como resultado, aumentar a chance de atritos. Isso teria efeitos sobre o comércio e o crescimento globais.

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