RIO – Às vésperas da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), a alta taxa básica de juros (Selic), atualmente em 13,75% ao ano, foi alvo de críticas contundentes nesta segunda-feira, 20, inclusive por parte integrantes do governo, durante seminário promovido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), presidido pelo ex-ministro Aloizio Mercadante, no Rio.
O vice-presidente Geraldo Alckmin puxou a fila das críticas. Economistas, incluindo o vencedor do Prêmio Nobel Joseph Stiglitz, e o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Josué Gomes da Silva, fizeram coro.
A taxa Selic está estacionada em 13,75% ao ano desde agosto. Ao término da reunião de dois dias, o Copom definirá na quarta-feira, 22, o nível da Selic que valerá pelos próximos cerca de 40 dias. O BC tem sofrido duras críticas por parte de membros do governo, incluindo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“Acreditamos no bom senso. Não tem inflação de demanda. Pelo contrário, precisamos estimular a economia. O mundo inteiro passa por um momento mais difícil. Hoje, grande parte dos países do mundo tem juros negativos. Como disse bem o ministro (da Fazenda, Fernando) Haddad, tem uma gordura muito grande. (Juro de) 8% acima da inflação acaba dificultando o consumo, atrasa investimentos e onera o fiscal. Não há nada pior para o fiscal do que isso, porque metade de dívida é (indexada à) Selic. Acreditamos no bom senso, de que vamos ter aí uma redução na taxa de juros”, afirmou Alckmin, após participar da abertura do seminário sobre desenvolvimento econômico, na sede do BNDES, no Rio.
O presidente da Fiesp, que também participou da abertura do evento, classificou o nível atual da taxa básica de juros de “pornográfico”. “É inconcebível a atual taxa de juros no Brasil”, disse Josué, refutando que os juros elevados sejam consequência dos desequilíbrios nas contas do governo. Para o dirigente empresarial, a economia brasileira não tem mais “restrição externa, mas criamos nova restrição interna”. “Se não baixarmos os juros, não vai adiantar fazer política industrial”, completou.
O economista americano Joseph Stiglitz concordou com a avaliação do empresário. Segundo o professor da Universidade Columbia, em Nova York, e vencedor do Nobel em 2001, a elevada inflação que se espalhou mundo afora absorveu problemas de oferta decorrentes da pandemia e do encarecimento de insumos relacionados à guerra na Ucrânia, iniciada um ano atrás. Por isso, não deveria ser combatida com o arrefecimento da demanda por meio da alta de juros.
“Outra fonte de inflação importante é a indústria de óleo e gás e alimentos. E outra fonte de inflação tem sido habitação. Mas as taxas de juros recentes não resolvem nenhum desses problemas”, afirmou Stiglitz, em sua palestra no seminário, definindo a taxa básica de juros Brasil como “chocante” e equivalente a uma “pena de morte”, a qual o País tem sobrevivido em função da atuação de bancos públicos.
Comissão de Estudos Estratégicos
O seminário iniciado nesta segunda-feira, 20, vai até terça-feira, 21. O evento é organizado em parceria com o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e com a Fiesp. Seu objetivo é debater, entre outros temas econômicos, as regras fiscais usadas por diferentes países mundo afora. O evento marca a criação da Comissão de Estudos Estratégicos, coordenada pelos economistas André Lara Resende e José Roberto Afonso.
Lara Resende, que mediou a palestra de Stiglitz, também criticou o nível considerado elevado da taxa Selic. “A combinação de juros e impostos muito altos é profundamente recessiva e impede o crescimento. A fórmula correta é ter taxa de juros inferior à taxa de crescimento (econômico). Parecemos estar fazendo o oposto. Colocamos a taxa de juros na lua e aumentamos impostos, o que reduz crescimento”, disse o economista, integrante da equipe que criou o Plano Real, em 1993, e ex-presidente do BNDES.
A criação da Comissão de Estudos Estratégicos e a organização do seminário foram anunciados em janeiro por Mercadante, que vinha afirmando que pretende devolver ao BNDES o papel de debater “grandes temas” do desenvolvimento econômico, pela ótica de diferentes linhas de pensamento. No dia seguinte à sua posse, em fevereiro, Mercadante afirmou que o arcabouço fiscal seria debatido pela comissão e durante o seminário, o que semeou conversas de bastidores sobre possíveis rusgas entre ele e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ainda em fevereiro, os dois líderes petistas correram para minimizar qualquer problema.
Nesta segunda-feira, 20, Mercadante disse que Haddad pode esperar dele “total lealdade e parceria”, após comentar, em discurso, que o Ministério da Fazenda está para anunciar o novo arcabouço de regras fiscais, mas voltou a defender a participação da instituição de fomento do debate sobre o tema.
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“Estamos aguardando novo arcabouço (fiscal). O (ministro Fernando) Haddad pode esperar de mim total lealdade e parceria”, afirmou Mercadante, ao abrir o seminário, depois de dizer que o BNDES não pretende “substituir” ministérios, mas ter papel complementar. “Agora, não nos peçam para deixar de dizer o que pensamos e ajudar o governo a acertar”, completou Mercadante, em discurso que reafirmou a expansão do BNDES. “Aquele BNDES acanhada acabou”, por isso, disse Mercadante, “não adianta tentar inibir o BNDES”, porque “não haverá censura”.
Mercadante defendeu a coordenação entre as políticas fiscal e monetária, como “indispensável”, mas voltou ressaltar a importância de mudar a TLP, taxa de juros que baliza os financiamentos do BNDES. O presidente do banco reconheceu que os “subsídios” fiscais embutidos nos financiamentos do banco podem ter sido “superiores ao necessário no passado recente”, mas voltou a repetir, como disse semana passada, que nos últimos anos o BNDES devolveu ao Tesouro Nacional cerca de R$ 250 bilhões a mais do que recebeu.
Mercadante também defendeu a ação da política econômica para lidar com a desaceleração da economia. “A perspectiva para este ano é de crescimento muito baixo, abaixo de 1%. Precisamos reagir, não podemos aceitar que continue assim”, disse o presidente do BNDES, defendendo a “prorrogação” do FGI Peac, principal medida adotada pelo banco de fomento para mitigar os efeitos da crise causada pela covid-19. Segundo o presidente do BNDES, há um quadro de escassez de crédito na economia, e o programa, que atua por meio da concessão de garantias para empréstimos de bancos comerciais, é importante para enfrentar o problema.
Apesar de defender a participação no debate sobre o tema, após a abertura do seminário, ao acompanhar Alckmin na saída, Mercadante negou que a instituição de fomento vá interferir na elaboração do arcabouço fiscal. Segundo o presidente do BNDES, o arcabouço é um tema da Fazenda. A programação do seminário inclui uma palestra do ministro Haddad, no encerramento, na terça-feira, 21.
Questionado sobre posicionamentos contrários ao controle de gastos públicos, como os da presidente do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann, Mercadante respondeu: “O PT é um partido plural, de massas, relevante, mas não acho que o problema do novo arcabouço seja o PT. O problema é fazer uma maioria no Congresso Nacional que dê sustentabilidade e respeite a decisão que o governo tomar. Esse é o grande desafio”.
Alckmin elogiou a proposta de novo arcabouço fiscal desenhada pela equipe de Haddad, “inteligente e bem feita”. Questionado se achava que demais setores do governo, como a Casa Civil, concordam com sua avaliação, Alckmin disse que a discussão tem sido “harmônica” no Executivo.
“O presidente Lula ainda não deu a palavra final, mas (a proposta) foi bem concebida. O governo inteiro tem discutido de maneira muito harmônica, dentro do princípio de ter uma ancoragem fiscal que controle o crescimento da dívida e, de outro lado, debite investimentos necessários ao crescimento”, disse Alckmin, evitando comentar detalhes da proposta da Fazenda, como se os investimentos públicos ficarão de fora de regras de controle de gasto.
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