Depois de causar um estrago na credibilidade de bancos centrais ao redor do mundo e de forçar um dos maiores ciclos de alta de juros desde a década de 1980, no caso dos Estados Unidos, a inflação global parece ter finalmente virado a chave, e os preços de bens e serviços começam a subir a um ritmo mais lento de forma consistente, embora estejam ainda em patamar desconfortável.
O processo de desinflação global começou pela queda nos preços de bens industriais, de alimentos e de energia, após a redução do impacto da pandemia de covid-19 nas cadeias mundiais de produção e também dos efeitos da guerra na Ucrânia. Com isso, os preços do petróleo, do gás natural, de grãos, de metais e de outras commodities recuaram de níveis recordes.
Leia mais sobre economia
Nos EUA, a inflação anual desacelerou para 3% em junho. O contraste não poderia ser mais impressionante: em junho de 2022 a alta anual no índice de preços ao consumidor americano foi de 9,1%, recorde em 40 anos. Na Zona do Euro, a inflação passou de 10,6%, em outubro de 2022, para 5,5% em junho. E no Brasil, o IPCA recuou de 12,13%, no acumulado em 12 meses em abril de 2022, para uma taxa de 3,16% em junho.
Um dos fatores que dão confiança de que a alta no custo de vida pode seguir perdendo fôlego no mundo vem da China. Lá, a inflação ao consumidor ficou estável em junho, após ter subido apenas 0,2% em maio, mas os preços de produtos na porta das fábricas já estão registrando forte deflação.
O índice de preços ao produtor na China caiu 5,4% no acumulado em 12 meses em junho. A expectativa, portanto, é de que a China comece a exportar desinflação para outros países. Nos EUA, por exemplo, os preços de produtos importados da China registraram queda de 0,4%, em junho ante maio, e recuo de 2,3% ante igual mês de 2022.
Mas já dá para dizer que o fantasma da inflação ficou para trás? Ainda não. Isso porque, quando se leva em conta o núcleo da inflação, que exclui os itens mais voláteis de alimentos e de energia, a dinâmica dos preços se mostra persistentemente elevada e longe da meta perseguida pela maioria dos bancos centrais. Nos EUA, o núcleo da inflação ficou em 4,8% em junho. No Brasil, a média dos núcleos do IPCA subiu 5,99%.
O que ainda preocupa aqui e lá fora é a inflação de serviços, pressionada por um mercado de trabalho robusto e pela resiliência de alguns setores da economia ao aperto monetário já adotado. Talvez a inflação ao consumidor não recue mais para níveis tão baixos do passado, e siga acima das metas fixadas pelos bancos centrais. Mas o pior já passou.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.