O ruído fiscal deve aumentar vários decibéis nas próximas semanas à medida que o governo terá que, finalmente, bater o martelo se vai alterar ou não a meta de déficit primário zero em 2024, primeiro ano de vigência do arcabouço fiscal.
No calendário do mercado, a data decisiva é o dia 22 de março, quando o governo precisará divulgar a primeira avaliação bimestral de receitas e despesas. Até lá, será possível avaliar o desempenho das medidas aprovadas pelo Congresso para aumentar a receita. E assim concluir quão factível será cumprir a meta de déficit zero.
Se mudar a meta, a credibilidade do novo regime fiscal vai por água abaixo, mesmo que ninguém no mercado acredite que o déficit primário será zero neste ano ou até 0,25% do PIB, ainda dentro da banda permitida pelas regras do arcabouço. Conforme a pesquisa Prisma Fiscal, do Ministério da Fazenda, os analistas projetam um déficit primário em mais de R$ 86 bilhões (quase 0,9% do PIB) neste ano.
A manutenção da meta significaria – ainda que não seja atingida – a entrada em vigor de uma série de restrições, como a redução, em 2026, no ritmo de expansão de gastos de 70% para 50% das receitas registradas em 2025. Mas já no ano que vem, caso haja descumprimento, há outras punições, como a proibição de o governo criar empregos ou cargos que impliquem em aumento de despesa.
Ou seja, mesmo que a meta não seja cumprida, os investidores teriam o conforto em saber que as contas do governo não sairiam dos trilhos, caso os gatilhos previstos no arcabouço sejam acionados. A mudança da meta ainda não está precificada no mercado.
No relatório de avaliação bimestral será possível ver, por exemplo, se as estimativas do governo com a tributação dos fundos exclusivos e offshore, aprovada no ano passado, serão frustradas ou superadas. A projeção inicial é que essa medida poderia trazer R$ 20 bilhões aos cofres públicos neste ano. Se, no primeiro trimestre, essa e outras receitas não vierem conforme o previsto no Orçamento de 2024, a meta não resiste.
No curto prazo, a atenção está voltada para a possibilidade de o Congresso aprovar a taxação de compras internacionais de até US$ 50, hoje isentas, como forma de compensar a prorrogação da desoneração da folha de pagamentos de 17 setores da economia, o que forçará o governo a abrir mão de R$ 19 bilhões. Se o governo conseguir calibrar com o Congresso essa cobrança para suprir a renúncia de arrecadação, caso não consiga voltar a reonerar a folha de pagamentos, a meta de déficit zero pode ter uma sobrevida.
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