Este é o terceiro de quatro artigos sobre a Argentina. Após ter tratado do histórico da inflação e do PIB, hoje abordarei os antecedentes políticos, para daqui a duas semanas tratar das perspectivas.
Em dezembro de 2001, eu estava na Argentina. O país naqueles dias enlouquecidos teve cinco presidentes em poucas semanas e o quadro que se vivia nas ruas era caótico. Passeatas inteiramente espontâneas tomavam as calles com sucessivos “cacerolazos”, pedindo aos berros “que se vayan todos”, com a ideia de varrer toda a classe política do país, responsabilizada pela crise devastadora da época, ligada ao colapso da convertibilidade.
Curiosamente, a classe política, com a escolha de Eduardo Duhalde para a presidência, soube se reerguer e conseguiu tirar o país da crise. Hoje, o clima que se vive lembra muito aquela época, com uma enorme “demanda por outsiders”, alguém que chegue sem estar “contaminado” por aquilo que aconteceu nos anos/décadas anteriores.
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Enquanto, no Brasil, apesar de nossos percalços, mal ou bem mais de uma força política tem algum “cartão de visitas” para apresentar, na Argentina, ao contrário, o fracasso é amplo, geral e irrestrito. Vejamos:
1) A última intervenção dos militares (com o golpe de 1976) derivou na Guerra das Malvinas, em 1982, culminando em uma gestão econômica desastrosa.
2) O peronismo, que tinha fracassado redondamente na sua gestão durante 1973-1976, apresenta no seu histórico o fracasso da convertibilidade (colocada num “beco sem saída” por Carlos Menem, embora o colapso tenha ocorrido depois do final do seu governo) e agora exibe uma sangria a céu aberto, com uma inflação de dois dígitos mensais.
3) O partido de Raúl Alfonsín está associado à hiperinflação no final do primeiro governo pós-redemocratização, em 1989, e à saída de helicóptero de Fernando de la Rua, em 2001, no final da megarrecessão de 1999-2001.
4) E o “macrismo” fracassou na gestão de 2016-2019, quando o PIB caiu em três dos quatro anos de governo, deixando como legado uma inflação anual de mais de 50% em 2019 e uma dívida com o FMI que provavelmente perdurará até a década de 2030.
Em tal contexto, o cidadão comum tende naturalmente a acreditar que, mais do que a corrente A ou B, foi o país e, consequentemente, toda a classe política que fracassaram, o que explica o crescimento de Javier Milei nas pesquisas, em que pese a flagrante fragilidade política da sua possível base de sustentação parlamentar. Voltaremos ao assunto daqui a 15 dias.
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