BRASÍLIA - A equipe econômica aposta no crédito com garantias como forma de turbinar os empréstimos com taxas de juros mais baixas do que as praticadas no mercado ― uma agenda que conta com o apoio do futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo. Para isso, o governo mira quatro pilares: imóveis, veículos, previdência privada e o novo consignado privado, cuja proposta será enviada ao Congresso Nacional ainda neste ano (leia mais abaixo).
Segundo o secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Pinto, a meta é cortar pela metade o chamado spread bancário, que é a diferença entre o juro que o banco paga para captar recursos e a taxa que ele cobra para emprestar aos clientes. Hoje, segundo Pinto, o spread médio do País está em 20%, mais do que o triplo da média internacional, que é de 6%.
“De um lado, a gente está reduzindo muito o custo para as empresas por meio da competição fora do sistema bancário (via mercado de capitais). Só que, para as pessoas físicas, os spreads continuam elevados. E é aqui que a garantia é extremamente relevante”, diz o secretário ao Estadão. “O rotativo e o cheque especial (duas linhas emergenciais que não têm garantia) puxam esse número lá para cima”, afirma.
O objetivo da equipe econômica é reduzir esse custo para 10% em um período de cinco anos. “Isso nos daria um ganho de 3% no nível do PIB (Produto Interno Bruto)”, diz Pinto.
Ele pondera que isso só será alcançado se o governo conseguir aprovar um pacote de mudanças regulatórias embutidas em oito projetos de lei. Os textos, pendentes de análise no Congresso, incluem alterações em regras dos setores bancário e de seguros e no mercado de capitais.
O tema também teve destaque nas falas do futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, durante sabatina no Senado, na terça-feira, 8. Na ocasião, ele defendeu a expansão do crédito com garantia como uma das prioridades da instituição sob seu comando.
“Me parece que as pessoas, pelo acesso mais simples ao (crédito) rotativo, que não é exatamente o tipo de crédito desenhado para você usá-lo, mas a maioria está sempre usando, isso acaba acelerando ou aumentando o custo de capital”, disse Galípolo, referindo-se aos juros do cartão de crédito, o financiamento mais caro do País.
“O fato é: a gente precisa avançar nesta agenda (do crédito com garantias), que é uma das agendas prioritárias para os próximos ciclos do Banco Central”, afirmou.
A autoridade monetária aposta que o Drex, a futura moeda digital do País, ainda em fase de desenvolvimento, será um ponto-chave desse processo. Isso porque ativos digitais variados poderão ser oferecidos como lastro em transações de crédito, reduzindo os custos para o tomador.
Veículos, imóveis e consignado privado
Quatro áreas já estão com as legislações aprovadas ou engatilhadas e são as apostas da Fazenda para potencializar os empréstimos com garantia no curtíssimo prazo: veículos, imóveis, previdência privada e consignado do setor privado.
As três primeiras tiveram as regras ajustadas por meio de projetos de lei aprovados no ano passado e sancionados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Já o último, o consignado do setor privado, será alvo de projeto de lei a ser enviado ao Congresso até o fim deste ano, segundo Pinto.
O objetivo é pulverizar a modalidade ― hoje concentrada em empresas maiores ― entre trabalhadores de pequenas e médias companhias e em públicos que contam com oferta limitada ou inexistente do consignado, como por exemplo os empregados domésticos.
“Esse (trabalhador doméstico) é um público importante. Pessoas que se financiam em crediários supercaros do varejo ou no rotativo do cartão de crédito e que vão poder pegar esse novo tipo de financiamento”, diz Pinto.
A ideia é lançar uma plataforma, atrelada ao e-Social e ao FGTS Digital, que permita a concorrência entre os bancos na concessão deste crédito, sem a necessidade de realização de um convênio entre a instituição financeira e o empregador, como ocorre hoje.
No caso do crédito com garantia de imóvel, que passou por reformulação recente, dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) apontam um salto de 59% na concessão em agosto na comparação com o mesmo mês de 2023. Pinto frisa, porém, que se trata de um mercado ainda incipiente e que, por isso, o avanço ocorre em cima de bases relativamente pequenas.
A inovação, trazida pela nova legislação, permite que um mesmo imóvel seja usado como garantia em mais de um empréstimo. Antes, o imóvel ficava “preso” a um único financiamento até a quitação do crédito, mesmo que fosse uma operação de valor inferior ao bem. Agora, é possível fracionar o valor e, assim, obter lastro para diversos empréstimos.
O financiamento de veículos ― que conta com a perspectiva de recuperação mais ágil da garantia, pendente de regulamentação pelos Detrans ― também experimenta um crescimento expressivo neste ano. Segundo a B3, responsável pelo Sistema Nacional de Gravames (SNG), as vendas a prazo cresceram 22,9% no acumulado do ano até agosto, alcançando o maior patamar de veículos financiados desde 2012.
A expectativa da Fazenda é de que a recuperação desses bens, em caso de inadimplência, suba dos atuais 20% para algo em torno de 80% ou 90%, o que ajudará a reduzir o custo do crédito, porque os bancos vão cobrar menos para emprestar.
Apesar do salto nas concessões, as taxas de juros nessa modalidade ainda seguem estagnadas. Em outubro de 2023, os juros médios das operações de aquisição de veículos estavam em 16,98% ao ano para pessoa jurídica e 26,19% para pessoa física, segundo dados do Banco Central. No último mês de agosto, ficaram em 16,84% e 25,7%, respectivamente.
Previdência privada, um mercado de R$ 1 trilhão
Outra aposta da Fazenda é o crédito com garantia da previdência privada. Pinto afirma que a modalidade deve oferecer juros mais baixos em razão da natureza do lastro: são recursos depositados nos bancos em fundos, títulos de capitalização e seguros. “É um crédito superbarato porque já é dinheiro no banco”, afirma.
Nesta linha, o tomador de empréstimo oferece como garantia o valor que está depositado no seu VGBL ou PGBL ou no seu título de capitalização. Segundo Pinto, há R$ 1 trilhão depositados nos bancos, o que pode alavancar empréstimos na mesma proporção.
A vantagem para o tomador é que ele não precisará abrir mão do investimento para arcar com uma emergência ou necessidade de curto prazo, evitando a tributação que incide sobre o saque desse tipo de aplicação, que é normalmente regressiva — quanto mais cedo você saca, mais imposto paga.
Os bancos já operam nesta modalidade oferecendo taxas de juros ao redor de 1,10% ao mês — como comparação, a taxa de juros do crédito pessoal é de 5,3% ao mês. Em setembro, o Conselho Monetário Nacional e o Conselho Nacional de Seguros Privados baixaram normas para o compartilhamento automático de informações entre instituições financeiras.
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Segundo Marcos Pinto, as operações que ocorrem hoje são majoritariamente feitas dentro de um mesmo conglomerado, ou seja, envolvendo uma seguradora e um banco de um mesmo grupo financeiro.
“Para baixar as taxas de juros mais ainda, a gente quer competição e daí teve todo um processo de regulamentação para que as seguradoras tenham as informações e o cliente possa tomar empréstimo em outro banco”, afirma Pinto.
O secretário espera que, com a troca de informações de maneira automática, essa linha de crédito com garantia avance mais rapidamente com taxas mais atrativas. A obrigação de compartilhamento de informações começa a valer em setembro de 2025.
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