Fazenda diz que há incômodo na equipe econômica com críticas à política fiscal e nega ‘criatividade’

Segundo secretário-executivo da pasta, Dario Durigan, há ‘alguma irracionalidade’ na repercussão dos números apresentados

PUBLICIDADE

Publicidade
Foto do author Alvaro Gribel
Foto do author Bianca Lima
Atualização:

BRASÍLIA - O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, afirmou nesta segunda-feira, 23, que há “incômodo” na equipe econômica em relação às críticas de “contabilidade criativa” que são feitas por analistas à condução da política fiscal do governo. Segundo Durigan, o resultado das contas públicas este ano está surpreendendo as expectativas, e por isso, há “alguma irracionalidade” na repercussão dos números.

“Temos o equilíbrio fiscal como fundamento da política econômica. Por isso, temos feito esforço maior para ajustar as contas do País e cumprir as metas. Há um incômodo quando a gente percebe alguma irracionalidade da repercussão. O fato é que o fiscal se recuperou e tem superado as expectativas”, disse o secretário, afirmando que o ajuste fiscal está sendo feito “sem nenhum tipo de criatividade ou artifício”.

'Há um incômodo quando a gente percebe alguma irracionalidade da repercussão e dos números que se apresenta', afirma Durigan. Foto: Marcello Chello/Estadão

PUBLICIDADE

A equipe econômica detalhou nesta segunda-feira os dados do relatório de receitas e despesas relativo ao quarto bimestre, que havia sido divulgado na última sexta. Na ocasião, o governo surpreendeu os analistas e reduziu em R$ 1,7 bilhão o congelamento de recursos no Orçamento deste ano. Com isso, o total congelado passou de R$ 15 bilhões para R$ 13,3 bilhões, gerando críticas por parte de economistas, que falaram, inclusive, em “matemágica fiscal”.

A liberação de R$ 1,7 bilhão é resultado de duas ações concomitantes do governo: o aumento do bloqueio em R$ 2,1 bilhões, para fazer frente ao crescimento de despesas obrigatórias; combinada com a reversão total do contingenciamento de R$ 3,8 bilhões, devido ao crescimento na projeção de receitas (entenda a diferença entre os termos abaixo).

O anúncio de sexta-feira, segundo os analistas, também evidenciou que o governo segue perseguindo o piso da meta fiscal (que permite um déficit de até R$ 28,8 bilhões), e não o centro (que seria um déficit zero). A equipe econômica alega, porém, que as leis fiscais impedem que o governo contingencie recursos do Orçamento quando há sinais de que ao menos o piso da meta será alcançado.

Publicidade

Essa interpretação, porém, também já levantou questionamentos. “Este entendimento de que o governo não pode contingenciar se tiver cumprindo o limite inferior da banda de resultado primário não parece ser compartilhado pelo TCU (Tribunal de Contas da União), senão não caberia o alerta sobre os riscos da estratégia de buscar o limite inferior da banda pela Corte”, afirma Jeferson Bittencourt, head de macroeconomia do ASA e ex-secretário do Tesouro Nacional.

O TCU já fez dois alertas sobre o fato de o governo mirar o limite inferior da meta como referência para as medidas orçamentárias: um no fim de agosto e outro na semana passada.

Para o economista-chefe da Warren Investimentos, Felipe Salto, que é ex-secretário de Fazenda do Estado de São Paulo, a leitura das leis fiscais, de fato, permite essa interpretação. Ele alega, contudo, que a decisão não é prudente dentro de um cenário de déficit ainda elevado.

“O problema não é da letra da lei. Elas, de fato, permitem a interpretação que levou a descontingenciar R$ 3,8 bilhões e bloquear R$ 2,1 bilhões, mesmo na base de uma série de receitas incertas. Ocorre que não é prudente nem recomendável que se liberem gastos discricionários ou de outra natureza em um contexto de déficit ainda elevado projetado pelo próprio governo”, disse. E ponderou: “Ou é meta zero ou não é”.

Para Bittencourt, o relatório bimestral “não trouxe conforto para a percepção do mercado sobre a situação fiscal”, mesmo se aproximando do cumprimento formal da meta e com a revisão para baixo de algumas receitas extraordinárias e para cima de parte das despesas, como as da Previdência. “A percepção é que as receitas novas, que foram introduzidas neste bimestral, são não recorrentes como as que foram ajustadas”, diz.

Publicidade

Qual a diferença entre bloqueio e contingenciamento?

No contingenciamento, o governo congela despesas quando há frustração de receitas, a fim de cumprir a meta fiscal (saldo entre receitas e despesas, sem contar os juros da dívida). Para este ano e para 2025, a meta é de zerar o déficit das contas públicas.

Como a meta tem uma banda (intervalo de tolerância) de 0,25 ponto porcentual do PIB para cima e para baixo, o governo cumpre a meta desde que não extrapole o piso da banda – ou seja, um déficit de R$ 28,8 bilhões.

Já o bloqueio é realizado para cumprir o limite de despesas do arcabouço fiscal. Assim, quando há aumento de gastos obrigatórios (como aposentarias, por exemplo), o governo bloqueia despesas não obrigatórias (como custeio e investimentos) para compensar.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.