BRASÍLIA - A equipe econômica montou uma força-tarefa para garantir a aprovação da Medida Provisória (MP) que altera a tributação sobre as grandes empresas que recebem benefícios fiscais do Estados. A proposta, que é um dos principais itens da pauta arrecadatória do governo, sofre críticas por parte de advogados tributaristas, de representantes da iniciativa privada e também dentro do Congresso Nacional.
Interlocutores do Ministério da Fazenda já receberam os alertas e passaram a classificar o texto como a mais difícil batalha dentro do Legislativo neste segundo semestre. A avaliação é de que serão necessárias negociações em diversas frentes - inclusive envolvendo os municípios - e que o governo não poderá abrir mão dessa receita extra, estimada em R$ 35,3 bilhões em 2024.
A principal crítica - que já encontra ecos no Congresso, inclusive do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) - é de que o texto vai muito além da simples regulamentação do julgamento no Superior Tribunal de Justiça.
Em maio, o STJ decidiu que as empresas só poderiam abater dos tributos federais (como Imposto de Renda e Contribuição Social sobre Lucro Líquido) os benefícios estaduais que fossem ligados a investimentos, e não a custeio - o que foi considerada uma vitória do governo. O problema é que o litígio continuou, a arrecadação extra não veio e a Fazenda decidiu agir para regulamentar.
Só que a Receita Federal, reclamam os tributaristas, criou uma nova sistemática para esse abatimento e restringiu o seu alcance. Em vez de abater os incentivos estaduais da base de cálculo dos tributos federais, a empresa terá de se habilitar em um sistema online do Fisco e, uma vez autorizada, receberá um crédito de 25% sobre o valor do benefício fiscal - o que é equivalente à alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ).
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“Definitivamente, não se trata de uma regulamentação. A MP muda toda a lógica da subvenção (benefício fiscal). Para começo de conversa, ela primeiro tributa e depois dá o crédito, então isso já gera um problema de fluxo de caixa para as empresas”, afirma Breno Vasconcelos, do Mannrich e Vasconcelos Advogados e pesquisador do Insper.
Além disso, complementa Vasconcelos, “quando, e se, a empresa recuperar o valor pago, será referente a um único imposto federal”. Ele se refere ao IRPJ, mencionando que não há previsão de devolução dos valores tributados via CSLL e PIS/Cofins, outros dois tributos federais.
O secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, rebateu as críticas e disse que a nova sistemática, via créditos fiscais, é o padrão internacional, indicado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “Nesse modelo, será possível visualizar, na internet, quanto de benefício cada empresa recebe exatamente”, afirmou o secretário, na apresentação da MP. “Isso vai permitir que o Fisco coíba abusos”, destacou.
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Estratégia da Fazenda no Congresso
Para driblar as resistências, a Fazenda pretende sentar à mesa com empresas e tributaristas, nos moldes das negociações envolvendo o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) - espécie de tribunal da Receita que teve as regras alteradas pelo Congresso após ajustes na proposta.
Segundo o Fisco, essa nova MP tem impacto relevante em apenas 500 grandes empresas que pagam impostos pela sistemática do lucro real - um grupo relativamente pequeno, mas que tem força dentro do Congresso.
Por esse motivo, a equipe econômica já preparou os argumentos que levará aos parlamentares. Serão três principais: o primeiro é que a MP terá força para reduzir esse litígio bilionário, que encarece a operação das empresas, sobrecarrega o Judiciário e pesa no custo Brasil - algo ainda visto com ceticismo pelos tributaristas, que apostam na continuidade dos questionamentos judiciais.
A Fazenda também vai alegar que a mudança na legislação e o respeito às novas regras ajudarão a turbinar o caixa dos municípios, principalmente os menores, que estão pressionando os parlamentares por mais verbas. Nos cálculos do Fisco, os prefeitos vão receber até R$ 9 bilhões a menos em 2023, via Fundo de Participação dos Municípios (FPM), devido à sistemática aplicada atualmente.
E, terceiro, os interlocutores do governo vão bater na tecla de que a medida traz isonomia tributária. Isso porque, hoje, as grandes empresas aproveitam os benefícios estaduais para fazer abatimentos federais e, assim, pagam menos impostos, o que impacta na competitividade dessas companhias.
A Receita Federal aponta que, a cada R$ 1 mil de benefício concedido pelos Estados, é como se a União estivesse dando outros R$ 432 aos empresários, em uma nova subvenção - o que é considerado um “jabuti” tributário.
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