Fazenda tem 18 pedidos para bets abertas por beneficiários de programas como o Bolsa Família

Empresas recém-abertas em nome de pessoas que recebem benefícios sociais têm indicativos de fraudes; ministério diz que precisa de 150 dias para verificar pedidos e que pode acionar órgãos de investigação

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Foto do author Vinícius Valfré
Atualização:

BRASÍLIA – A lista de empresas que pediram ao Ministério da Fazenda autorização para operar sites de apostas no Brasil conta com pelo menos 18 firmas abertas em nomes de beneficiários do Bolsa Família e de pessoas atendidas por outros programas assistenciais do governo nos últimos anos. Para obter o aval do governo, os interessados em explorar jogos online precisam pagar R$ 30 milhões para a outorga.

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Para fazer jus a benefícios sociais, o cidadão deve comprovadamente estar em vulnerabilidade social e ter baixa renda. A presença desses beneficiários ligados a empresas que estão na lista de interessadas num mercado complexo que movimenta bilhões de reais é mais um indicativo de um possível esquema de fraudes a partir do cadastro no Sistema de Gestão de Apostas (Sigap) do governo federal.

Como mostrou o Estadão, grupos estrangeiros têm usado brasileiros como “laranjas” para abrir empresas de fachada e cadastrá-las no Sigap. Antes mesmo de o governo analisar os requerimentos, os fraudadores disseminam sites de apostas com menções aos documentos protocolados no Ministério da Fazenda para dar aparência de legalidade a plataformas de apostas irregulares. A pasta tem cinco meses para analisar os pedidos mais recentes.

Empresas recém-abertas em nome de pessoas que recebem benefícios sociais, como Bolsa Família, têm indicativos de fraudes Foto: Agência Brasil

O esquema das “bets chinesas”, como é conhecido no mercado, tem golpistas da China, de outros países asiáticos e do leste europeu.

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O Estadão conseguiu falar com um deles e confirmou que o homem aliciou brasileiros para abrir pelo menos 33 das cerca de 180 que aparecem na lista de postulantes à autorização oficial. O homem se identificou como chinês, disse atuar há dois anos e depois se recusou a responder perguntas.

Moradora de São José dos Pinhais (PR), Joana (nome fictício), 43 anos, cria sozinha três filhos com a ajuda do Bolsa Família. No dia 5 de novembro, uma empresa de “consultoria em gestão empresarial e em tecnologia da informação” foi aberta no nome dela em Manaus (AM). Quatro dias depois, a papelada da firma foi protocolada no Ministério da Fazenda.

Ela conta que a única experiência com o “tigrinho” foi há bastante tempo. Acabou perdendo um dinheiro que não podia desfalcar e nunca mais experimentou de novo. “Eu não reconheço essa empresa. Eu até me assustei. Estou sem entender nada, estou perdida. Não tenho empresa nenhuma. Não tinha conhecimento disso. Eu nem sei abrir empresa”, disse.

Outras pessoas, porém, confirmaram ter relação nebulosa com a bet. Raquel Lucas Sousa, 40 anos, é de Santa Luzia (MG) e aparece como dona de uma empresa de apostas de São Paulo que foi aberta no início do mês, sete dias antes de o pedido de autorização para operar ser protocolado no Ministério da Fazenda.

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‘Eu teria que pagar quanto?’

Beneficiária do Bolsa Família desde meados de 2017, ela vinha recebendo, neste ano, parcelas de R$ 540, até junho. Em conversa com a reportagem, ela disse ser a dona, sim, da Vamos Pagos da Sorte LTDA, mas não soube descrever o negócio quando perguntada se teria condições de arcar com o custo da outorga. “Eu teria que pagar quanto?”, perguntou.

A mulher, que já teve um pouco negócio como manicure, ficou incomodada com a abordagem. Primeiro, disse que não via indício de irregularidade no fato de ela receber benefícios sociais e, em paralelo, abrir uma empresa de apostas. “Se ela tivesse irregularidade, ela teria tido requisição, teria passado aí?”, indagou.

A reportagem, então, explicou que a empresa somente fez um pedido que ainda nem foi analisado. “Você me liga para me questionar… Uma coisa que infelizmente eu não posso te falar, porque nem te conheço (...). Tem coisas tão importantes para você estar se preocupando, e você vai se preocupar logo com isso?”

As apostas online viraram uma preocupação nacional por conta do estrago que o vício em jogos causa e do impacto que provoca na economia popular. Elas têm drenado orçamentos familiares e criado dependentes que acabam perdendo tudo e precisam buscar tratamento. A reportagem explicou à mulher que parte desses jogadores pode estar sendo lesada em sites ligados à suposta empresa dela. “Nisso aí você pode estar certo, concordo com você. Mas também não tenho que te dar satisfações da minha vida.”

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A lista tem ainda outros beneficiários do Bolsa Família e pessoas que, até 2022, dependeram do auxílio emergencial, e agora surgiram como donas de empresas que pleiteiam regularizar bets.

Especialista em Direito Digital, o advogado Felipe Monteiro, ressaltou ser improvável que as empresas com documentação precária passem da fase de cadastro e ganhem o “ok” do Ministério da Fazenda.

Destacou ainda que as empresas irregulares só poderiam alegar ter aval para seguir funcionando se tivessem protocolado pedido na primeira leva de solicitações, até 17 de setembro, e ainda estivessem aguardando a análise. Não é o caso das empresas apontadas na reportagem.

Ele disse ainda que o fato de um beneficiário do Bolsa Família aparecer como dono de empresa pode significar que ele não precisa do benefício. E que, no caso de uma fraude deliberada, deve haver investigação. “Quando ele abre uma empresa, com capital social, não deveria ser mais beneficiário. Mesmo se abre empresa para um terceiro, a empresa continua em nome dele. Se alega que não é o responsável legal, é importante investigar”, comentou o advogado da Kasznar Leonardos.

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