BRASÍLIA - O presidente-executivo da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), Pablo Cesário, afirmou em entrevista ao Estadão/Broadcast que a discussão sobre a subvenção do ICMS e de mudanças nos Juros Sobre Capital Próprio (JCP) deveria ocorrer acompanhada de uma reforma da tributação sobre a renda, como prometido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para o ano que vem.
De acordo com ele, se os dois assuntos forem separados da discussão sobre tributação de dividendos, haverá aumento na cobrança de impostos às empresas.
“Essa discussão tem que ser feita dentro de uma discussão da reforma da renda. Não dá para discutir subvenção sem discutir JCP, lucros e dividendos, alíquota corporativa. Essa é uma das grandes centrais que a gente tem. No fundo, tanto a MP 1185 (subvenção) quanto JCP, se forem feitos separados da tributação de dividendos, haverá aumento da tributação sobre as empresas do Brasil”, disse Cesário.
Ele também se mostrou preocupado com a sugestão da Fazenda de incluir as mudanças do JCP na MP da subvenção. “Não há debate, não há um modelo. É super complexo e a gente quer fazer em pouco tempo. Não houve audiência pública, seminário”, avaliou.
Os Juros sobre Capital Próprio (JCP) são um tipo de remuneração feita pelas grandes empresas aos seus acionistas. Em vez de dar fim ao JCP, ou seja, acabar com a dedutibilidade (possibilidade de as companhias abaterem essa remuneração dos tributos devidos) como um todo, o governo vai enviar um modelo mais restrito, como mostrou o Estadão, buscando um meio-termo entre a manutenção total e a revogação total do mecanismo, como previsto inicialmente.
Já a MP das subvenções fecha brechas para grandes empresas pagarem menos tributos federais, descontando incentivos fiscais concedidos pelos Estados. O presidente da Abrasca alega que a medida pode não resolver o imbróglio tributário e ainda criar outro problema ao impactar as empresas e, consequentemente, a manutenção de empregos.
Ele compara o novo cenário ao que ocorreu com a lei complementar 160 de 2017, que equiparou custeio e investimento e passou a não tributar todos os tipos de subvenção, acelerando a erosão da base tributária.
“Qual o tamanho desse impacto (da MP)? Positivo ou negativo? Ninguém sabe, nem a Fazenda sabe. E não tem como saber. Uma discussão que a gente está fazendo, desse tamanho de importância, sem estimar os impactos, é preocupante. Foi o que aconteceu em 2017. Se subestimou o impacto da mudança e ela criou um outro problema, eu esperaria não criar um novo problema”, disse Cesário.
“Empresas não fazem normas, respondem a normas. Se incentivo deixou de ser viável, ninguém vai manter fábrica onde não faz sentido”, continuou.
Cesário elencou três aspectos da MP que geram maior preocupação entre empresários. O primeiro deles diz respeito à proposta elaborada pela Fazenda que trata do estoque de benefícios que já foram abatidos pelas empresas. A pasta propôs uma transação tributária específica para os passivos, com desconto de 65%, em até doze parcelas mensais e sucessivas.
No entanto, empresários defendem que não haja efeitos retroativos — para garantir que a Receita não cobre impostos federais sobre incentivos fiscais de ICMS já concedidos às empresas.
Segundo Cesário, no entanto, a preocupação é que o texto faça uma revisão ampla do passado e atinja, inclusive, empresas que cumpriram a legislação nos últimos anos. Em 2017, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que, em casos de crédito presumido (seja para investimento ou custeio), não poderia haver incidência de IR e CSLL sobre as receitas deste tipo de incentivo fiscal.
Este ano, em abril, o STJ decidiu, por outro lado, que outros benefícios fiscais (e não apenas créditos presumidos), chamados de “grandezas negativas”, como, por exemplo, redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, imunidade e diferimento, poderiam ser excluídos da tributação dos impostos federais se as empresas atendessem três requisitos, como constituição de uma reserva de lucros, com vistas a que não haja distribuição aos sócios.
“Se a transação for para aquelas empresas que não cumpriram as condicionantes, neste caso faz sentido uma transação. Mas existe uma outra hipótese e não está claro na minuta (da Fazenda), se eles tornam ilegal para quem cumpriu os critérios. Uma coisa é para aqueles que estão claramente enquadrados no julgamento do STJ, ter processo de transação é bem-vindo. Mas isso seria um problema se for para quem cumpriu as condicionantes. Não está claro o que o governo quer”, afirmou.
Outro ponto apontado pelo presidente da Abrasca é de que a base de cálculo do crédito fiscal continua restritiva. Na nova versão da MP, a Fazenda fez mais concessões para apuração dos créditos, como mostrou o Estadão, ampliando o escopo de investimentos com a inclusão de despesas “de depreciação, amortização ou exaustão ou de locação ou arrendamento de bens de capital, relativas à implantação ou à expansão do empreendimento econômico”. Cesário avalia, no entanto, que o trecho não inclui a definição de “subvenção onerosa”, que não é propriamente investimentos, como: geração e manutenção de empregos.
O presidente da Abrasca também aponta que a MP traz uma inovação ao determinar que a Receita fará uma autorização prévia de concessão dos incentivos fiscais.
“Hoje, nós recebemos os incentivos e colocamos ele como receita e despesa e fazemos um abatimento na nossa declaração. A Receita vem e fiscaliza depois. O que a MP faz é criar um mecanismo prévio de autorização de cada lei e de cada concessão e prazo para que isso ocorra. Vou assumir compromissos onerosos e, em vez de fechar no mesmo ano, vou ter que esperar 2, 3, 4 anos para receber (o crédito)”, explicou. “A Receita Federal vai dizer se o governador e o secretário estadual da fazenda estão certos ou errados”, emendou.
Com o texto originalmente enviado ao Congresso, a Fazenda calculou que as novas regras para subvenção trariam mais R$ 35,3 bilhões de arrecadação no próximo ano. O presidente da Abrasca não conhece a base de cálculo, mas diz confiar mais nas transações tributárias como mecanismo de arrecadação, não só para decisões já definidas, mas inclusive para o contencioso existente hoje.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.