NOVA YORK - O discurso rápido e direto do presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), Jerome Powell, no Simpósio de Jackson Hole, adotou o tom já esperado em Wall Street, sinalizando que os juros ainda subirão mais nos Estados Unidos à medida que o foco da autoridade é trazer a inflação para a meta de 2% ao ano. Sua fala foi em linha com a de outros dirigentes, mas não soou como um divisor de águas nas expectativas do mercado para o ritmo do aperto monetário no país. Economistas e investidores seguem divididos sobre a próxima reunião do Fed, em setembro, mas com as chances de uma terceira alta de 75 pontos-base predominando.
Diferentemente de outras edições de Jackson Hole, quando discutiu tópicos amplos e gastou um bom tempo, aproveitando o holofote da nata de banqueiros centrais e do mercado financeiro, Powell foi direto e reto. Em cerca de dez minutos de discurso, enfatizou o compromisso do Fed com o controle da inflação no País, que saltou para o maior patamar em mais de quatro décadas diante de restrições na oferta e um salto da demanda na esteira da pandemia e com o agravamento da guerra na Ucrânia.
“O foco abrangente do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês) agora é trazer a inflação de volta para nossa meta de 2%. A estabilidade de preços é responsabilidade do Federal Reserve e serve como um alicerce da nossa economia”, disse Powell, em discurso, nesta sexta-feira, 26, durante o Simpósio de Jackson Hole. “Sem estabilidade de preços, a economia não funciona para ninguém”, emendou.
De acordo com ele, a estabilidade de preços “levará algum tempo” e exige ferramentas “fortes e assertivas” no equilíbrio da demanda e da oferta. “A redução da inflação provavelmente exigirá um período sustentado de crescimento abaixo da tendência”, alertou Powell, mencionando ainda o abrandamento das condições no mercado de trabalho dos EUA.
Juros
Para a britânica Capital Economics, o discurso de Powell foi conciso pelos padrões de Jackson Hole e “hawkish”, sinalizando que os juros ainda subirão mais. Apesar disso, a consultoria ainda vê a possibilidade de reduções de juros em 2023 e espera que os juros subam 50 pontos-base em setembro. “Nossa visão é de que os cortes nas taxas só entrarão na agenda no fim de 2023, quando a inflação cair abaixo de 2% e o núcleo recuar abaixo de 3%”, afirma a consultoria, em comentário a clientes.
Powell admitiu que, à medida que as condições financeiras nos EUA ficam ainda mais restritivas, será necessário, em algum momento, desacelerar o ritmo de elevações de juros, mas não disse quando.
Em relação à próxima reunião do Fomc, o líder do BC americano também não deu pistas, como já era esperado pelo mercado, e reafirmou que o ritmo de aperto depende de novos dados e da evolução das perspectivas para a maior economia do mundo. “O aumento de julho foi o segundo de 75 pontos-base em tantas reuniões, e eu disse então que outro aumento incomumente grande poderia ser apropriado em nossa próxima reunião”, reforçou o presidente do Fed.
No mercado, suas falas deram leve impulso às expectativas de que o Fomc promova uma terceira alta de 75 pontos-base na reunião de setembro. Tais chances eram de 58,5% na última hora, conforme levantamento da plataforma CME Group. Já a probabilidade de uma elevação de 50 pontos-base estava em 41,5%.
Na opinião do economista-chefe da Pantheon Macroeconomics, Ian Shepherdson, uma terceira alta de 75 pontos-base em setembro ainda pode ser evitada, mas, assim como Powell, reforçou o peso de futuros dados. “Isso exigirá números do CPI (índice de preços ao consumidor, na sigla em inglês) em agosto semelhantes aos de julho, e isso está longe de ser certo”, avaliou.
Dados determinantes
Antes da próxima reunião do Fed, devem ser divulgados dados da inflação e do mercado de trabalho dos EUA de agosto, tidos como determinantes nas expectativas de Wall Street quanto ao encontro de setembro.
Em julho, o índice que mede a inflação sinalizou que o pior dos preços no país pode ter sido superado, o relatório de emprego, o payroll, porém, veio forte, com a criação de 528 mil novos postos, o que dificulta a vida do BC norte-americano no controle da inflação.
Depois de Powell, o Citi manteve a expectativa de uma terceira alta de 75 pontos-base em setembro. “De maneira mais ampla, Powell e outros dirigentes do Fed estão sinalizando cada vez mais que as condições financeiras terão que se apertar ainda mais até que a economia desacelere mais substancialmente”, disse o economista-chefe para os EUA do Citi, Andrew Hollenhorst.
Powell recorreu a três lições dos anos 1970 e 1980, quando a inflação nos EUA também estava descontrolada, para justificar a necessidade de uma política mais apertada no cenário atual. “O registro histórico adverte fortemente contra o afrouxamento prematuro da política”, disse, em um sinal de que não quer repetir os erros do passado.
Para Andrew Reider, sócio e CIO da WHG, asset brasileira focada na gestão global de ativos, a mensagem de Powell foi “bem curta e direta de propósito”. “Isso foi para endereçar um pouco a reação do mercado da última reunião do Fed e das minutas que saíram, que interpretou a possibilidade de uma guinada mais ‘dovish’ do Fed (de menor ímpeto para subir os juros)”, disse, em comentário ao Estadão/Broadcast. “Dessa vez, ele fez o contrário, dizendo que o erro do passado foi aliviar a política monetária preocupado com a atividade”, acrescentou.
“Estamos mudando nossa postura política propositalmente para um nível que será suficientemente restritivo para retornar a inflação a 2%”, enfatizou Powell.
O presidente do BC dos EUA disse ainda que a tarefa de reduzir a inflação nos EUA embute “custos infelizes”, com o abrandamento do mercado de trabalho, e dor às famílias e empresas norte-americanas. Mas uma falha em restaurar a estabilidade de preços, ponderou, significaria “uma dor muito maior”.
“Estamos tomando medidas fortes e rápidas para moderar a demanda para que ela se alinhe melhor com a oferta e para manter as expectativas de inflação ancoradas. Vamos continuar assim até termos certeza de que o trabalho está feito”, concluiu Powell.
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