NOVA YORK - O Federal Reserve (Fed) dá início nesta terça-feira, 17, à reunião mais esperada do ano, e deve começar a cortar os juros nos Estados Unidos para combater o esfriamento mais rápido do mercado de trabalho, já que os preços cederam rumo à meta de 2% ao ano. Como todo início de ciclo monetário, a volatilidade dá o tom, e as expectativas quanto à intensidade do seu primeiro ato ainda levanta dúvidas de Wall Street à Faria Lima, algo raro na véspera do anúncio.
Com os juros entre 5,25% e 5,5% ao ano, maior patamar em mais de duas décadas, e sem sinais do Fed quanto ao tamanho do corte, o mercado calibrou as suas expectativas tal como o presidente do BC dos EUA, Jerome Powell, orientou: a depender dos dados. Nos últimos meses, os preços na maior economia do mundo engataram um caminho de queda mais sustentado, enquanto o mercado de trabalho, antes aquecido, começou a esfriar, com o desemprego subindo a 4,2% ante 3,7% no fim do ano passado.
Em meio a dados mistos dos EUA, Wall Street mantém as expectativas de um corte de 0,50 ponto porcentual. As chances de um primeiro corte de 0,50 ponto porcentual eram de 59% nesta terça, abaixo dos 62% de segunda, após desempenho mais forte da indústria e do varejo em agosto, mostra levantamento da plataforma CME Group. Há poucos dias, o mercado ainda estava totalmente dividido em uma decisão “cara ou coroa” para a reunião do Fed que termina na quarta, 18, e que deve marcar a primeira queda das taxas no país após a covid-19.
“Estamos no início de um ciclo, então a incerteza é elevada”, diz o economista-chefe do Santander para os EUA, Stephen Stanley, em entrevista ao Estadão/Broadcast. “E o Fed falhou em não oferecer uma orientação clara sobre quanto eles irão cortar os juros, deixando os participantes do mercado criarem suas expectativas no vácuo”, acrescenta. Para Stanley, o Fed deve começar o ciclo de afrouxamento monetário nos EUA com um corte de 0,25 p.p. uma vez que a economia americana ainda está saudável. O economista espera que esse seja o ritmo de queda das taxas também nas próximas reuniões, e uma aceleração para 0,50 p.p. deve ocorrer apenas se necessário.
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Gigantes de Wall Street como Goldman Sachs, Bank of America, Morgan Stanley e Citi também estão inclinados a um primeiro corte mais contido, de 0,25 p.p., a despeito das expectativas majoritárias mais “dovish” do mercado. “Autoridades do Fed não sinalizaram um corte maior antes do período de silêncio e, desde então, os dados de inflação dos EUA têm sido ligeiramente firmes”, justificam os estrategistas do Bank of America. E a cobertura da imprensa americana tem sido lida mais como um sentimento do mercado do que um sinal de dirigentes do Fed quanto ao tamanho do primeiro corte de juros, avaliam.
Chegou a hora de a política se ajustar. A direção da viagem é clara, e o momento e o ritmo dos cortes de taxas dependerão dos dados recebidos, da perspectiva em evolução e do balanço de riscos
Jerome Powell, em 23 de agosto
O Citi prevê uma “disputa acirrada” entre uma redução de 0,25 p.p. e de 0,50 p.p. Já a Capital Economics pondera que o fato de o BC dos EUA começar a cortar os juros mais tarde do que o mercado previa é um bom argumento para “compensar” o tempo perdido com um afrouxamento mais rápido da política.
O histórico de flexibilização monetária do Fed mostra, porém, que “reduzir as taxas em uma magnitude maior tem uma barra alta a superar”. “Pode criar a impressão de que os banqueiros centrais cometeram um erro e ficaram atrás da curva”, diz Neil Shearing, economista-chefe da Capital Economics. “Se as autoridades optarem pelo corte maior, isso pode ser interpretado como um sinal de que o Fed sabe algo preocupante sobre a economia que os mercados não sabem”, alerta.
O martelo final vai depender de como Powell conduzirá os seus colegas, considerando um pente fino em um conjunto de variáveis na maior economia do mundo, escreve Nick Timiraos, do The Wall Street Journal. Nem mesmo o jornalista mais acompanhado quando o assunto é Fed, trouxe pistas do caminho que a autoridade monetária deve seguir amanhã. “A única questão é se o mercado pode forçar a mão do Fed”, diz o estrategista-chefe de câmbio do Société Generale, Kit Juckes, em comentário a clientes.
Para além da decisão de setembro, o mercado quer saber o que vem à frente. Nesse sentido, o mercado vai olhar com atenção as projeções que o Fed divulgará em paralelo à decisão de juros. “As novas projeções de pontos vão ajudar tremendamente a moldar as expectativas”, diz Stanley, do Santander, que espera uma série de cortes de 0,25 p.p. nas próximas reuniões do Fed. “O enfraquecimento contínuo do mercado de trabalho provavelmente provocará cortes maiores, se não nesta reunião, então em novembro e dezembro”, prevê o economista-chefe do Citi para os EUA, Andrew Hollenhorst.
O mercado também vai ouvir atentamente as explicações de Powell na tradicional coletiva de imprensa na sequência do anúncio do Fed. “Não esperamos que Powell dê orientação específica sobre o ritmo do ciclo de corte”, diz o Morgan Stanely. “Powell provavelmente permanecerá dependente de dados, indicando que as decisões futuras vão depender dos dados disponíveis”, conclui. O Fed divulga a sua decisão de política monetária nesta quarta, 18, às 15h de Brasília, e concede entrevista à imprensa 30 minutos depois.
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