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Economia e políticas públicas

Opinião|A bifurcação decisiva da inteligência artificial

Especialistas consideram que se IA, especialmente na sua versão generativa, complementar, em vez de substituir, o trabalho humano, produtividade pode aumentar e vida dos trabalhadores melhorar. Mas há risco de se manter o caminho da substituição do trabalho humano, que terá resultados decepcionantes.

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Foto do author Fernando Dantas

Um novo estudo do Laboratório de Ciência da Computação e Inteligência Artificial (CSAIL, na sigla em inglês) do MIT encontrou que a perda de postos de trabalho relacionada à inteligência artificial (IA) pode ser menor do que o esperado. Mas o trabalho tem a limitação de só ter analisado empregos nos quais a IA pode substituir tarefas de "inspeção visual", não computando, por exemplo, o uso de modelos generativos como o ChatGPT na criação de textos e imagens.

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Esse é apenas um exemplo da profusão de pesquisas e discussões sobre a interação entre IA e mercado de trabalho, com resultados e projeções bastante díspares, indo de visões róseas do futuro até cenários quase distópicos.

O economista Fernando Veloso, pesquisador associado do IBRE-FGV, vem se dedicando a esse tema e sintetiza a grande dúvida que pode ser o divisor de águas entre o bom e o mau uso da IA no presente e no futuro, em termos de emprego e produtividade. Ele aponta que sua visão se nutre de pesquisas e pontos de vista de importantes economistas, como Daron Acemoglu, do MIT, e Erik Brynjolfsson, de Princeton, entre outros.

Se essas novas tecnologias de IA forem majoritariamente voltadas a substituir o trabalho humano, o resultado pode ser decepcionante. Haverá perda de empregos, as pessoas provavelmente se reempregarão ganhando menos e em condições piores, e as máquinas não devem fazer as tarefas antes realizadas por humanos de forma muito melhor - de tal forma que a produtividade não é beneficiada.

Isso não é mera especulação. De certa forma, nota Veloso, o quadro descrito acima é o que veio acontecendo nos últimos dez anos, desde que a IA adentrou o mundo da produção e da economia. O último período de aceleração da produtividade nos países avançados foi entre meados das décadas de 90 e 2000.

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Agora, porém, com o surgimento da IA generativa, como osmodelos de linguagem de grande escala (Large Language Models, ou LLM, na sigla em inglês; o ChatGPT é o mais célebre), há especialistas, como Brynjolfsson, que veem comobem possível um cenário muito melhor para a economia.

É o cenário em que a IA se torna complementar, e não substituta, ao trabalho humano. Nesse caso, ferramentas de IA generativa fazem com que um trabalhador produza mais e melhor. Além de não ser uma ameaça ao emprego - inclusive novos postos de trabalho associados às possibilidades criadas pela IA podem surgir -, impacta positivamente a produtividade.

A IA generativa pode ajudar especialmente trabalhadores de qualificação média para baixa, e uma das razões é que ninguém precisa ser técnico em programação para escrever um comando para um programa generativo que cria textos ou imagens. Estes programas, por sua vez, podem suprir deficiências na qualificação de trabalhadores (exemplo: um modelo de LLM faz um texto, necessário a uma tarefa de trabalho, melhor do que seria o texto para a mesma função redigido pelo funcionário que recorreu ao LLM).

Já há evidências de que esse efeito benéfico da IA generativa está ocorrendo. Brynjolfsson com coautores encontrou um ganho de produtividade de 14%, em apenas alguns meses, em serviços de atendimento ao cliente que passaram a empregar ferramentas de LLM. No caso dos empregados menos experientes, o ganho foi de 34%.

O economista de Princeton, inclusive, considera que o aumento da produtividade americana nesta década pode crescer a uma média anual em torno de 3%, acima do 1,4% projetado pela Secretaria de Orçamento do Congresso americano, em função do impulso da IA.

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Veloso nota que a visão mais otimista de Brynjolfsson, sobre a tendência de predomínio da IA complementar ao trabalho humano melhorando a produtividade e a qualidade de vida, contrasta com a abordagem não propriamente pessimista, mas mais cautelosa, de Acemoglu, mais preocupado com a possibilidade de a nova tecnologia se manter no padrão da história recente de substituição do trabalho humano.

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No entanto, acrescenta o pesquisador do IBRE, mesmo Brynjolfsson, em recente entrevista ao Financial Times, fez algumas ressalvas ao seu próprio otimismo, apontando riscos como o uso de IA para semear desinformação, vírus, armas, ataques cibernéticos e fraudes, já que a ferramenta também torna os vilões mais produtivos.

De qualquer forma, a agenda para assegurar um melhor caminho para a IA parece comum à comunidade de pesquisadores, com providências como reduzir a tributação do trabalho relativamente à do capital (como a primeira geralmente é maior, as empresas tendem a querer automatizar tarefas que são feitas por humanos); reforçar a regulação das empresas que fornecem as ferramentas de IA, especialmente no que diz respeito à transparência sobre dados (inclusive remunerando quem hoje fornece dados de graça, como o público em geral) e algoritmos; e programas de treinamento da força de trabalho para uso das novas tecnologias e a própria utilização de IA para aprimorar os programas de intermediação de mão de obra.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 7/2/2024, quarta-feira.

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Opinião por Fernando Dantas
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