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Economia e políticas públicas

Opinião | A economia política perversa do arrocho monetário

Lula repete em seu terceiro mandato receita conhecida da política econômica pós-redemocratização, que nunca deu certo: política monetária superdura para compensar a política fiscal frouxa. Ninguém fica feliz e o risco de desvio populista aumenta com tese equivocada de que é preciso baixar juro para resolver problema fiscal.

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Foto do author Fernando Dantas

O Banco Central (BC) referendou a corrente mais 'hawkish' (preocupada com a inflação) do mercado ao elevar a Selic em 1 ponto porcentual (pp), para 12,25%, e sinalizar mais duas altas dessa magnitude. A decisão ajuda a reduzir a desconfiança do mercado nas credenciais de 'inimigo da inflação' de Gabriel Galípolo, nomeado por Lula, que será presidente do BC a partir do início do ano que vem.

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O Brasil, porém, se vê na mesma combinação de política econômica que prevaleceu em longo períodos pós-redemocratização: uma política monetária extremamente dura para tentar compensar a política fiscal frouxa. Essa foi a situação, por exemplo, dos anos iniciais do Plano Real, no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, com o grande agravante do regime de câmbio semifixo, que acabou de forma desastrosa no início de 1999.

Hoje, naturalmente, a situação é muito menos periclitante, pela combinação de regime de metas de inflação e câmbio flutuante.

Mas a economia política dessa "opção preferencial" pelo arrocho monetário costuma ser perversa. Juros altíssimos, na percepção de maioria das pessoas, são um veneno para as empresas não financeiras e para os consumidores (o que está correto) e um indevido prêmio para o sistema financeiro (o que já não é tão verdadeiro, mas está totalmente impregnado na visão de mundo da maior parte das pessoas).

A combinação acima, naturalmente, não é nada popular. Um agravante é o de que existe uma narrativa forte, especialmente na esquerda - e que está presente em quadros do atual governo e no PT -, de que a grande causa do desequilíbrio fiscal são os juros altos. De fato, numa primeira análise, o componente do serviço da dívida pública é uma parte bem maior do resultado fiscal nominal do que o resultado primário.

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Acontece que o juro real e nominal sobe em grande parte por causa da política fiscal frouxa. Reduzir o juro arbitrariamente para melhorar o resultado fiscal resultaria em fuga de capitais e explosão inflacionária. Porém, novamente, não há como convencer disso aqueles que disseminam a narrativa de que o juro é o vilão do déficit público.

A combinação do mal-estar real trazido pelos juros muito elevados às empresas e famílias com o discurso de que o juro é o vilão fiscal pode criar um ambiente sociopolítico contrário ao arrocho monetário que, no limite, pode torná-lo insustentável.

Um segundo problema, que tem certa conexão ao mencionado acima, é a dominância fiscal. Se os financiadores do governo considerarem que os juros reais para combater a inflação tornaram-se tão elevados que vão fazer a dívida pública ficar efetivamente insustentável, pode haver uma fuga de capitais para fora do país ou para ativos físicos ou até consumo (no caso reduzindo a poupança das famílias). É uma situação de colapso da política econômica em que juro, câmbio e inflação podem disparar juntos.

Isso não está acontecendo no Brasil, mas é sempre um fantasma, que se autoalimenta. Somos um país com uma dívida pública percebida como muito alta em relação ao PIB, para o nível de desenvolvimento e histórico macroeconômico do Brasil. Nesse contexto, quando se instala a combinação de juros altíssimos com regime fiscal frouxo, é questão de tempo para que se comece a falar no risco de dominância fiscal. Os fatos de o juro elevado provocar um mal-estar real para a maioria da sociedade (e supostamente o contrário para a elite financeira) e de haver uma narrativa forte até no seio do governo de que o juro é o vilão da dívida pública se combinam para aumentar a tentação de uma saída populista desastrosa por parte do governo.

No momento, há um grande antídoto contra todos esses riscos. A economia e o mercado de trabalho se mantêm muito fortes, com quedas recorde da pobreza e da miséria. O crucial fator "mal-estar" ainda não entrou na equação.

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Mas o objetivo do arrocho monetário ora em curso é justamente o de esfriar a economia e criar mais folga no mercado de trabalho, para reduzir a pressão inflacionária. Aqui é importante fazer a ressalva de que é totalmente errada a noção de que o BC busque uma recessão para que a inflação volte à meta. Todo banco central busca o chamado pouso suave, uma desaceleração o mais moderada possível que faça a inflação convergir para a meta num prazo sensato.

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O problema é que mesmo que o BC consiga orquestrar um pouso suave, o que é difícil e nem sempre ocorre, ainda assim a economia e o mercado de trabalho pioram um pouco, o que já pode trazer o mal-estar e a indignação coletiva contra o arrocho monetário. Outra possibilidade é de que o BC erre a mão e provoque uma queda mais brusca da atividade ou até mesmo uma recessão, o que só piora a situação. Finalmente, o BC pode cruzar os braços e deixar o desequilíbrio inflacionário (e possivelmente o externo) aumentar, colhendo inflação muito mais alta, com todos os seus efeitos desestabilizadores em termos econômicos, sociais e políticos.

A história brasileira das últimas décadas já mostrou à exaustão que a combinação entre arrocho monetário e política fiscal frouxa é perversa e perigosa. Seria extremamente importante que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, convencesse o presidente Lula dessa inescapável realidade.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 13/12/2024, sexta-feira.

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Opinião por Fernando Dantas
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