Ricardo Ribeiro, sócio-fundador da Ponteio, consultoria de análise política, acredita que o governo deve mudar a meta de resultado primário de 2024 (de zero, com tolerância até déficit de 0,25% do PIB) caso se chegue em março com projeções do mercado de déficit no nível atual, de pouco menos de 1% do PIB.
Por outro lado, o que provavelmente vai mudar (ou não) as projeções de resultado primário neste ano são os efeitos iniciais das diversas medidas de aumento de arrecadação aprovadas no ano passado. O pacote foi composto por restrição ao abatimento de benefícios do ICMS estadual no cálculo de tributos federais, tributação de apostas esportivas e de fundos fechados e offshore, mudança no cálculo dos juros sobre capital próprio (JCP) e implantação de voto de minerva governista nas votações do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).
Como notaram os economistas Guilherme Tinoco e Gilberto Borça Jr. em artigo publicado ontem (15/1) no Blog do IBRE, a estimativa inicial de ganho de receita com essas medidas do governo era de R$ 168,5 bilhões, mas houve diluição de projetos na tramitação, há risco de judicialização de algumas das medidas e estimar os efeitos em várias delas é um exercício altamente incerto.
Na prática, na visão da coluna, a maioria dos analistas trabalha com ganhos bem inferiores àquela estimativa inicial do governo.
Porém, enquanto não há maior clareza sobre os ganhos de arrecadação e seus efeitos no resultado primário, a postura política do governo parece ser a reforçar a posição do ministro da Fazenda, Fernando Haddad - o que se traduz em manter formalmente, por enquanto, o "plano A" de não mudar a meta.
Ribeiro chama a atenção para as críticas recém-lançadaspor José Dirceu (num podcast do PT da Bahia), liderança histórica até hoje muito ouvida no PT, à oposição que a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, vem fazendo a Haddad. Já Rafael Cortez, analista político da consultoria Tendências, considera que Lula provavelmente teve um aprendizado sobre a importância de preservar o prestígio do seu ministro da Fazenda com os ruídos provocados por sua (de Lula) declaração no ano passado sobre a não necessidade de se cumprir a meta de primário de 2024.
Um obstáculo, porém, ao plano A, apontado por Cortez, é que todas as ideias do governo sobre como continuar perseguindo a meta de primário deste ano consistem em medidas de aumento de receita, a serem aprovadas por um Congresso de maioria de centro-direita.
Na visão de Ribeiro, da Ponteio, o envio no final de dezembro da polêmica MP 1202 ao Congresso, que prevê reoneração gradual da folha dos 17 setores cuja desoneração foi prorrogada pelo Congresso, é uma estratégia de Haddad para ganhar tempo e alguma receita extra na sua luta para manter suas credenciais fiscais. A MP 1202 também extingue benefícios fiscais do setor de eventos e limita compensações de créditos tributários, novas tentativas de obter mais receitas pelo governo.
"O Haddad jogou um grande bode na sala para tentar arrancar mais uns trocados do Congresso", resume Ribeiro.
Assim, sinais do Congresso (de Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, sobretudo), como a não devolução imediata da MP e algum sentido de corresponsabilização em relação à meta de primário zero do orçamento, poderiam indicar que, mesmo que a MP 1202 seja derrotada e a reoneração da folha não prospere, o Congresso ainda poderia compensar o Executivo de alguma forma no campo de mais receitas. Além do que está na MP, circulam balões de ensaio, como a volta do tema da taxação das compras internacionais até US$ 50.
Por outro lado, como notam ambos os analistas políticos ouvidos nesta coluna, o ano eleitoral torna o Congresso, mesmo de maioria de centro-direita, menos propenso aos rigores da austeridade, que viriam no caso de o governo manter a meta de primário a ferro e fogo (o que incluiria contingenciamento de despesas). Aliás, o calendário de execução de emendas estabelecido pelo Congresso - e a disposição de derrubar o veto de Lula ao dispositivo - indica que o Legislativo se mantém firme na toada de abocanhar partes crescentes do orçamento para seus objetivos pulverizados e paroquiais.
Um último elemento da novela da manutenção ou mudança da meta de primário de 2024, mencionado por Cortez, é o jogo de empurra na hora de ver quem patrocinará a decisão de eventual mudança. Como se viu na discussão do orçamento, os presidentes das Casas do Congresso não gostariam de ser carimbados como aqueles que soltaram as amarras do gasto. Já Haddad, pelo governo, o protagonista mais óbvio para esse papel, teria que costurar uma mudança muito hábil e cautelosa (o que certamente incluiria aliviar de forma bem moderada a meta) para não jogar por terra alguma credibilidade fiscal que conseguiu construir com pelo menos parte do mercado.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 16/1/2024, terça-feira.
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