O indiciamento de Jair Bolsonaro e mais um grande grupo de pessoas, incluindo altas patentes militares, por tentativa de golpe de Estado soma-se ao plano relevado de assassinato de Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes para evidenciar um quadro extremamente complexo e delicado para a direita brasileira.
Esses fatos vêm na esteira das eleições municipais, com resultados muito positivos para a centro-direita e no mínimo promissores para a direita bolsonarista.
A elite bem pensante torce para que as novas e aterrorizadoras revelações sobre a tentativa de golpe induzam o eleitorado a rejeitar o bolsonarismo, mas o "espírito do tempo" atual não é bem esse - basta ver o sucesso de Donald Trump, apesar dos problemas legais e de uma lista quase infindável de comprovadas vilanias que já teriam destruído a carreira de qualquer político em outra época.
Pela institucionalidade brasileira, é extremamente remota a possibilidade de que Bolsonaro venha a se candidatar a algum cargo político num horizonte razoavelmente longo. O problema se volta, portanto, para os "herdeiros" do bolsonarismo.
A principal dificuldade é que, dependendo de como se defina "herdeiro", essa lista abarca um grande e diferenciado grupo do qual podem surgir um ou mais protagonistas da disputa presidencial de 2026.
Há, claro, o grupo íntimo, formado pelos filhos de Bolsonaro e sua esposa Michelle. Até agora, porém, não está claro que nenhum deles consiga assumir a envergadura política necessária para se tornar competitivo na próxima eleição para presidente.
A palavra "herdeiro", entretanto, pode ser usada num sentido mais amplo. Bolsonaro, com todas as suas abjeções, reinventou a direita no Brasil. O fim, em termos de significado político, do PSDB marca também o final do período histórico pós-ditadura em que a direita se envergonhava de se assumir como tal. Foi uma época em que praticamente todos os participantes do mundo político aspiravam a ser "socialdemocratas", com exceção de uns nichos de radicais de esquerda ou de liberais no sentido estritamente econômico, em ambos os casos sem nenhuma relevância eleitoral.
Com Bolsonaro, a história mudou, e hoje autodeclarar-se de direita é um ativo eleitoral. Assim, surgem potenciais candidatos de direita com bastante substância "presidenciável", como Tarcísio de Freitas, Romeu Zema e Ronaldo Caiado, para ficar nos principais.
Esses políticos, porém, terão que se equilibrar em uma corda bamba daqui para a frente, diante da gravidade do ataque à democracia perpetrado pelo bolsonarismo. Não que isso já não fosse sabido, mas com o megaindiciamento e o plano de assassinato de altas autoridades, essa questão vai para o pináculo dos grandes temas nacionais. Será impossível ignorá-la.
Por um lado, aqueles políticos devem sua atual projeção à volta triunfal da direita patrocinada pelo bolsonarismo, e sabem que uma rejeição frontal e total ao ex-presidente pode pôr em risco o seu (dos políticos) prestígio junto ao grande eleitorado do populismo de direita.
Por outro lado, não condenar claramente um plano sangrento de golpe de Estado vai carimbar candidatos de direita com uma mancha antidemocrática que pode ser prejudicial à governabilidade futura, quando pacificar um país ultrapolarizado continuará a ser um desafio para qualquer presidente.
Politicamente, é uma escolha de Sofia para Tarcísio, Zema, Caiado e outros que almejam liderar a direita. Já moralmente, não há escolha de Sofia: condenar em termos absolutamente claros o golpismo bolsonarista é a única alternativa decente.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 22/11/2024, sexta-feira.A
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