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Economia e políticas públicas

Opinião|Acalmou, mas vai melhorar?

Interrupção de retórica incendiária de Lula e sinalização de algum corte de gasto acalmam mercados, mas ainda há muito ceticismo sobre o que o governo fará concretamente na área fiscal.

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"O governo parou de jogar gasolina na fogueira com a retórica do Lula, mas a fogueira ainda está ardendo". É assim que Carlos Kawall, sócio-fundador da gestora Oriz Partners, resume a melhora do mercado nos últimos dias.

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Para Kawall, as evidências e as sinalizações sobre 2024 e os demais anos do atual mandato de Lula permanecem insuficientes para dar segurança em relação ao compromisso do governo com a meta de primário este ano e com o limite de gasto do arcabouço nos demais.

O número ventilado de bloqueio de despesas no orçamento no próximo relatório bimestral de receita e despesas (previsto para 22 de junho), de R$ 10 bilhões, parece insuficiente, segundo o economista, que menciona que os cálculos de mercado estão mais para a faixa de R$ 15-30 bilhões.

Em relação à meta de primário deste ano (zero, com tolerância até -0,25% do PIB), Kawall comenta notícia de que o voto de qualidade do CARF ainda não teria, em 2024, rendido nada dos R$ 55,6 bilhões de receita adicional prevista.

Já o "pente-fino" nas despesas obrigatórias (cancelamentos de benefícios previdenciários e sociais irregulares), na visão do economista, é uma boa iniciativa, que deveria ser contínua, mas não resolve, nem de longe, o desequilíbrio estrutural do orçamento. Para isso, é preciso atacar a vinculação entre salário mínimo e Previdência e entre saúde e educação e receita.

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Na visão de Kawall, um primeiro passo necessário é que o próximo relatório bimestral "seja mais aderente à realidade, sem subestimação da despesa previdenciária e sem receita superestimada".

Outro gestor que conversou com a coluna pensa que a interrupção dos pronunciamentos de Lula contra o BC e contra cortes de gastos "tirou o componente de ruído na piora dos ativos domésticos, mas o maior pedaço dessa piora não é ruído, e sim um problema fiscal concreto que tem que ser endereçado". Algumas das principais preocupações, para ele, é que a meta de primário de 2025 (zero, com margem de tolerância até -0,25%) é muito difícil de ser cumprida e o arcabouço pode não resistir de pé.

Ele nota que as regras de vinculação das despesas obrigatórias, de cerca de 90% do orçamento, condicionam um crescimento real que pode chegar a 5-6%, enquanto a despesa total pelo arcabouço pode crescer em termos reais no máximo a 2,5%. O ajuste em cima dos 10% da despesa discricionária vai ficando progressivamente difícil, até se tornar impossível.

Na sua interpretação, com o recuo retórico de Lula e as medidas anunciadas por Haddad, o governo ganhou tempo. Ele considera que ficou mais factível resolver o problema de curto prazo de elaborar um orçamento de 2025 que respeite o arcabouço - incluindo os R$ 25,9 bilhões de ganho com o "pente-fino" nas despesas obrigatórios, que é bem duvidoso -, mas com projeções de despesa e receita irrealistas.

A visão de Alexandre Manoel, economista-chefe da gestora AZ Quest, é um pouco mais positiva. De início, do ponto de vista político, ele pensa que "Lula não vai ser uma Dilma, quem apostar nisso, vai errar; Lula é um sobrevivente, se ele vir que alguma atitude dele vai levar a um suicídio político-econômico, ele recua".

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Para Manoel, o mercado vinha precificando alteração da meta fiscal deste ano e possivelmente alteração do limite máximo do crescimento de despesa do arcabouço tendo em vista 2025. Ele considera que esse cenário até fazia sentido quando se pensa na forma como o governo quase não bloqueou gastos nas duas primeiras revisões bimestrais deste ano e chegou a sinalizar déficit primário de R$ 14 bilhões, mirando o intervalo de tolerância da meta.

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Assim, o mercado saiu de uma visão de déficits primários próximos a zero, que implicam uma trajetória de crescimento de dívida moderada, para déficits na faixa de 1-2% do PIB, que tornam essa trajetória explosiva. O contexto externo entre o ano passado e este, em que se saiu de precificação de até seis cortes da taxa básica americana em 2024 para dois (o que já significa alguma melhorada em relação ao momento mais pessimista), também influenciou fortemente a piora brasileira, claro.

Mas Manoel vê sinais positivos vindos do governo na forma de um início de abordagem dos problemas reais, como, por exemplo, especulações sobre desvinculação do seguro-defeso e do seguro-desemprego do salário mínimo. A própria melhora forte do mercado nos últimos dias sinaliza ao governo que há um grande espaço de melhora se os problemas fiscais estruturais começarem de fato a ser atacados, o que poderia ser um estímulo a ir além do que já foi anunciado. Tudo depende, claro, das próximas decisões do governo, mas, para Manoel, a melhora não é algo sem nenhuma consistência.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 5/7/2024, sexta-feira.

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Opinião por Fernando Dantas
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