O processo de desinflação nos Estados Unidos e em outras economias, que parecia caminhar bastante bem até o final do ano passado, tornou-se mais problemático recentemente. Uma das possíveis causas, como mostra o documento Panorama dos Mercados de Commodities, do Banco Mundial, divulgado hoje, é a estabilização dos preços das commodities após um período de queda que ajudou a desinflacionar o mundo. O repórter Gabriel Tassi Lara, do Broadcast, reportou algumas das principais conclusões do relatório em notas no início desta manhã.
De acordo com o documento do Banco Mundial, os preços das commodities mergulharam 40% entre meados de 2022 e meados de 2023, tirando dois pontos porcentuais (pp) da inflação global entre esses dois anos. Mas a maré virou na segunda metade de 2023, e a queda foi estancada. Mesmo que, como o Banco Mundial projeta - na suposição de que as atuais tensões geopolíticas não se agravem -, as matérias primas caiam 3% e 4% em, respectivamente, 2024 e 2025, ainda assim permanecerão num nível 38% acima do prevalecente nos cinco anos anteriores à pandemia.
Segundo Indermit Gill, economista-chefe e vice-presidente sênior do Banco Mundial, "uma força chave para a desinflação - a queda do preço das commodities - essencialmente 'bateu num muro'. Isso significa que as taxas de juros podem permanecer mais altas do que o atualmente esperado neste e no próximo ano".
Gill acrescentou que "o mundo está num momento vulnerável: um grande choque de energia pode minar muito do progresso em reduzir a inflação dos dois últimos anos". As declarações constam do material de divulgação do relatório das matérias-primas do Banco Mundial.
Mas será que as commodities caras representam um risco especificamente para a inflação no Brasil?
Na visão de Carlos Thadeu Freitas Gomes, economista sênior da gestora Asset 1, o risco é menor do que pode parecer para 2024, mas 2025 é outra história. As suas projeções para o IPCA são de, respectivamente, 3,3% este ano (bem abaixo dos 3,73% do Focus) e 3,7% em 2025, mas podendo subir para próximo de 4%.
Segundo Thadeu, as commodities agrícolas mais importantes para o IPCA são soja e milho, e têm mostrado bom comportamento. No relatório do Banco Mundial, menciona-se queda, no primeiro trimestre de 2024, de 5% da soja. Já o milho recuou 11% no mesmo período.
"Commodities agrícolas que subiram, como o cacau, que quase triplicou este ano por problema pontuais de oferta, e o café, não são centrais para a inflação brasileira,", diz o analista da Asset 1.
Ele acrescenta que os bens industriais não parecem ser problema, com as cadeias mundiais de suprimento bem azeitadas e sem demanda exacerbada por parte dos consumidores. O economista nota que a China está "inundando" o mundo de aço, levando a medidas protecionistas, inclusive no Brasil, que acaba de impor cotas ao produto e uma sobretaxa de 25% se forem excedidas. A superoferta de aço é um fator desinflacionário para veículos, por exemplo.
Já o petróleo, voltando às matérias primas, poderia ser problemático para a inflação brasileira. Como indica o relatório do Banco Mundial, o barril do Brent atingiu o preço de US$ 91 no início de abril, US$ 34 acima da média de 2015 a 2019. Thadeu, no entanto, observa que o preço dos combustíveis no Brasil está "congelado", isto é, mantido num nível mais baixo que a paridade internacional, e não há sinal de que essa postura mude a curto prazo. Assim, na prática, não parece ser uma ameaça ao IPCA de 2024.
O economista acrescenta que o momento é ruim para os preços de petróleo por causa dos conflitos geopolíticos e a perspectiva do verão no Hemisfério Norte (quando férias aumentam o fluxo de veículos e o consumo de gasolina). Mas adiante no ano, porém, esses fatores podem refluir, assim como pode haver alguma apreciação do real.
Essa valorização está ligada a melhoras na parte da inflação que Thadeu vê como "a maior dúvida e o maior incômodo", que é a de serviços. É justamente a interação entre inflação de serviços e mercado de trabalho aquecido que piorou as expectativas inflacionárias nos Estados Unidos, se refletindo na alta dos juros (com adiamento e rebaixamento das expectativas do ciclo de cortes da taxa básica, os Fed Funds, no país). Isso fortalece o dólar, contribuindo para a depreciação recente do real no Brasil, na esteira de certa deterioração do risco percebido, o que não ajuda no front inflacionário.
Finalmente, Thadeu nota que o ouro é uma commodity em alta que tem peso significativo em índices de matérias primas. Mas a valorização do ouro é muito mais consequência, como hedge, da alta da inflação do que causa.
Processando esses diversos fatores, o economista mantém seu otimismo para a inflação de 2024, mas vê uma "não linearidade" entre esta e a inflação de 2025. O problema é a chegada do fenômeno La Niña, que pode provocar rupturas na oferta de grãos, especialmente nos Estados Unidos. No Brasil, Thadeu chama atenção para o fim próximo de um ciclo de abate de fêmeas na pecuária.
Ele nota, finalmente, que os movimentos inversos típicos (até passado recente) das commodities e do dólar não estão ocorrendo agora (matérias-primas em alta e real desvalorizado). Thadeu, contudo, crê que aquele padrão ainda possa retornar quando a inflação de serviços mostrar recuo nos Estados Unidos, o que tirará pressão dos juros e da tendência altista do dólar.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras.
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast, excepcionalmente, na quinta-feira, 25/4, e não na quarta-feira (fojdantas@gmail.com)
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