O tom hawkish da ata de inflação divulgada hoje mostra que o presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo, é pragmático e percebe que qualquer vacilação, neste momento, na postura de levar o risco inflacionário a sério pode desestabilizar profundamente o seu mandato de quatro anos à frente da autoridade monetária.
Com a projeção na ata de que a inflação ficará acima do teto da meta (4,5%) por seis meses, provavelmente obrigando o BC a escrever duas cartas consecutivas de justificação (a primeira, já divulgada, em janeiro, e a segunda em junho), o mar definitivamente não está para peixe. Se Galípolo, pela sua formação e afiliação política, tem veleidades mais dovish em política monetária, ele parece perceber que este não é o momento de exercê-las.
Um experiente profissional do mercado financeiro nota que, no ciclo de comunicação da reunião anterior do Copom (28 e 29 de janeiro), havia ficado uma percepção de que o BC poderia ser mais acomodatício, com foco maior no risco de atividade (desaceleração mais forte), e, de certa forma, menos ênfase no grande descolamento das expectativas inflacionárias.
"Essa impressão, que levou à ideia de que o ciclo de alta da Selic poderia parar mais cedo do que seria recomendável, foi desfeita nessa rodada de comunicação [relativa à reunião de março, nos dias 18 e 19, terça e quarta-feira da semana passada]", diz a fonte.
Os sinais e a ênfase do Copom em termos de preocupação com o risco inflacionário estão bastante claros na ata: a inflação acima da meta por seis meses, as altas leituras para serviços, núcleos e alimentos, e o adjetivo "incipiente" para os sinais de desaceleração econômica, dando a entender que não é nada além do que a autoridade monetária já antecipava.
Também se destacou o papel das expectativas - que, muito desancoradas, exigem um aperto mais prolongado para que haja convergência da inflação à meta. Finalmente, o Copom frisou que o ciclo não se encerrou, que a velocidade do aperto a partir de agora será mais lenta e que a magnitude será a necessária para fazer a inflação convergir para a meta.
A parte do não encerramento do ciclo e da magnitude necessária indicam, na visão daquele analista, que é bem provável que a próxima reunião, em maio, não encerre o ciclo de alta, com a última elevação da Selic. Ele crê em mais uma alta na reunião de junho. O raciocínio é que dificilmente haverá mudanças suficientes até maio que justifiquem o encerramento das altas. Se o Copom chegar à próxima reunião em condições não tão diferentes das atuais, não haveria por que encerrar o ciclo, se na reunião anterior, em situação parecida, optou por não fazer isso.
Isso tudo não significa ainda que o Copom irá de fato às últimas consequências para fazer a inflação convergir para a meta de 3% no horizonte relevante (cerca de 18 meses) da política monetária. Uma corrente do mercado pensa que isso significaria trazer a Selic para perto de 16%, e, mesmo com duas altas a partir do nível de 14,25%, decidido hoje, a taxa básica ainda poderia ficar mais próxima de 15% no seu nível terminal neste ciclo. De qualquer forma, Galípolo e o Copom não piscaram em relação à reunião de março e sua comunicação, o que pode ajudar o BC na situação muito difícil em que ainda se encontra.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 25/3²025, terça-feira.