O projeto de isenção do imposto de renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil é uma das principais apostas de Lula para recuperar sua combalida popularidade. Pesquisas indicam que o projeto é maciçamente aprovado pela população. Adicionalmente, o cálculo do governo é de que 10 milhões serão diretamente beneficiados pela medida, contra apenas 141 mil pessoas muito ricas que serão afetadas diretamente pela alíquota mínima efetiva de 10% do IR.
O projeto do IR vai se somar a outros programas do governo, como o Pé de Meia, o Desenrola e a expansão do crédito consignado, no rol de "bondades" com as quais Lula tenta dar uma marca ao seu terceiro mandato.
Na avaliação de Ricardo Ribeiro, analista político da MCM-4Intelligence, as medidas do IR "devem gerar um dividendo eleitoral e político para o governo em 2026 [quando, se aprovadas, entram em vigor]".
Já se será suficiente para reverter a maré de impopularidade de Lula, o analista não se considera em condição de responder.
Outras questões importantes são a chance de aprovação da medida em suas duas pernas - a bondade para 10 milhões e a "maldade" para 141 mil - e o risco de ampliação da primeira ou de diluição da segunda, em ambos os casos elevando o custo fiscal.
Dado o seu caráter altamente popular e o benefício direto que representa para uma parcela muito grande da população, Ribeiro considera "praticamente certo" que o Congresso irá aprovar a isenção até R$ 5 mil. Só numa hipótese improvável de o governo degringolar totalmente, e o Centrão passar a sabotar Lula de todas as formas, o analista veria um cenário de rejeição pelo Congresso da isenção - e, mesmo assim, continuaria sendo algo difícil, dado a popularidade da medida.
Porém, para Ribeiro, há algum risco inverso, isto é, de o Congresso tentar aumentar a bondade da medida. Uma possibilidade seria uma alta do limite de isenção, com o PL já tendo largado com uma proposta de elevar os R$ 5 mil para R$ 10 mil.
O analista considera improvável que isso ocorra (a aprovação final do limite de R$ 10 mil), mas nota que outras possibilidades podem ser tentadoras para o Congresso.
O projeto do governo não é o do aumento tradicional da faixa de isenção do IR, que afeta todas as rendas até aquela faixa. A isenção total só vale para quem ganha o equivalente a até R$ 5 mil por mês, e a isenção vai se reduzindo até ser zerada em R$ 7 mil. A partir daí, o IR segue como dantes para os demais contribuintes, a não ser pelo ajuste normal (não até R$ 5 mil) da faixa de isenção.
Esse detalhe técnico inovador é uma das razões que faz com que o custo do projeto seja de R$ 26-27 bilhões (segundo o governo), bem menos do que os cálculos iniciais dos analistas.
Assim, a tentação do Congresso poderia ser a de simplesmente fazer com que a isenção do IR até 5 mil fosse feita da forma "tradicional", isto é, valendo para todas as rendas até esse valor. Isso imediatamente aumentaria de forma substancial o custo da proposta.
Ribeiro considera que a compensação, na forma da alíquota mínima efetiva de 10% para o topo da pirâmide de renda, também tem chance razoável de passar, sem muita diluição. A medida parece justa, foi bem arquitetada e deve ser bem comunicada pelo governo.
O analista lembra que, no caso da taxação dos fundos exclusivos e offshore, alguns observadores apostaram que o Congresso iria barrar ou diluir até a descaracterização, por causa dos lobbies dos ricos e do fato de que havia parlamentares (ou seus familiares) que se beneficiavam diretamente dessas aplicações. Ainda assim, a taxação dos fundos foi aprovada, com alguma suavização, mas sem ser descaracterizada.
Carlos Melo, cientista político do Insper, tem uma visão um pouco mais cética de que a de Ribeiro. Ele aponta que Lula está jogando as fichas no projeto de isenção do IR porque é das poucas bandeiras de campanha que talvez consiga entregar. Baratear o alimentos - a famosa "picanha e cerveja baratas" - o presidente não tem como entregar, e "nem mesmo ovos", ironiza o analista.
O problema da medida da isenção do IR, segundo o Melo, é que o Congresso é hostil ao Executivo, especialmente pela frustração até agora com uma esperada reforma ministerial que distribuísse melhor as pastas entre a coalizão da base do governo. Até agora as mudanças mantiveram o domínio do PT, como no caso de Alexandre Padilha no Ministério da Saúde e Gleisi Hoffmann na Secretaria de Relações Institucionais.
Melo também considera difícil o Congresso rejeitar uma medida "popular e populista" como a isenção até R$ 5 mil, mas vê possíveis problemas na parte da compensação com a taxação dos mais ricos, ou a possibilidade decobrança de outras vantagens para os parlamentares, incluindo a superespinhosa questão das emendas.
"De graça, o governo não consegue mais nada", avalia Melo.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 18/3/2025, terça-feira.