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Economia e políticas públicas

Opinião|China: mais um pacote que não vai à raiz do problema

Analistas ouvidos pela coluna consideram que novas medidas de estímulo do governo chinês podem até ter efeitos positivos no mercado a curto prazo, mas não tocam nos problemas estruturais da economia do gigante asiático.

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Foto do author Fernando Dantas

A China anunciou em 24/9 mais um pacote de estímulo à sua economia, desta vez com coletiva de imprensa de várias autoridades econômicas, incluindo o presidente do Banco do Povo da China (BC do país), Pan Gongsheng.

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O pacote veio acima das expectativas do mercado. Assim, houve um efeito positivo sobre os ativos chineses. Foram medidas monetárias de cortes de juros e liberação de compulsórios, de apoio ao combalido mercado imobiliário chinês e de suporte governamental ao mercado acionário.

Laura Pitta, economista do Itaú com foco em China, diz que o pacote surpreendeu positivamente pela abrangência de cortes de juros e em termos de setores, como as medidas direcionadas aos mercados imobiliário e acionário.

"Ainda assim", prossegue a analista, "o pacote não foi um 'game-changer' [que provoca 'mudança no jogo] e mantemos nossa projeção de crescimento da China de 4,8% este ano".

Essa taxa seria inferior à meta de 5% do governo chinês, e o consenso de mercado está até um ou dois décimos de ponto porcentual abaixo da projeção do Itaú, acrescenta a analista. É por isso que o governo chinês está preocupado e lançando mais um pacote de estímulo.

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"O problema é que, em termos da dinâmica de crescimento da China agora, o monetário não adianta muito", aponta a analista.

Ela observa que o "estilo" de crescimento chinês no momento é muito voltado às exportações, manufaturas e para o lado da oferta. Esse padrão vem funcionando no pós-pandemia e ajudou a sustentar o crescimento em torno de 5%, mas a demanda doméstica está extremamente fraca, segundo a analista.

O setor imobiliário ainda está em processo de ajuste desde a eclosão da crise aguda em 2021. E o consumo e o emprego, prossegue Pitta, "estão muito, muito fracos".

Para a economista, o "game changer" seria se o governo fizesse mais estímulo fiscal. As medidas pelo lado monetário ajudam, mas não são solução efetiva para o problema.

A projeção de crescimento chinês do Itaú, ligeiramente acima do consenso de mercado, deve-se em parte, segundo Pitta, ao fato de que o governo está acelerando medidas de estímulo fiscal anunciadas no primeiro semestre - mas que não foram inteiramente "entregues". Essas medidas estão ligadas à expansão de emissões dos governos locais (principalmente) e do governo central.

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Ela nota um padrão parecido de atividade econômica e de reação das autoridades econômicas em 2023 e 2024, mas por motivos diferentes. Em ambos os anos, o primeiro semestre foi muito forte: em 2023, pela reabertura da economia pós-Covid na virada inicial de ano; em 2024, pelo bom desempenho de exportações e manufaturados.

Em ambos os anos, esses primeiros semestres fortes levaram os 'policymakers' a serem mais cautelosos nos estímulos, de acordo com a analista.

"Se não estou precisando, por que vou tomar o remédio?", resume Pitta.

Mas tanto em 2023 como em 2024, alguns pilares de crescimento foram afetados na virada do primeiro para o segundo semestre. Em 2023, foi o enfraquecimento do boom pós-reabertura, que levou a medidas de estímulo; em 2024, a desaceleração mais forte em meados do ano atingiu o setor de infraestrutura, diretamente ligado a estímulos fiscais. Daí porque, a partir de junho e julho, as emissões de títulos públicos anunciadas no primeiro semestre, e não entregues como prometido, foram aceleradas.

O que também é comum em 2023 e 2024, prossegue Pitta, é a fraqueza do consumo e do mercado residencial. E, para ela, os estímulos anunciados ontem, incluindo os do setor imobiliário, não vão solucionar esse problema. A aceleração para entregar o estímulo fiscal anunciado no primeiro semestre tampouco é um "game-changer".

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A economista avalia que a desaceleração da demanda por residências é estrutural, e a aceleração do ajuste do setor imobiliário demandaria um foque nos estoques. Há um excesso de residências, fazendo pressão para baixo nos preços. E o preço das casas em queda impacta diretamente a riqueza das famílias chinesas, que têm grande parte do seu patrimônio em imóveis. Não faz sentido comprar um imóvel se os preços estão caindo, e a pessoa já perdeu riqueza por causa disso.

Uma possível solução, na visão da analista, seria o governo comprar residências, para sustentar preços, assim como anunciou que vai fazer com ações. Ela acrescenta que o governo chinês anunciou uma linha de 300 bilhões de renmimbis (US$ 43 bilhões) para comprar residências ociosas, mas não está implementando.

Pitta lembra que outros países que passaram por estouros de bolhas imobiliárias tiveram ajustes que, em geral, levaram cerca de sete anos. A China já vai para o quarto ano, e a questão é se o governo vai tentar acelerar o ajuste.

Saindo da seara cíclica, e mirando a parte mais estrutural, de médio e longo prazo, a economista diz que a "nossa visão é bem pessimista". Em primeiro lugar, há o fator externo, com um isolamento crescente da China, o que pode piorar com o resultado das eleições norte-americanas, especialmente no caso de Donald Trump vencer.

Diferentemente de 2019, nota a analista, não só são os EUA a aumentar tarifas contra produtos chineses - agora a zona do euro também está agindo mais duramente, e a onda atinge até emergentes, como o Brasil, incomodado com as importações de aço da China.

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"Isso põe em xeque o modelo baseado em exportação que a China vem adotando nos últimos anos", avalia a economista.

A segunda grande preocupação em relação à China, ela prossegue, é doméstica e relacionada ao setor privado. A política de "prosperidade comum", adotada a partir de 2021, de certa forma põe em dúvida se o atual governo ainda prioriza - como ocorre com os governantes chineses desde os anos 80 - o crescimento econômico.

Pitta diz que o foco da política de "prosperidade comum" em combater a desigualdade se dá de forma "muito turva", com tentativas de limitar o enriquecimento do setor privado, levando a incentivos perversos do ponto de vista econômico.

"Nos preocupamos com a dinâmica do setor privado após esse choques externos e domésticos", ela diz.

O medo das famílias - Livio Ribeiro, sócio-fundador da consultoria BRCG e pesquisador associado do IBRE-FGV - e que também é especialista em China -, nota que as medidas anunciadas ontem ainda são mais voltadas para as empresas do que para as famílias. Há impacto em juros, mas não são juros altos que tolhem o consumo na China, ele aponta.

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"O efeito das medidas vai acabar sendo mais de limpeza de balanços, facilitação de rolagem de dívidas; é mais pelo lado das empresas, incluindo incorporadoras e bancos, e da oferta, do que pelo lado da demanda", diz o analista.

Também há a liberação de compulsórios e a permissão para que o governo sustente o mercado acionário chinês.

"São todas medidas pelo lado da oferta e das finanças, que não atacam o lado primordial, que é o fato de que as famílias têm medo [em termos econômicos]", assinala Ribeiro.

Na sua visão, não adianta baixar a taxa das hipotecas e facilitar o pré-pagamento de financiamento imobiliários para fazer os chineses voltarem a comprar casas.

Ainda assim, ressalva Ribeiro, as medidas têm um impacto muito importante no preço dos ativos e no comportamento do mercado financeiro na China no curto prazo.

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"O mercado bate palmas e tira proveito do sinal muito claro [do governo] sobre preços, e uma questão a prestar atenção é se o governo fará medidas adicionais mais para o final do ano se essas de agora não se mostrarem suficientes", analisa Ribeiro.

Em relação à China, tanto Pitta quanto Ribeiro frisam que é necessário separar o debate sobre curto prazo e mercados do debate estrutural de fundo.

"A questão é de demanda e o governo continua lançando medidas de oferta e financeiras; há efeito no curto prazo, mas não resolve o problema", conclui Ribeiro.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 25/9/2024, quarta-feira.

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Opinião por Fernando Dantas
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