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Economia e políticas públicas

Opinião|Copom"tem" que elevar Selic em setembro?

Economista Fernando Rocha, da JGP, pensa que BC não deve ficar refém do mercado, no qual uma corrente forte vê ameaça de perda de credibilidade se a Selic não for aumentada na próxima reunião do Copom.

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Como se sabe, em busca da credibilidade, o diretor de Política Monetária do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo, endureceu o tom em comunicações recentes. Na sequência, Roberto Campos Neto, o presidente do BC, soou mais suave, no que foi seguido pelo próprio Galípolo, que ainda tentou retificar mais uma vez a sua visão.

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No mercado, muita gente que apreciou o endurecimento inicial de Galípolo não gostou tanto do que se seguiu. É difícil discernir o que é externo do que é interno no movimento dos ativos brasileiros, mas houve a impressão de que o ruído de Campos Neto e Galípolo, após as primeiras falas deste último, foram prejudiciais.

Outra impressão de muitos no mercado é que as falas "hawkish" (conservadoras) de Galípolo têm que ser confirmadas por uma alta da Selic em setembro. Se isso não ocorrer, o ganho de credibilidade do diretor nomeado por Lula - e cotado para ser o próximo presidente do BC - seria perdido.

Fernando Rocha, sócio e economista-chefe da gestora JGP no Rio, tem uma visão bem diferente sobre esse imbróglio.

"Não compartilho da opinião de que ou é setembro [alta da Selic] ou 'ferrou', e acho que o BC não deveria ficar refém do mercado", diz o analista.

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Não que Rocha considere que não há elementos inflacionários na economia brasileira que podem demandar alta de juros. Ele cita a economia e o mercado de trabalho aquecidos, com alta veloz da renda, expectativas inflacionárias desancoradas, o esvaimento da desinflação de bens, a inflação de serviços etc.

Por outro lado, no cenário internacional, os ventos têm se mostrado bem mais favoráveis. A economia americana parece caminhar para um pouso suave, em que a atividade desacelera relativamente pouco, o mercado de trabalho desaquece, mas não despenca, e mesmo assim a inflação converge para a meta. Nesse cenário, a taxa básica americana pode começar a cair de forma consistente, tanto a básica, fixada pelo Federal Reserve (Fed, BC dos EUA), quanto os juros de mercado. Por sua vez, isso é um alívio para os países emergentes, e pode levar à apreciação das suas moedas.

A visão de Rocha, portanto, é de que é, sim, possível, que o BC tenha que elevar os juros, mas o fato de que isso não se inicie já na próxima reunião não é o fim do mundo. Há tempo para pesar e contrapesar todos os fatores internos e externos.

Ele nota que bancos centrais são como transatlânticos, cujos movimentos devem de preferência ser lentos e compassados. Afora as declarações hawkish de Galípolo - que o economista da JGP atribui a uma vontade talvez um pouco açodada de ganhar credibilidade -, Rocha vê uma linha de coerência na comunicação recente do BC. A comunicação saiu de uma postura baixista da Selic para a de parar o movimento e esperar, e em seguida para começar a indicar possibilidade de alta. Com a volatilidade e incerteza internacionais, a comunicação veio frisando que a divulgação de dados até a data das reuniões do Copom influenciaria as decisões.

Nesse contexto, Rocha pensa que o BC caiu numa certa armadilha de agora se sentir obrigado a elevar a Selic em setembro sob pena de perda de credibilidade. Nesse sentido, como profecia autorrealizável, o economista acha possível que os ativos piorem se essa corrente majoritária do mercado for contrariada.

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Ainda assim, ele nota que essas flutuações vão e vêm, e que o BC - e com destaque, Galípolo - deveria ter um horizonte mais amplo para a construção e manutenção da credibilidade. Nesse sentido, Rocha acha mais conveniente para os membros do BC reforçarem a comunicação institucional, conjunta, por meio dos documentos oficiais do BC, em relação a pronunciamentos individuais dos diretores.

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Para Rocha, o problema de ser refém do mercado é que este tende a ser hiper-reativo e ciclotímico, o que não se coaduna com os movimentos "de transatlântico" da autoridade monetária. Ele nota que alguns analistas que há pouco mais de um mês nem cogitavam de alta da Selic agora empunham a bandeira de "ou alta da Selic em setembro ou perda de credibilidade".

O problema, a seu ver, é que ninguém está muito preocupado em acompanhar a coerência de algum analista individual, mas já a coerência da comunicação do BC (com destaque para a institucional) não só é seguida por todos como é um pilar fundamental no sistema de metas de inflação, ligado à construção e manutenção da credibilidade da autoridade monetária.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 23/8/2024, sexta-feira.

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Opinião por Fernando Dantas
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