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Economia e políticas públicas

Opinião|E se o juro global baixar para o nível pré-pandemia?

O economista Ricardo Caballero, do MIT, prevê que os juros americanos e globais voltarão ao nível muito baixo de antes da pandemia. Uma das razões é a alta da dívida pública dos países, que à primeira vista parece elevar o juro, mas que o especialista vê, em "equilíbrio geral", como uma vetor para baixo.

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O destacado economista Ricardo Caballero (professor do MIT), na contramão de muitos de seus colegas e participantes do mercado, antevê que os juros irão voltar aos níveis muito baixos que prevaleceram antes da pandemia. O pesquisador desenvolveu a ideia em artigo publicado em 23/9 no site Vox EU.

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Caballero nota que a Secretaria de Orçamento do Congresso dos Estados Unidos projeta que a taxa básica de juros norte-americana (Federal Funds) vai se estabilizar em 3% ao fim do atual ciclo de redução conduzido pelo Federal Reserve (Fed, BC dos EUA). A taxa está em 4,75-5%. O economista do MIT observa que o nível de 3% está bem acima do intervalo de zero a 2% no qual a taxa dos Fed Funds ficou nos anos anteriores à pandemia.

Caballero considera que essa ideia de juros bem acima dos níveis pré-pandemia de forma duradoura, que vê como certo consenso do mercado, não leva em conta dois fatores ligados à taxa neutra de juros.

O primeiro tem a ver com o nível muito elevado de endividamento soberano, isto é, dos países. Nos Estados Unidos, a relação entre a dívida e PIB subiu de 30% na virada do século para perto de 100% hoje e continua a crescer. No bem-comportado Chile, foi de 5% a 40% do PIB no mesmo período.

O economista aponta que a ideia comum de que alta do endividamento dos países leva a juros maiores deriva de um equilíbrio parcial. Citando o ditado de que "um empréstimo pequeno é problema do devedor, um empréstimo grande é problema do emprestador", ele considera que, do ponto de vista do equilíbrio geral, os juros devem cair por conta desse alto endividamento soberano.

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O problema está na demanda. Na sua visão, os déficits primários dos países altamente endividados provavelmente não conseguirão sustentar a demanda indefinidamente, o que torna necessário que os juros caiam para que a demanda privada supra a lacuna que será deixada pela demanda emanada do setor públicos (via déficits).

Ele não pensa que esse ajuste virá da noite para o dia, nem de forma monotônica. Nos Estados Unidos, Caballero prevê que o ajuste será gradual, e mais com medidas caso a caso para problemas fiscais específicos do que via um grande plano de consolidação. O pesquisador nota que a União Europeia está se movendo mais rápido no ajuste, dando partida a medidas disciplinares contra países excessivamente endividados, incluindo França e Itália. Na China, o setor privado e os governos regionais já estão com o pé no freio. Ele considera que a insuficiência de demanda na China pode ser uma mostra antecipada do que vai ocorrer mundo afora.

O segundo argumento de Caballero é mais técnico. Como os prêmios de riscos estão anormalmente baixos, ele prevê que voltarão a níveis mais condizentes com a retrospectiva histórica. Como o prêmio de risco é a diferença entre operações com risco e a chamada taxa de juros segura (a principal é a do Tesouro americano), o ajuste para baixo do prêmio pode implicar queda da taxa básica e das taxas referenciais.

O economista José Júlio Senna, à frente do Centro de Estudos Monetários do IBRE/FGV, observa que Caballero é um grande nome da economia monetária e, de fato, está com um posição bem diferente daquela da maior parte dos analistas.

Senna foca seu comentário sobre a previsão de Caballero no primeiro argumento, relativa ao alto endividamento dos países e a demanda global.

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O economista do IBRE vê talvez algum otimismo de Caballero sobre o ajuste fiscal na principal economia do mundo, os Estados Unidos - com peso global muito forte e que costuma dar o tom desses movimentos. Senna considera esse cenário pouco provável, mesmo numa perspectiva de ajuste gradual e intermitente como prevista por Caballero.

O economista do IBRE nota que não há sinais de qualquer freio fiscal por parte dos dois candidatos à presidência dos Estados Unidos na atual campanha eleitoral.

A democrata Kamala Harris promete dar continuidade à política econômica de Joe Biden, com muitos estímulos tributários embutidos em operações de crédito para setores como infraestrutura e energia renovável, além de compromissos de gastos com uma variedade de políticas sociais (muitas das quais via estímulos também, que no final das contas partem dos cofres do governo).

Já em relação a Donald Trump, Senna lembra que "os republicanos são muito favoráveis ao equilíbrio fiscal quando os democratas estão no poder". A história muda de figura quando os republicanos estão no poder, o que a história recente mostrou, seja com Reagan, Bush filho ou Trump, que fizeram cortes agressivos de impostos muito danosos às contas públicas.

O economista do IBRE nota que os próprios órgãos públicos americanos que divulgam previsão fiscais não apontam ajuste no horizonte visível.

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Com candidatos a presidente "imbuídos da necessidade de gastar", diz Senna, dificilmente o país irá na direção de ajuste, a menos de uma crise aguda - o que também não está horizonte visível.

O economista também sentiu falta no artigo de Caballero da abordagem de algumas das razões que o consenso atual aponta em sustentação da tese de juros mais altas. O juro neutro é dado pelo encontro da demanda e da oferta por "recursos emprestáveis". A oferta depende da poupança, que por sua vez depende de questões demográficas de difícil avaliação.

Porém, pelo lado da demanda, o que se percebe é que haverá um grande reforço puxado pelo investimento, especialmente no mundo desenvolvido. Essa demanda por investimento deriva de duas frentes. A primeira é a relocalização dos elos das cadeias produtivas nos próprios países-sede ou em nações próximas ou amigas, que acompanha a piora da tensões geopolíticas globais. A segunda são os investimentos para a transição energética.

Seja como for, o mundo com um juro de volta ao nível pré-pandemia ou em novo patamar significativamente mais alto representa dois cenários inteiramente muito diferentes para as economias de todos os países, incluindo o Brasil.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

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Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 24/9/24, terça-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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