Como lembrou esta semana na rede social X o economista Pedro Nery, diretor de Assuntos Econômicos e Sociais da Vice-Presidência do Brasil, 2023 foi o ano do novo Bolsa Família, quatro a cinco vezes maior que o original.
Nery ressalvou que, em 2022, quando o Auxílio Brasil pagou apenas em parte do ano os novos valores majorados, e que eram temporários, já se observou queda da pobreza extrema. E acrescentou que "foi só com a nova lei do Bolsa e o novo arcabouço que os R$ 600 ficaram de vez; também foi em 2023 que foi criado o Benefício Primeira Infância".
Nessa postagem no X, o economista gentilmente adicionou o link para uma coluna minha de junho deste ano, intitulada "Os diferentes impactos do super Bolsa-Família".
Nesse texto, tentei examinar as grandes mudanças sociais, econômicas, políticas e no mercado de trabalho que a enorme ampliação do principal programa de transferência social do Brasil poderia causar. Relativamente a 2013, o valor médio atual do benefício mensal foi aproximadamente quadruplicado, para pouco mais de R$ 700. E o número de famílias atendidas subiu de 14,3 milhões para 21,2 milhões. Os números são de junho. O Bolsa-Família foi lançado em 2004.
Evidentemente, um petardo como esse reduz substancialmente a pobreza e, principalmente, a extrema pobreza, o que é o principal objetivo do programa. Por outro lado, o Bolsa-Família agora custa cerca de 1,7% do PIB, ligeiramente mais do que o quádruplo do 0,4% do PIB do seu período inicial.
É muito dinheiro, num orçamento apertado por muitas outras transferências previdenciárias e sociais, e no qual sobra muito pouco para investimento público. De certa forma, é o modelo contrário ao dos tigres asiáticos, cujos governos investem muito, mas proveem relativamente pouco em termos de rede de proteção social.
Um particular motivo de preocupação com o "Super Bolsa-Família" é a saída de pessoas do mercado de trabalho. A pandemia derrubou a taxa de participação (pessoas ocupadas ou buscando ocupação, como proporção daquelas com idade de trabalhar) em todo o País no primeiro impacto, mas depois houve recuperação. Em 2023, o indicador voltou a cair em todo o Brasil, com algum avanço no terceiro trimestre. Há indícios de que essa queda mais recente da taxa de participação possa estar ligada ao novo Bolsa-Família.
No caso do Nordeste, às vésperas da pandemia, e ao contrário de outras regiões do Brasil, a taxa de participação ainda não havia se recuperado totalmente da redução provocada pela recessão de 2014-16. Dessa forma, a taxa de participação no Nordeste no terceiro trimestre de 2023, de 54,4%, é 3,4 pontos porcentuais (pp) inferior à do segundo trimestre de 2012. No caso do Brasil, a diferença é de apenas 0,5pp. É uma queda muito forte no Nordeste, e a possibilidade de que esteja parcialmente ligada às transferências é um tema que deve ser levado a sério.
De qualquer forma, como apontado por Nery, uma mudança tão forte como a quadruplicação do Bolsa-Família tem efeitos multidimensionais, que devem ser acompanhados e analisados na minúcia se a intenção é aperfeiçoar as políticas públicas brasileiras.
E há uma boa notícia recente sobre o tema. Um estudo do Banco Mundial que acaba de ser publicado - "Os efeitos macroeconômicos das transferências de dinheiro (tradução do inglês)", por Arthur Mendes, Wataru Miyamoto, Thuy Lan Nguyen, Steven Pennings e Leo Feler) -, que mirou especificamente o Bolsa-Família (de 2004 a 2019, com dados das 27 unidades da Federação), encontrou impactos econômicos muito positivos.
Segundo o estudo, 1% do PIB a mais de transferências do Bolsa-Família faz com que o PIB de um Estado brasileiro cresça 2,2% mais rápido no primeiro ano após o fato, e R$ 100 mil de transferência extras do programa geram o equivalente a cinco empregos formais (na verdade, uma combinação de empregos formais e informais, com uma metodologia que faz uma equivalência entre as duas modalidades, na qual naturalmente o emprego informal vale menos).
Esses impactos econômicos podem ser muito importantes nos Estados mais pobres do Brasil. Como notam os autores, com dados de 2014, embora naquele ano o Bolsa-Família equivalesse a 0,6% do PIB do Brasil, o programa correspondia a até 3,7% do PIB dos Estados mais pobres.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 20/12/2023, quarta-feira.
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