Foto do(a) blog

Economia e políticas públicas

Opinião | Entendendo as diferentes medidas do resultado fiscal

Metodologia do déficit fiscal estrutural divulgado regularmente pela Secretaria de Política Econômica da Fazenda é aperfeiçoada, com colaboração do economista Bráulio Borges. Ele explica também o resultado fiscal ajustado pelo ciclo, importante para medir o impulso fiscal à demanda.

PUBLICIDADE

Publicidade
Foto do author Fernando Dantas

A divulgação hoje (7/10, terça-feira) pelo governo do resultado fiscal primário estrutural de 2023, com estimativa prévia para 2024 (até o terceiro trimestre do ano), contou com importantes mudanças e aperfeiçoamentos metodológicos. Esse aprimoramento foi realizado a partir de cooperação técnica do BID e consultoria do economista Bráulio Borges, da LCA e do FGV-IBRE, que trabalhou com os técnicos da Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda.

PUBLICIDADE

Um dos aprimoramentos foi no cálculo do PIB potencial e do hiato do PIB (que mede se a economia está superaquecida, sub-aquecida ou neutra), importantes para estimar os efeitos do ciclo econômico nas variáveis fiscais. Borges trabalhou na elaboração de uma metodologia de cálculo do hiato que foi testada e se revelou mais acurada para projetar a dinâmica da inflação do que as metodologias utilizadas pelo Banco Central (BC) e pela Instituição Fiscal Independentes (IFI), vinculada ao Senado.

Segundo Borges, "nossos cálculos apontam que a economia está entrando em superaquecimento, com hiato positivo [economia superaquecida] no terceiro trimestre de 2024, depois de um longo período, desde 2015, em que o hiato foi praticamente o tempo todo negativo [economia sub-aquecida]".

Outro aperfeiçoamento foi a melhora na discriminação entre despesas e receitas recorrentes e não recorrentes - isto é, típicas e atípicas - e também em questões de regime de caixa e de competência.

Nesse segundo caso, ele exemplifica com o caso do PSI do BNDES, programa de financiamento subsidiado de máquinas e equipamentos para empresas, pelo qual os subsídios só eram contabilizados dois anos após o efetivo desembolso (uma típica "pedalada" fiscal). Como o programa foi vultoso, fazendo-se a correção para incluir os subsídios quando eles de fato foram concedidos, nota-se que a deterioração fiscal que levou à crise de 2015-16 começou em 2009-10, e não em 2012-13, como levam a crer os números fiscais oficiais.

Publicidade

Já um exemplo de aperfeiçoamento na discriminação entre receitas recorrentes e não recorrentes são os dividendos pagos pela Petrobrás à União, superiores de 2021 a 2024 ao que consta no plano estratégico da estatal.

"Esse excesso de dividendos é atípico", diz Borges.

Ele nota que, tanto no caso do PSI como no dos dividendos da Petrobrás em 2023 e 2024, o resultado não é favorável à gestão petista (nem à bolsonarista, no caso dos dividendos em 2021 e 2022). Isso mostra, segundo o economista, que a nova metodologia é eminentemente técnica, e não foi concebida para lustrar o desempenho de nenhuma corrente política no governo.

A terceira grande mudança metodológica foi o trabalho de medir a elasticidade da receita pública não só ao PIB, mas também ao ciclos de preços de commodities importantes para o Brasil como petróleo e minério de ferro.

Esse trabalho incluiu levar em conta que as compensações tributárias dobraram aproximadamente de volume nos últimos anos por causa da "tese do século" (exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS-Cofins). Esse aumento é não recorrente e deve acabar em cerca de dois anos, à medida que as empresas esgotem o estoque de PIS-Cofins pago a mais - e que vem gradativamente sendo deduzido da sua tributação corrente - segundo a tese do século.

Publicidade

Sem levar em conta esse fator, pode parecer que a receita tem elasticidade em relação ao PIB menor do que de fato possui, porque nos últimos anos ela foi mais baixa do que seria em função do aumento das compensações tributárias.

Em relação aos ciclos de commodities, Borges aponta que "o principal achado foi que as receitas são muito mais sensíveis aos ciclos de minério de ferro e de petróleo do que se pensava antes".

Ele nota que as receitas que flutuam em consonância com os movimentos do preço do petróleo não são apenas os royalties e a participação especial, o que é a visão convencional. Os ciclos do preço da matéria-prima também afetam de forma considerável, via combustíveis, tributos como ICMS e PIS-Cofins. Adicionalmente, o frete rodoviário, responsável por grande parte do transporte de mercadorias no País, dissemina os efeitos das flutuações do petróleo por uma grande variedade de setores.

Segundo Borges, um ponto adicional importante para que se possa fazer o devido proveito do aperfeiçoamento metodológico do cálculo do resultado fiscal é entender quatro diferentes enfoques.

O primeiro deles é o resultado fiscal observado (sem nenhum ajuste), divulgado pelo Tesouro Nacional e pelo Banco Central.

Publicidade

O segundo é o chamado resultado primário recorrente, do qual são descontadas receitas e despesas atípicas. Por exemplo, em 2016 ocorreu uma grande rodada de regularização de ativos brasileiros no exterior, que gerou uma arrecadação adicional de R$ 50-60 bilhões, atípica e não recorrente. É justamente esse tipo de lançamento (que pode também ser uma despesa) que é retirado do resultado recorrente.

Esses dos primeiros conceitos de resultado fiscal não têm ainda nenhum tipo da ajuste aos ciclos da economia, nota Borges. Os outros dois têm.

O primeiro é o resultado fiscal estrutural (RFE), que é o resultado primário recorrente descontado dos efeitos estimados dos ciclos do PIB e das matérias-primas. O segundo é o resultado fiscal ajustado pelo ciclo (RFAC), que é o resultado primário observado descontado dos efeitos dos ciclos, mas não dos itens não-recorrentes.

O economista nota que eles têm funções distintas, e muitas vezes são embaralhados.

O RFE deve ser usado para avaliar a postura da política fiscal em relação à sustentabilidade das contas públicas e da dívida pública. É por isso que, além de ser ajustado pelo ciclo, ele exclui receitas e despesas não recorrentes, pois são as rubricas recorrentes que dão o tendência da solidez (ou não) das contas públicas no médio e longo prazo.

Publicidade

Já o RFAC visa avaliar o impacto fiscal sobre a demanda agregada, e por isso, ele faz o ajuste cíclico, mas não exclui receitas e despesas recorrentes. Por exemplo, em 2020, ano da pandemia, o Brasil teve um adicional de déficit primário de mais de 6% do PIB, em função de medidas sanitárias e econômicas extraordinárias. Mas esse resultado nada teve a ver com a tendência da política fiscal de médio e longo prazo, sendo um evento único e que não se repetiu. Do ponto de vista de avaliar a responsabilidade fiscal do governo, não faria sentido tratar o déficit de 2020 como o de outro ano qualquer. Já o REF, que retira os itens não recorrentes, faz muito mais sentido nesse caso.

No sentido de impulso à demanda, entretanto, qualquer gasto importa, e o enorme aumento do déficit em 2020 provavelmente ajudou o Brasil a reduzir em muito a queda inicialmente esperada do PIB para um resultado de -3,3% (que, comparado ao impacto da pandemia na maioria dos países, foi razoavelmente bom).

É por meio do RFAC que se define se a política fiscal é anticíclica (hiato negativo e impulso positivo, ou vice-versa) ou pró-cíclica, quanto tanto o hiato como o impulso fiscal são ou positivos ou negativos. O melhor em quase todos os contextos é que a política fiscal seja anticíclica.

Borges faz uma ressalva de que o RFAC mencionado pela SPE ainda é, nessa primeira versão, uma abordagem bem simplificada do efeito da política fiscal sobre a demanda. O economista Manoel Pires, seu colega no IBRE, está neste momento trabalhando numa estimativa do impulso fiscal mais refinada, que leva em conta que diferentes tipos de gastos públicos têm diferentes impactos na demanda (a depender dos chamados "multiplicadores), e também as defasagens entre os impulsos e seus impactos na demanda.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Publicidade

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 7/1/2025, quarta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.