Economia e políticas públicas

Opinião | Estímulo ao consumo na China: mais fácil falar do que fazer

Governo chinês finalmente reconhece oficialmente o grande problema econômico da falta de demanda, que se tornou prioridade número um em 2025. Mas, por enquanto, há poucos sinais concretos de construção de uma seguridade social efetiva, que retire o temor do cidadão chinês em relação ao seu futuro econômico.

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Foto do author Fernando Dantas

Depois de muito relutar, a China parece afinal estar admitindo que tem um grande problema de demanda. Por ocasião da divulgação das metas econômicas de 2025, na primeira semana de março, foi estabelecido que promover o consumo doméstico será a prioridade número um de 2025.

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A economia chinesa vem maravilhando o mundo pela capacidade de competir de igual para igual com o que há de mais avançado no mundo ocidental, incluindo os Estados Unidos - e por vezes inclusive superando os países ricos tradicionais. Seja em equipamentos de energia renovável, veículos elétricos, trens de alta velocidade e, agora, inteligência artificial, parece não haver área em que os chineses não consigam penetrar e, frequentemente, dominar.

Mas há um temor de que a China esteja entrando - ou já tenha entrado - numa armadilha de liquidez, como a que tomou conta do Japão a partir da virada dos anos 80 para os 90. De forma semelhante, os dois países construíram seus milagres econômicos com base em muita poupança, exportação de manufaturados e investimentos maciços em infraestrutura - uma receita que tem como contrapartida o fraco consumo doméstico.

Ambos, cada um a seu tempo, tiveram booms nos mercados acionário e imobiliário que, a partir de certo ponto, desandaram. No Japão, houve um padrão claro de "estouro de bolha" na virada dos anos 80-90. Na China, o processo é mais estendido, mas a direção parece ser a mesma. E ambos os países se viram, em seguida, às voltas com o problema de inflação baixíssima e/ou deflação. Em termos estruturais mais profundos, a baixa natalidade (problema de ambos os países) e o crescimento populacional negativo também compõem a armadilha de estagnação deflacionária.

Não à toa se fala hoje em risco de "japonização da China". É interessante lembrar que o Japão, no final da década de 80, também maravilhava o mundo com seus avanços tecnológicos e industriais, e era visto com um rival dos Estados Unidos. A diferença é que, sendo o Japão democrático e aliado do bloco ocidental, a rivalidade nipo-americana não tinha o caráter belicoso da disputa entre Estados Unidos e China.

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É verdade que, diferentemente do Japão, a China está longe da estagnação econômica, crescendo ao ritmo de 5% ao ano, a se dar crédito às estatísticas econômicas do país. Mas esse ritmo representa já uma queda significativa ante o crescimento em torno de 10% sustentado por décadas durante o milagre chinês. O Japão já era um país de renda alta quando seu crescimento minguou. O medo na China é que uma eventual desaceleração continuada leve o país a estagnar antes de atingir o padrão médio de vida dos países avançados.

O economista Livio Ribeiro, sócio-fundador da consultoria BRCG, e especialista em China, considera que, no curto prazo, a China está bem posicionada para cumprir a meta de crescimento em torno de 5% de 2025 - na verdade, ele considera que será até menos difícil do que cumprir a mesma meta em 2024.

A razão é que o carregamento estatístico de 2025 é maior e o governo chinês de antemão - possivelmente já se contrapondo ao choque das medidas de Trump - acionou ou programou diversas estratégias de estímulo monetárias, fiscais e creditícias.

Já em relação à "prioridade número um para o consumo", Ribeiro é mais cauteloso.

Ele até considera um bom sinal que o governo chinês finalmente tenha assumido publicamente que este é o problema.

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A relutância oficial chinesa em relação a esse tema pode estar ligada à visão negativa do líder Xi Jinping sobre o que seriam os excessos de benevolência do estado de bem-estar de grande parcela dos países ocidentais - e obviamente a posição do presidente deve coincidir com a de parcela relevante do establishment chinês. Mas esta é uma questão complexa de economia política, sobre a qual somente é possível especular.

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Concretamente, o plano para dinamizar o consumo chinês é composto por uma longuíssima lista de diretrizes, que inclui tópicos como promover aumento de salários, ampliar a renda do campo, aumentar a natalidade, incrementar transferências de renda, previdência e saúde pública, expandir serviços culturais e o turismo, estabilizar o mercado imobiliário, reforçar o direito a descanso dos trabalhadores, fortalecer o crédito ao consumidor etc.

Na interpretação de quem vê a carência de demanda como o maior problema econômico chinês (como Ribeiro), o consumidor do país poupa muito pelo temor quanto à sua renda futura, reforçado no caso dos jovens pelo alto desemprego nessa faixa etária. A queda do valor dos imóveis reduziu drasticamente o patrimônio de muitas famílias (já que o investimento imobiliário predomina como forma de poupança), ampliando o medo de se cair na pobreza e de não ter como prover para si mesmo na velhice - o que dirá de incorrer nos grandes gastos de criar filhos.

Em relatório recém-lançado da BRCG, Ribeiro aponta que o problema dessa nova disposição da China de bancar o consumo é que os diagnósticos parecem corretos, mas não há clareza sobre "como e quando novas políticas públicas serão postas em marcha, bem como os orçamentos a elas alocados".

Ele também identificou certo "déjà-vu" no plano, à medida que se reuniram diversos anúncios de iniciativas que já tinham sido divulgadas pelo governo chinês de forma dispersa - e, novamente, sem detalhamentos sobre implementação.

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"O grau de atenção do governo ao problema do consumo interno aumentou, o que é favorável, mas uma atuação decisiva e efetiva ainda nos parece (muito) distante", conclui o analista.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 19/3/2025, quarta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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