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Economia e políticas públicas

Opinião|Governo inverte lógica tradicional do contingenciamento

Como bloqueio preventivo de R$ 47 bilhões anunciado recentemente, equipe econômica reserva espaço para cortar mais gastos até o fim do ano, enquanto no passado o mais comum era contingenciar fortemente no início do ano, para eventualmente liberar mais despesas ao longo do exercício.

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Foto do author Fernando Dantas

O contingenciamento/bloqueio de R$ 15 bilhões do orçamento anunciado pelo ministro Fernando Haddad em 18/7 trouxe a novidade, por meio do decreto de programação orçamentária e financeira assinado por Lula em 31/7, do bloqueio "preventivo", até nova reavaliação em setembro, de aproximadamente R$ 47 bilhões de despesas discricionárias. Esse valor inclui os R$ 15 bilhões, dos quais R$ 11,2 bilhões foram bloqueados (para cumprimento do limite de despesa do arcabouço fiscal) e R$ 3,8 bilhões contingenciados (para cumprimento da meta de resultado primário).

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O bloqueio preventivo na prática impede que seja gasto antecipadamente todo o orçamento discricionário federal do último trimestre de 2024. A medida visa garantir gordura caso o governo decida aumentar o contingenciamento para cumprir a meta de resultado primário zerado este ano, com margem de tolerância de déficit de até -0,25% do PIB. As decisões sobre contingenciamento e bloqueio costumam ser feitas após a divulgação dos Relatórios de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias, publicação bimestral do Tesouro.

Manoel Pires, coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do IBRE-FGV, aponta que o bloqueio preventivo é um sistema de racionamento da despesa primária discricionária, que teve execução muito acelerada no primeiro semestre.

O problema da execução acelerada é que, se e quando o governo decidir contingenciar ou aumentar o contingenciamento, os cortes acabam tendo que incidir sobre um volume menor de gasto orçado, com menos espaço de manobra para poupar as áreas mais essenciais da máquina pública.

Pires, que já ocupou posições em equipes econômicas federais, nota que, no primeiro quadrimestre - e, portanto, excluindo os gastos com o Rio Grande do Sul -, as despesas discricionárias cresceram 21,2% em termos reais ante o mesmo período de 2023. O economista considera provável que a área econômica do governo tenha sentido o problema de redução demasiadamente rápida do espaço para eventual contingenciamento adicional, ao se debruçar sobre como operacionalizar o bloqueio/contingenciamento de R$ 15 bilhões anunciado recentemente.

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Cumprir a meta de resultado primário de 2024 hoje parece para vários analistas como algo bem menos impossível do que se julgava no início do ano. Pires, contudo, ainda considera um objetivo bastante desafiador.

Na Lei Orçamentária Anual (LOA), a projeção de receita primária total era de R$ 2,719 trilhões, enquanto na terceira avaliação bimestral (divulgada em julho) o número caiu para R$ 2,898 trilhões. Já na área de despesa, diversos itens importantes estão vindo não só acima das projeções otimistas do governo, mas até de analistas como Pires. Ele projetava um gasto com o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) em 2024 de R$ 922 bilhões, e hoje vê o gasto subindo até o fim do ano acima de R$ 930 bilhões. O mesmo ocorre em relação ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), custoso programa social voltado a idosos e deficientes na pobreza.

Pires observa que a política orçamentária de 2024, com o bloqueio preventivo recém-anunciado, de certa forma inverte a lógica tradicional dos contingenciamentos no Brasil. O usual era fazer um contingenciamento grande no início do ano, e ir relaxando - isto é, liberando parcelas contingenciadas - à medida que os resultados permitissem. No caso de 2024, um contingenciamento possivelmente insuficiente só foi anunciado no início do segundo semestre, e criou-se o bloqueio preventivo para permitir aumentar o congelamento de gastos caso seja necessário.

O pesquisador do IBRE considera que a medida mostra que o governo está empenhado em tentar cumprir a meta de primário este ano, e ela tem a vantagem de aumentar o controle da execução orçamentária. Do ponto de vista da qualidade das políticas públicas, porém, o economista vê como negativo o fato de os recursos das diversas pastas ficarem bloqueados e serem potencialmente contingenciáveis. A razão é que isso tira a previsibilidade dos gestores das políticas públicas. Mas esse é um problema mais de fundo, sobre como a política orçamentária é feita no Brasil, e Pires acredita que o Ministério do Planejamento esteja atento à questão.

Um último ponto levantado pelo economista é que o aumento forte de gasto no primeiro semestre, configurando uma política fiscal mais expansionista, pode ter ocorrido em parte pelas preocupações do governo com o risco de recessão. Agora, porém, o governo perdeu espaço de manobra para fazer o mesmo no segundo semestre, com a possibilidade em aberto de que o contingenciamento aumente.

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Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 6/8/2024, terça-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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