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Economia e políticas públicas

Opinião|Haddad e o momento "eureka" de Lula

Ministro da Fazenda deve aproveitar oportunidade oferecida pela "descoberta" de Lula de que ricos se apropriam de um grande naco do orçamento brasileiro. E não importa que esse naco tenha dobrado de tamanho durante um período quase todo do PT no poder. O foco deve ser no futuro, não no passado.

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Lula descobriu subitamente - "de repente, você descobre (...)", para repetir ipsis litteris o que o presidente disse em entrevista à CBN - que o orçamento brasileiro é saqueado pelos ricos. O momento de "eureka" ocorre no seu décimo ano como presidente da República, e aproximadamente ao final do 15º ano da experiência do seu partido no controle do Executivo nacional.

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Na entrevista à CBN, Lula voltou à carga contra os quase R$ 550 bilhões anuais de renúncias tributárias, citando explicitamente isenção de quase R$ 60 bilhões para a agricultura e de R$ 32 bilhões para o setor de combustíveis. Assim, segundo o presidente, o ajuste fiscal não pode ser jogado em cima do "aposentado, da dona de casa, da empregada doméstica".

Lula citou também corretamente que a desoneração da folha salarial para 17 setores econômicos não se justifica por critérios sociais e econômicos.

Olhando para o futuro, e não para o passado (e essa sempre é uma postura mais construtiva e relevante), estamos diante de um potencial bom momento do governo Lula. Se conselho fosse bom a gente cobrava, e não dava de graça, reconhece o colunista, mas se eu estivesse no lugar de Fernando Haddad e sua equipe eu montaria o mais rápido possível um programa factível e robusto de redução de subsídios para ser tocado assim que possível - aproveitando a epifania presidencial, que dada a proverbial volatilidade do discurso de Lula, pode não ser muito duradoura.

Mas é preciso alertar que essa não é uma agenda nada fácil. O economista Bráulio Borges, da consultoria LCA e do think tank IBRE-FGV, especialista em temas fiscais, e que recentemente teve artigo sobre as contas públicas elogiado por Haddad, menciona que o grande salto dos subsídios se deu ao longo da primeira década deste século e o início da segunda, com o PT no poder quase o tempo todo. Foi-se de algo como 2,5% do PIB para cerca de 5%, com um modesto recuo recente para cerca de 4,5% do PIB.

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No entanto, é simplista dizer que esse é um "problema criado pelo PT". Na verdade, os lobbies de setores econômicos são fortíssimos no Legislativo, e os parlamentares brasileiros têm grande prazer (e não só isso) em apoiá-los. Com uma ideologia mais agressiva de política industrial a partir de certo momento do segundo mandato de Lula, e no primeiro de Dilma, juntou-se a fome com a vontade de comer.

O descontrole político que levou ao impeachment também contribuiu para a farra da desoneração puxada pelo Congresso, com medidas - como recorda Borges - como a superampliação do Simples, maior programa em termos de renúncia fiscal, e a prorrogação da Zona Franca de Manaus (segundo maior) até 2073 sendo aprovadas nos estertores pré-impeachment do governo Dilma. No Simples, não só o limite de faturamento aumentou, mas também as categorias que podem aderir ao programa foram ampliadas, incluindo humildes batalhadores como advogados e economistas, entre outros.

"A boiada passou, e em flagrante desrespeito ao artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que obriga a que se aponte fonte compensatória de recursos para novas despesas ou redução de tributos", critica Borges.

Aliás, em prova de que fazer favor aos ricos é algo que atravessa nosso arco ideológico, da esquerda à extrema-direita, houve também no governo Bolsonaro muitas medidas de isenção, partindo do Congresso (já que o então presidente praticamente abriu mão de coordenar o Legislativo em parte considerável do seu mandato) ou do próprio Executivo em desesperados movimentos eleitoreiros.

Em relação especificamente às contas mencionadas por Lula à CBN, Borges observa que metade dos R$ 60 bilhões de isenções à agricultura citadas pelo presidente são desoneração da cesta básica, ampliada no governo Dilma.A boa notícia é que não só essas isenções mas diversas outras - cerca de 25% dos mais de R$ 500 bilhões em renúncias tributárias - vão acabar junto com os regimes especiais por determinação da reforma tributária.

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Por outro lado, nota Borges, isso também limita o quanto o governo pode "ganhar" dos supostamente  abocanháveis R$ 500 bilhões do orçamento hoje apoderados pelos ricos, já que a ideia da reforma tributária é aumentar a base para reduzir na medida do possível a alíquota da tributação do consumo.

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Outro ponto de Borges é que o setor agro brasileiro tem um volume muito grande de subsídios financeiros (empréstimos com juros abaixo do mercado) em diversos programas, e isso não está na conta de R$ 60 bilhões de Lula. Bom alvo para Haddad e companhia, já que a agropecuária nacional é uma espécie de campeã mundial que não precisa de ajuda para triunfar.

Mas talvez o evento recente mais emblemático da contradição ideológica de Lula ao atacar os subsídios - como analisado em coluna de Bruno Carazza, no jornal Valor Econômico - seja a aprovação há poucos dias, com apoio do PT e da base do governo, da ampliação e prorrogação também até 2073 (deve haver algo mágico em relação a essa data) das renúncias fiscais para semicondutores e tecnologia da informação, algo em torno de R$ 8 bilhões anuais.

A coluna, entretanto, volta em sua conclusão ao ponto já feito acima. Olhar o futuro é mais importante do que reclamar sobre o passado (mesmo o recentíssimo, como o caso dos semicondutores). Se Lula está mesmo disposto a tirar os ricos do Orçamento, Haddad e turma devem apresentar um plano crível e racional o quanto antes.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

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Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 25/6/2024, terça-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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