A China está brilhando no cenário internacional com os números surpreendentemente fortes em novembro de produção industrial, varejo, investimentos e exportações, conforme analisado em coluna de 16/12 por Fábio Alves, do Broadcast.
Mas outra área em que indicadores chineses recentes tiveram resultados muito significativos, com impacto global (Brasil inclusive), é a inflação.
Há alguns dias, foi divulgado que o índice de inflação ao consumidor (CPI, na sigla em inglês pela qual é conhecido internacionalmente) da China nos 12 meses até novembro foi de -0,5%. Isto é, houve deflação no ano até novembro.
Em fevereiro, o CPI chinês em 12 meses bateu em 5,2%. Como se vê, houve forte desinflação durante 2020, que chegou à deflação em novembro.
Essa é uma história em grande parte de alimentos, mais especificamente de proteínas, e ainda mais especificamente de suínos.
Como já abordado neste espaço, depois da enorme pressão nos preços por conta da gripe suína a partir de 2019, esse mercado está em franca normalização em 2020.
No CPI chinês de fevereiro, que refletiu plenamente os problemas de oferta de carne de porco, os alimentos subiram 22% e os suínos tiveram alta estratosférica de 135,2%. Sempre na leitura do ano até a data em questão.
No CPI de novembro, os alimentos tiveram deflação de 2%, puxada pela queda de 12,5% dos suínos. A carne bovina subiu 4,2%.
A inflação de serviços também se manteve baixa no CPI chinês de novembro, em 0,3%, e houve deflação de 1% em bens (puxada pelos alimentos).
O economista Livio Ribeiro, especialista em China do Ibre-FGV, nota que a baixa inflação de serviços e os núcleos estáveis da inflação ao consumidor na China indicam que há amplo espaço para uma política monetária expansionista em 2021, caso as autoridades econômicas julguem adequado.
Em 2020, acrescenta Ribeiro, "houve uma descompressão muito grande no poder de compra dos chineses". A razão é justamente a queda da inflação.
O economista observa que a China está dessincronizada da maioria das economias do mundo tanto em termos de crescimento, que será positivo em 2020, quanto de inflação, em que já acontece uma grande queda.
Ribeiro considera, inclusive, que deve haver uma "brutal desaceleração inflacionária" no mundo em 2021, que deve chegar ao Brasil em meados do ano que vem.
O ponto de partida é efetivamente a normalização da oferta suína na China, depois do processo de criação de novas matrizes. Mas ele nota que os impactos em cadeia desse movimento no resto do mundo são muito poderosos.
Em termos de suínos, explica Ribeiro, "a China é praticamente um monopsônio". Assim como monopólio designa um mercado com apenas um comprador, um "monopsônio" significa um só comprador.
Evidentemente, a China não é o único comprador de suínos no mundo, mas a sua demanda é tão gigantesca em relação à oferta global que, na prática, seu mercado determina os preços do mundo.
Como há alguma substituição entre as diferentes proteínas, o preço dos suínos deve trazer para baixo também outras carnes, como a bovina.
Mas Livio nota que o impacto vai além, e pode afetar também as principais commodities agrícolas, pela via das rações. A deflação de suínos na China indica que há excesso de oferta, o que reduz a perspectiva de produção à frente, e afeta negativamente o preço das rações e seus ingredientes. As principais commodities agrícolas, com soja, milho e trigo, também estão interligadas.
Segundo o economista, "os futuros de soja já caem bastante para 2021, os de milho e trigo estão relativamente estáveis, e os de bovinos e suínos sinalizam desaceleração importante durante o primeiro semestre de 2021".
Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 17/12/2020, quarta-feira.
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