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Economia e políticas públicas

Opinião|Lula e a armadilha venezuelana

Cientista político Octavio Amorim Neto, frisando (há uma semana) que ainda era preciso esperar para entender precisamente posição do Brasil em relação a Maduro, aponta riscos de apoiar ditador, inclusive para o Mercosul.

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Foto do author Fernando Dantas

O posicionamento ambíguo do governo Lula em relação às eleições na Venezuela, com inúmeros indícios de fraude, é difícil de entender em termos de cálculo político, na visão do cientista político Octavio Amorim Neto, da EBAPE-FGV.

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Ele ressalva, no entanto, que não se pode dizer ainda que o Brasil se alinhou completamente ao ditador Nicolás Maduro. Na visão de Amorim Neto, formalmente a posição do governo brasileiro é semelhante à dos Estados Unidos e de vários países europeus, no sentido de demandar as atas eleitorais antes de reconhecer qualquer novo governo na Venezuela. O telefonema de Joe Biden a Lula e o posterior comentário do presidente americano sobre a ligação mostram que Washington não explicitou nenhum conflito com o Brasil em relação ao posicionamento sobre a Venezuela - e, inclusive, conta com o governo de Lula para buscar uma solução.

O problema, porém, é que a posição formal do Brasil vem acompanhada de outras manifestações com peso oficial ou quase oficial: as declarações de improviso de Lula, dando conta de que há "normalidade" na Venezuela, a nota do PT reconhecendo a eleição de Maduro e as obscuras tratativas do assessor especial de Lula para relações exteriores, Celso Amorim.

No plano principal, destaca Amorim Neto, a diplomacia brasileira, sob o comando do ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, trabalha para articular um posicionamento comum dos três países mais populosos da América Latina: Brasil, México e Colômbia. O cientista político vê um quarto ator nessa configuração, Washington, que está tratando da crise da Venezuela com cautela e parece querer que os grandes atores regionais entrem de forma decisiva no problema.

O pesquisador da EBAPE vê o quadro do papel brasileiro na crise venezuelana como ainda muito enevoado, e diz manter a esperança de que Lula e o PT se desvencilhem do apoio à ditadura bolivariana, que tende a se tornar cada vez mais dura e repressora.

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Mas ele não ignora a possibilidade de que isso não ocorra: "Se ao fim e ao cabo o governo brasileiro passar para a opinião pública nacional e mundial que é um aliado de Maduro vai ser muito ruim, e pode inclusive trazer um período de glória para o bolsonarismo", comenta Amorim Neto.

Para o cientista político, o PT é um partido socialdemocrata, mas com uma política externa discrepante, que parece saída de algum partido comunista antiamericano da América Latina nos anos 50 e 60.

Amorim Neto diz que, desde o início da crise eleitoral na Venezuela, vem conversando com muitos pesquisadores brasileiros e de fora do Brasil, e não encontrou nenhuma explicação convincente sobre por que Lula e o PT - caso o apoio incondicional a Maduro acabe sendo a postura definitiva - escolheriam incorrer no enorme custo político desse posicionamento.

Particularmente grave, para Amorim Neto, é o fato de a Venezuela (ela mesmo um membro suspenso do Mercosul) ter rompido relações diplomáticas com a Argentina e o Uruguai, dois participantes do Mercosul.

"O Mercosul é a principal plataforma diplomática brasileira, e como pode o presidente Lula dizer que está tudo normal quando a Venezuela rompe relações com dois países do Mercosul?", indaga-se Amorim Neto.

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Ele acrescenta que o caso do regime ditatorial da Venezuela, do ponto de vista brasileiro, é muito diferente de outras ditaduras com as quais o Brasil mantém boas relações, como Cuba e Angola.

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A razão é que a Venezuela chegou a ser incorporada ao Mercosul (com suspensão em 2017) e firmou um acordo com os membros do grupo pelo qual se comprometia a manter o regime democrático. Além disso, é um país que tem uma grande fronteira com o Brasil, que já recebeu centenas de milhares de imigrantes em função do prolongado caos socioeconômico venezuelano.

O retorno de uma Venezuela democrática para o Mercosul, do ponto de vista do Brasil, seria uma vitória diplomática e uma grande oportunidade econômica, já que o fim do atual regime traz a possibilidade de um reerguimento da economia venezuelana.

Toda a lógica, portanto, concorre para que o governo de Lula não embarque no apoio a um governo que pode degenerar para uma ditatura totalmente sem disfarces como a da Nicarágua, algo que, para Amorim Neto, "iria destruir o capital político de Lula e do PT". Como se sabe, porém, nem sempre a lógica prevalece na política.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

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Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 31/7/2024, quarta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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