PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Economia e políticas públicas

Opinião|Milei: boas notícias na economia, mas momento político é delicado

Sucessos do presidente argentino em termos de redução da inflação, incrível melhoria fiscal e dólar sob controle (por enquanto) vêm junto com rateada nos índices de popularidade, diante do enorme sacrifício social do seu ajuste econômico. A coluna conversou com Fabio Giambiagi.

PUBLICIDADE

Foto do author Fernando Dantas

O presidente argentino Javier Milei tem colhido uma safra de boas notícias econômicas, mas vê sua popularidade balançar, o que pode vir a ser um problema para a governabilidade e suas ambições eleitorais futuras. A análise é do economista Fabio Giambiagi, pesquisador associado do IBRE-FGV, que como brasileiro e argentino acompanha com lupa a situação do país vizinho.

PUBLICIDADE

O pesquisador nota que é difícil obter análises isentas na Argentina, onde grande parte dos economistas e analistas estão envolvidos com a polarização passional da política no país, da qual Milei é o maior emblema, com sua comunicação disruptiva e extremamente violenta.

De qualquer forma, Giambiagi nota que o presidente argentino tem três sucessos inequívocos na economia, ligados entre si.

O primeiro deles é na inflação, mesmo que ainda seja a mais alta da América Latina. Para exemplificar esse sucesso, Giambiagi menciona a pesquisa Relevamiento de Expectativas de Mercado (REM), do Banco Central da República Argentina (BCRA). O economista explica que o REM é similar ao Focus do BC no Brasil (pesquisa de expectativas de mercado), mas enquanto este é semanal, o argentino é mensal.

No REM de janeiro, a expectativa de inflação para março deste ano era de 15,3%, mas o número veio em 11%. No mesmo REM, a expectativa para julho era de 8%, e o resultado foi de 4%. O REM só prevê sete meses à frente. Assim, a primeira projeção para a inflação de setembro foi no REM de março, e foi de 6,2%. O resultado, comemorado recentemente por Milei e seus fãs, foi de 3,5%.

Publicidade

"Com a inflação vindo sempre abaixo das projeções, seria má fé negar sucesso nessa área", diz Giambiagi.

Na área fiscal, os resultados também surpreendem. Milei assumiu a presidência em 10 de dezembro de 2023 e, portanto, 2024 é seu primeiro ano de governo. Segundo dados do FMI, o resultado primário saiu de -1,85% do PIB em 2023 para projetados +2,2% este ano.

Giambiagi explica que, com a robusta institucionalidade de indexação do Brasil, o cavalo de pau fiscal de Milei seria virtualmente impossível. Em termos político-sociais de tempos normais na maioria dos países, tampouco seria factível.

As despesas primárias este ano tiveram uma queda real de 29%, as despesas previdenciárias reais despencaram 22%, as transferências negociadas (isto é, não constitucionais) para as províncias desabaram 69%, e o investimento foi para o fundo do abismo, com queda de 79%. Todos esses números se referem ao acumulado de janeiro a agosto de 2024 em relação ao mesmo período de 2023.

Essa queda tremenda no valor das aposentadorias, junto com outros elementos do ajuste fiscal que batem no bolso da população, contrasta fortemente com o discurso de campanha de Milei, nota Giambiagi. Durante as eleições, o atual presidente dizia que o ajuste seria pago cortando na carne do sistema político, visto pela população argentina de forma extremamente negativa, como um ralo de dinheiro público.

Publicidade

O fato de que Milei sobreviva (pelo menos ainda) a um ajuste fiscal tão bizarramente drástico e nas costas da sociedade, com destaque para os pobres, se explica pelo "contexto de anomia, tanto da sociedade quanto da oposição, que foi estraçalhada, deixando Milei como rei absoluto", nas palavras do pesquisador do IBRE.

Todas as outras forças políticas da argentina estão muito enfraquecidas e corroídas por brigas internas, prossegue o economista. No entanto, visto que a popularidade de Milei começou a ceder e com eleições parlamentarem em 2025, poderia haver uma reorganização e o quadro poderia mudar, segundo Giambiagi.

O terceiro feito econômico de Milei é manter o dólar "supercontrolado" (até agora), o que na Argentina, explica o economista, é um fator forte em favor da "paz social" (que representa um contrapeso a muitos outros fatores que vão contra a "paz social" neste momento).

A partir desse ponto, Giambiagi lista os enormes problemas que Milei terá de enfrentar e superar se quiser se manter politicamente viável após as eleições parlamentares do próximo ano, e se reeleger em 2027.

Este ano, o primeiro do atual presidente, o PIB deve cair em torno de 4% e a pobreza argentina se elevou em cerca de 10 pontos porcentuais, superando 50% da população (comparado a 5% na infância de Giambiagi na Argentina dos anos 70).

Publicidade

O pesquisador do IBRE comenta que "a grande questão é quais serão os 'drivers' do crescimento a partir do ano que vem, o que suscita uma pergunta: o que significaria o governo 'ter sucesso' para fazer uma boa eleição? Por exemplo, 25% de inflação e 3 % de crescimento em 2025 seria um 'sucesso' ou um 'fracasso'"?

Giambiagi deixa claro que é difícil responder a essa pergunta, mas o início de perda de popularidade de Milei (embora o nível ainda seja bem razoável) indica que a parte menos fervorosa dos seus eleitores pode estar começando a se questionar. Será que as promessas de futuro melhor de Milei compensam perder 22% da sua aposentadoria, ou daquela de alguém próximo?

Para o Giambiagi, a personalidade política de Milei torna os seus problemas bem mais intratáveis.

Com enorme desprezo pelos políticos típicos do Legislativo argentino, o presidente delega a auxiliares as negociações no Congresso e se dedica a comandar uma máquina extremamente violenta de ataques e intimidações na internet e nas redes sociais não só aos principais adversários, mas a todos que não se rendam totalmente à agenda do governo.

Com uma linguagem de baixo calão e certa obsessão por tiradas sexuais as mais grosseiras possíveis, Milei reforça incessantemente um clima de amor e ódio e de polarização virulenta na sociedade argentina.

Publicidade

Giambiagi compara esse estado de coisas com a civilidade e a placidez da política no Uruguai, que vem sendo chamado de "a Suíça da América Latina". O problema, para o pesquisador, é que esse "clima" sociopolítico pode influenciar decisões de investimento, que olham para o médio e longo prazo. No Uruguai, mudanças no poder entre os principais partidos significam apenas correções de rota relativamente modestas da política econômica. Já na Argentina, uma eventual derrota de Milei pode ser a porta para a volta do populismo peronista, o que significaria mais um cavalo de pau de 180 graus na política econômica.

Adicionalmente, o economista vê certa perda do agudo senso que Milei tinha da psicologia social argentina e que colaborou para seu tremendo sucesso nas últimas eleições. Recentemente, a irmã do presidente (que faz as vezes de primeira-dama) e uma ex-atriz e apresentadora popular de TV postaram selfies eufóricos na Casa Rosada, em companhia de um cachorro de luxo, no mesmo instante em que se divulgava que a pobreza argentina havia passado de 50%.

Milei parece achar que é infinita a paciência do seu eleitorado com a combinação entre suas maluquices e o enorme sacrifício social que seu ajuste está impondo.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 11/10/2024, sexta-feira.

Publicidade

Opinião por Fernando Dantas
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.