PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Economia e políticas públicas

Opinião|O fantasma da recessão nos EUA

Efeitos de desaceleração na economia americana no Brasil podem ser variados: freada suave pode ser benéfica, por baixar juros globais, mas recessão intensa traria aumento de percepção de risco em emergentes com fragilidades.

PUBLICIDADE

Foto do author Fernando Dantas

Os números piores do que o esperado do mercado de trabalho norte-americano, divulgados hoje [1/8, sexta-feira], criaram o temor de que a economia dos Estados Unidos possa estar entrando numa recessão. Isso, por sua vez, teve fortes reflexos nas expectativas formadas em mercados e nas projeções dos economistas, na direção de um ciclo de corte de juros nos EUA mais intenso e profundo.

PUBLICIDADE

O economista Livio Ribeiro, da consultoria BRCG e do IBRE-FGV notou, quando foi entrevistado pela coluna um pouco mais cedo, que, naquele momento, a curva de juros norte-americana precificava quase 1,5 ponto porcentual (pp) de corte dos Fed Funds (taxa básica dos EUA, no momento entre 5,25% e 5,5%) nas próximas quatro reuniões do FOMC, comitê de política monetária dos Estados Unidos, até janeiro - incluindo um corte de 0,5pp na próxima reunião, em setembro.

Já alguns dos principais bancos americanos, como J.P. Morgan e Citi, divulgaram hoje que agora estão projetando cortes de 0,5pp tanto na reunião de setembro quanto na seguinte, em novembro.

Ribeiro vê exagero na reação do mercado, já que, na sua visão, os sinais sobre a atividade na economia dos EUA ainda são mistos. Há uma semana, a projeção preliminar do PIB do segundo trimestre (anualizada) veio em 2,8%, acima da expectativa de 2,1%, com o consumo forte evo núcleo do deflator do consumo das famílias ligeiramente mais elevado do que a previsão. Apesar de preliminar, nota o economista, essa projeção (do Departamento de Comércio) merece ser considerada.

O sócio-fundador da BRCG pensa que Jerome Powell, chairman do Federal Reserve (Fed, BC dos EUA), em sua comunicação mais recente (como a coletiva de imprensa de 31/7, após o Fed anunciar a manutenção dos Fed Funds em 5,25-5,5%), tem conduzido o processo da política monetária dos EUA na direção de induzir no mercado uma "hipersensibilidade assimétrica para dados correntes".

Publicidade

Ribeiro quer dizer que o mercado reage demais a dados que mostram resfriamento da economia americana, e de menos aos que mostram aquecimento. O pesquisador do IBRE cita os fatos de Powell ter deixado "correr solta" a precificação pelo mercado não só de corte em setembro, mas em várias reuniões a seguir; mostrado sua preferência por perder um pouco a mão na inflação comparado ao mesmo ocorrer em relação à atividade e ao mercado de trabalho, frisando que estava muito atento a sinais de aceleração mais rápida do desemprego; e mencionado que chegou a haver discussão sobre corte na reunião do FOMC de 30-31 de julho.

Assim, para Ribeiro, os números mais fracos do mercado de trabalho de hoje pegaram um mercado já com viés para baixo nas taxas de juros, algo alimentado pelo próprio chairman do Fed.

O economista Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central (BC), por sua vez, não acha que o súbito temor de uma recessão na economia norte-americana seja uma perspectiva particularmente alarmista.

Volpon aponta que atividade econômica e mercado de trabalho podem ter "não-linearidades". Para ele, "trancos e viradas súbitas de um lado para o outro são coisas que podem acontecer". Ele lembra que, logo antes da crise financeira global de 2008-09, que redundou na Grande Recessão no mundo desenvolvido, poucos previam que a economia ia para o buraco, com o índice S&P 500 próximo aos recordes históricos (até então) em meados de 2008.

Adicionalmente, argumenta Volpon, há outros indicadores recentes nos Estados Unidos sinalizando desaceleração, como o índice de confiança da indústria em território contracionista divulgado ontem.

Publicidade

Segundo o economista, se o Fed já soubesse dos dados de mercado de trabalho divulgados hoje durante a reunião do FOMC de 30 e 31 de julho, teria cortado os Fed Funds. Assim, o economista não vê como carta fora do baralho que uma recessão esteja para se iniciar (ou até já tenha começado, segundo os critérios de medição de ciclos econômicos) nos Estados Unidos.

PUBLICIDADE

A interpretação da conjuntura americana determina a visão tanto de Volpon quanto de Ribeiro em relação ao impacto no Brasil. Mas num ponto os dois parecem concordar: uma desaceleração ou recessão leve podem ser inofensivas (ou até positivas, segundo Volpon) para a economia brasileira, mas uma recessão inesperadamente forte nos Estados Unidos já se torna problemática.

Volpon, que trabalha mais com o cenário de desaceleração/recessão leve, considera que a rápida queda dos juros nos Estados Unidos seria benéfica para a moeda do Brasil e de outros emergentes.

Já em termos de fluxos para mercados acionários, ele aponta que a narrativa dominante até aqui da pujança americana atrai capitais para os EUA em detrimento de emergentes.

Em particular, Volpon aponta sinais preliminares de que excessos nas ações de crescimento ("growth", tipicamente de alta tecnologia, com o fenômeno Nvidia) podem estar começando a desviar fluxos destas para ações de "valor" ("value"), como indústria, commodities, finanças etc. Em termos da bolsa brasileira, com grande presença de empresas de commodities e do setor financeiro, essa mudança de foco é benéfica, na visão do economista.

Publicidade

Por outro lado, uma desaceleração americana pode impactar o preço de commodities. Assim, segundo Volpon, o cenário que não é de recessão leve e rápida, mas sim profunda e mais prolongada (piorando se houver crise financeira) mudaria a direção do impacto, que se tornaria negativo para o Brasil e diversos outros emergentes.

"Vamos cruzar os dedos, mas tudo indica que, se houver recessão, será leve", diz o ex-diretor do BC.

Ribeiro, por sua vez, considera que um corte de 0,5pp dos Fed Funds em setembro e novembro (projetado por grandes bancos americanos) seria compatível com "a economia americana emburacando", e, portanto, um mundo bem mais arriscado e hostil para o Brasil e emergentes.

Ele particularmente não vê esse cenário ocorrendo, mas considera que há um problema de sinalização excessivamente volátil dos principais bancos centrais do mundo. Essa instabilidade se traduz em oscilações fortes de indicadores vitais como câmbio e juros (não só nos Estados Unidos, mas mundo afora, como no Brasil) e acaba sendo prejudicial para o investimento e a economia.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Publicidade

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 31/7/2024, sexta-feira

Opinião por Fernando Dantas
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.