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Economia e políticas públicas

Opinião|O que explica a retórica econômica de Lula?

Analistas políticos veem desde tentativa de compensar para sua base eleitoral a falta de medidas de esquerda do governo a um jogo de "bad cop, good cop", em que Lula fala aos seus eleitores enquanto mercado ainda vê Haddad como salvaguarda.

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Foto do author Fernando Dantas

Neste espaço já critiquei várias vezes os ataques de Lula à política monetária em curso, e também suas constantes reclamações quanto ao que vê como excesso de preocupação fiscal por parte do mercado. Em termos econômicos, não há dúvida de que são posturas contraproducentes.

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Lula, porém, é uma raposa política, e seria ingênuo considerar que está cometendo erros primários como político. Na visão do analista político Ricardo Ribeiro, da LCA, esses acenos de Lula à sua base histórica de esquerda são importantes justamente porque o programa do Lula 3 não tem nada de particularmente esquerdista. O aumento das transferências de renda, é bom lembrar, já veio semipronto do governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro (Lula elevou mais um pouco).

"Já que não há nenhuma decisão marcante de esquerda, Lula tenta compensar para o seu eleitorado na base da retórica", analisa Ribeiro.

Ele acrescenta que "paradoxalmente, esse movimento pode se acentuar num momento que está antecedendo a adoção de medidas fiscais mais duras, que podem desagradar o eleitorado de esquerda".

O analista se refere à lista de sugestões fiscais pelo lado do gasto (incluindo o gasto tributário, que são a isenções fiscais e, portanto, de certa forma são pelo lado da receita) que vem sendo preparada pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento). O próprio Lula disse que nada está descartado a princípio.

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Ribeiro frisa que, pessoalmente, é crítico dessa estratégia de Lula, porque ela claramente está atrapalhando o governo a superar a crise de confiança em relação à política econômica. E aquilo que prejudica a economia acaba chegando no eleitor.

Já a cientista política Daniela Campello, da EBAPE-FGV, considera que, no caso das críticas de Lula ao presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, este último falhou no seu papel institucional ao se deixar associar politicamente a Tarcísio de Freitas, governador bolsonarista de São Paulo e no momento principal presidenciável da oposição.

"Campos Neto levantou a bola para o Lula cortar e questionar a sua credibilidade, independentemente de ele [Campos Neto] ser crível ou não", diz a pesquisadora.

Aliás, nesse ponto, ela tem visão semelhante à de Ricardo Ribeiro.

Quanto ao fato de Lula criticar o que vê como juros muito altos, Campello lembra que a independência do BC foi até útil ao atual presidente no último ano de Bolsonaro, quando a elevada taxa Selic não só foi mantida como aumentada pouco antes do primeiro turno.

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Ainda assim, Campello considera que, mais no início do seu governo, quando Lula investiu contra a alta taxa de juros, ele de certa forma conseguiu colocar o tema na agenda e receber algum apoio de formadores de opinião. O atual momento é menos propício para essa estratégia, para a cientista política, com a perspectiva de que os juros sejam mantidos nos Estados Unidos por mais tempo, o que provavelmente fará as reclamações de Lula reverberarem menos.

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Já na questão fiscal - diferentemente da monetária, em que a responsabilidade recai nos ombros do BC - Campello vê Lula numa tentativa de colocar pressão no Congresso. Para ela, o Legislativo é tão responsável (ou talvez irresponsável) nessa área quanto o Executivo, mas este último Poder acaba sempre sendo visto como o "culpado".

Campello também tem a impressão de que o mercado de certa forma entende o dueto tipo "bad cop, good cop", no qual Lula fala para outro público, isto é, seu eleitorado, enquanto Haddad tem o papel de se comunicar com o mercado e ainda é percebido como uma salvaguarda.

Ribeiro, numa visão complementar, vê Lula como um político tarimbado que sabe que, fora do discurso, não pode trombar de forma concreta, em termos de medidas, com o empresariado e o mercado, sob pena de prejudicar a economia e seu próprio governo.

Sendo assim, o analista acredita que devem vir algumas medidas na área fiscal e que a indicação do novo presidente do BC não será de forma a despertar um grande repúdio do mercado.

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Ribeiro avalia que "quando a diretoria do BC for toda petista, Lula deve amenizar suas críticas, e não creio que vamos ter um Banco Central amalucado".

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 21/6/2024, sexta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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