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Economia e políticas públicas

Opinião|Os diferentes impactos do super Bolsa-Família

Principal programa de transferência social do Brasil foi quadruplicado como proporção do PIB nos últimos dois anos, o que deve causar grandes mudanças sociais, econômicas, políticas e no mercado de trabalho.

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Nos últimos dois anos, com o Auxílio Brasil agora transformado de novo em Bolsa-Família, o Brasil quadruplicou aproximadamente o volume de recursos empregado no seu principal programa de transferência social, de cerca de 0,4% para 1,7% do PIB este ano.

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O benefício médio mensal saltou de valores entre R$ 150 e R$ 200, de 2013 a 2020, para R$ 705 em junho de 2023. O número de famílias atendidas, que era de 14,3 milhões em 2019, subiu para 21,2 milhões, atingindo mais de 54 milhões de pessoas.

É evidente que um programa de transferências sociais dessa magnitude tem grandes impactos sociais, econômicos e políticos. O enorme aumento do Bolsa-Família desde 2021, portanto, vai de certa forma mudar a cara da sociedade brasileira de múltiplas formas, que no momento apenas começam a se desenhar.

O efeito direto no bem-estar das famílias pobres é o mais evidente. Segundo o cálculo de Bráulio Borges, economista-sênior da consultoria LCA e pesquisador associado do IBRE-FGV, o valor do benefício médio mensal do Bolsa-Família como proporção da cesta básica da Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS) passou da média de 36,4% no período de janeiro de 2004 a outubro de 2021 para 93,9% em junho de 2023. O economista frisa que, para alguns dados desse cálculo, a estimativa do benefício médio, nem sempre fácil de obter, foi feita por ele.

A cesta básica da Abras é composta por alimentos e produtos de higiene e limpeza. Fica claro, portanto, que as famílias mais pobres do Brasil agora estão muito mais capacitadas a adquirir os bens mínimos para a sobrevivência numa sociedade moderna.

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Já os efeitos políticos do grande salto do Bolsa-Família transparecem em pesquisas de opinião pública como a que acaba de ser divulgada, sobre o governo Lula, pela Genial-Quaest. Comparando-se a resposta da rodada da pesquisa de fevereiro deste ano com a atual (junho), apenas entre as pessoas que ganham até dois salários mínimos houve aumento da proporção dos que veem melhora econômica nos últimos 12 meses (de 25% para 35%).

O público de até dois salários mínimos inclui a grande maioria dos beneficiários do Bolsa-Família (inclui também um largo contingente que não recebe o benefício, naturalmente).

Mas existem também preocupações quanto à grande expansão recente do Bolsa-Família. Uma das principais é relativa a gasto público e equilíbrio fiscal. O Brasil é uma espécie de campeão mundial de transferências previdenciárias e sociais como proporção do PIB, e está perto da lanterna mundial em termos de investimento público/PIB. Os tigres asiáticos (incluindo a China), que tiveram a mais espetacular performance de desenvolvimento socioeconômico no pós-guerra, fazem justamente o contrário.

Em termos mais específicos, a queda de mais de 1 ponto porcentual (pp) da taxa de participação (força de trabalho como proporção das pessoas em idade de trabalhar) desde o terceiro trimestre de 2022, exatamente quando o benefício médio do então Auxílio-Brasil saltou de cerca de R$ 410 para R$ 600, levantou por parte da alguns economistas a suspeita, ainda não comprovada, de que o alto valor da transferência possa estar desestimulando o trabalho.

Mais animador em termos da perspectiva dos efeitos futuros do Bolsa-Família turbinado é um recém-divulgado trabalho acadêmico, de diversos economistas, publicado na "The Review of Economic Studies" (Oxford University Press) sobre o conhecido programa social americano de "food stamps" (assistência alimentar).

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A pesquisa baseou-se em dados sobre 17,5 milhões de americanos que participaram do programa entre 1961 e 1975 e tem como principal achado o fato de que as crianças que tiveram maior acesso a recursos financeiros, em função dos food stamps, antes dos cinco anos de idade, vieram a ter melhores desempenho e resultado como adultos em termos de formação de capital humano, autossuficiência, qualidade do bairro da habitação, esperança de vida (mais 1,1 ano) e alguma redução da probabilidade de ser preso.

Fica claro, portanto, que um nível mínimo de segurança financeira em lares muito pobres contribui positivamente para o desenvolvimento da cidadania, especialmente das crianças. A grande questão, porém - e sempre presente no Brasil - é balancear custos e benefícios, diante de uma enormidade de outras prioridades de gasto de recursos públicos escassos num país com tanta pobreza e desigualdade.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 21/6/2023, quarta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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