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Economia e políticas públicas

Opinião|Pobreza cai dentro dos países há quase uma década

Novo trabalho acadêmico mede o quanto os ricos sub-reportam a renda, em relação aos pobres. E, com isso, calcula de forma mais precisa a tendência da desigualdade mundial nas últimas décadas.

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Foto do author Fernando Dantas

Com o enriquecimento veloz de países superpopulosos, como China e Índia, a desigualdade global caiu nas últimas décadas. Porém, exatamente porque a classe média operária dos países ricos passou a sofrer a competição da mão de obra muito mais barata dos gigantes asiáticos (e de outros emergentes), a visão mais comum é que a desigualdade "dentro dos países" - com destaque para os avançados - aumentou.

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Essa percepção foi reforçada pelo trabalho de um grupo de economistas liderados pelo francês Thomas Piketty, autor de "O Capital no Século XXI". Eles mostraram que a desigualdade aumentou em diversos países (principalmente avançados), ao incluírem a renda declarada ao Fisco em seus cálculos. A renda dos ricos declarada à autoridade tributária tende a ser bem menos sub-reportada do que a renda que informam nas pesquisas domiciliares, de onde tradicionalmente vinham as medições de desigualdade.

Mais recentemente, no entanto, os economistas americanos Gerald Auten e David Splinter publicaram numa prestigiada revista acadêmica um trabalho que mostra que a desigualdade nos EUA seria praticamente a mesma desde os anos 60. Eles também usaram dados da Receita americana, mas, com uma análise minuciosa, indicaram que diversos efeitos fizeram com que os números de Piketty e cia. não retratassem a realidade. Um - entre vários - deles é a maior facilidade de os ricos misturarem renda da empresa com renda da pessoa física no passado, fazendo com que naquela época parecessem menos ricos do que efetivamente eram, o que posteriormente levou a um "aumento" apenas no papel dos seus rendimentos quando, em tempos mais recentes, aqueles expedientes foram reprimidos com mais eficácia pela Receita dos EUA.

Mas a polêmica está longe de terminada. Piketty e seus colegas rebateram o artigo de Auten e Splinter dizendo que eles também não registraram o aumento da renda declarada dos pobres pelo avanço da formalização e que fizeram suposições pouco críveis sobre a distribuição da renda não taxada.

Agora, um novo trabalho acadêmico, dos economistas Maxim Pinkovskiy, Xavier Sala-i-Martin, Kasey Chatterji-Len e Will Nober, aponta que a desigualdade dentro dos países parou de subir e está caindo há quase uma década (até 2019, data de corte dos dados do trabalho). Eles também encontraram que a desigualdade global total (incluindo entre os países) também caiu no período analisado, o que já era de amplo conhecimento.

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A abordagem dos quatro economista utiliza tanto dados das Receitas quanto das pesquisas domiciliares. O "pulo do gato" do trabalho foi um método para estimar o quanto as pessoas com diferentes níveis de rendimento sub-reportam a renda nas pesquisas domiciliares. Eles obtiveram isso comparando os resultados da renda nas pesquisas domiciliares de determinadas regiões com a renda extraída do PIB regional, em que não há subestimação.

Conseguindo mensurar a sub-informação de renda de acordo com o nível de renda das pessoas, os autores puderam ajustar mais precisamente a comparação entre a renda dos ricos e dos pobres, pela qual se mede a desigualdade.

Um primeiro achado do trabalho é que os pobres também sub-reportam sua renda, e vem fazendo isso de forma crescente, à medida que se tornam "menos pobres" nos países com crescimento acelerado. Em segundo lugar, os autores verificaram que, mesmo corrigindo a tendência de os ricos sub-reportarem mais (o que mascara a desigualdade), o mundo ficou menos desigual nos últimos 40 anos. O terceiro e quarto resultados que os economistas destacam é que a desigualdade dentro dos países parou de subir e está caindo já há quase uma década, e que o mundo não só está reduzindo de forma rápida a extrema pobreza (até US$ 2,15 por dia por pessoa), mas também a pobreza definida por linhas de renda mais altas, de US$ 3,65 a US$ 6,85.

"Às vésperas da pandemia em 2019, o mundo estava rapidamente se tornando mais rico e menos desigual", concluem os autores.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

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Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 27/8/2024, terça-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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