Deve ser frustrante para Lula colher sucessivos resultados positivos naqueles indicadores econômicos aos quais ele sempre deu mais valor, como atividade econômica, taxa de desemprego e variação da renda, sem que isso se traduza na volta aos tempos mágicos do seu segundo mandato, quando sua popularidade subiu acima de 85%.
Agora foi a vez do PIB do terceiro trimestre, que veio ainda um pouco acima da expectativa mediana do mercado, que já era de crescimento robusto. O PIB do terceiro tri deste ano, comparado ao mesmo período de 2023, cresceu 4%, um ritmo que lembra a "era de ouro" do segundo mandato de Lula. O consumo das famílias e os investimentos vieram fortes, mostrando vigor nos dois principais pilares da atividade econômica.
Mas o "clima" nacional não parece refletir essa bonança, que também se estende ao emprego e à renda. Alguns podem dizer que a insatisfação é apenas do mercado financeiro, que jogou a cotação do dólar para cima de R$ 6 e determina juros reais altíssimos, em torno de 7% mesmo para prazos longos. Mas se isso é verdade, por que a popularidade de Lula trafega naquele mínimo aceitável para alguém que quer se reeleger (ou apontar um sucessor que se eleja), em vez de exibir uma gordura abundante mais compatível com a economia quase exuberante?
Uma possível resposta, claro, é a inflação, que roda nos 12 meses até outubro em 4,76%, acima do teto de tolerância de 4,5% (a meta é de 3%). E a inflação dos alimentos consumidos no domicílio, na mesma mensuração, está em 7,05%.
A interpretação mais corrente para a derrota de Kamala Harris por Donald Trump é a alta da inflação nos Estados Unidos, mesmo que, no momento da eleição, ela já tivesse recuado muito do pico de 9,1% em maio de 2022, para menos de 3% (em termos anualizados). A ideia é que o nível muito alto dos preços (mesmo com a inflação mais baixa) e o aumento maior dos itens mais baratos (relativamente aos mais caros) foram o veneno econômico que tirou a vitória dos democratas, mesmo com a atividade e mercado de trabalho "bombando".
Se há verdade nessa hipótese e se é válida a comparação entre Estados Unidos e Brasil, a inflação deveria ser a preocupação principal de Lula e seus conselheiros políticos. Porém, parece que a estratégia política do governo não consegue se despregar da visão de mundo que predominava no super bem-sucedido segundo mandato do atual presidente.
Por essa abordagem, o eleitorado tem que ser "comprado" com benesses bancadas pelo Estado, seja na forma de aumentos reais de aposentadorias, pensões e benefícios sociais (atrelados ao salário mínimo), seja pela superexpansão do Bolsa Família, seja pela reativação de bons programas como o Minha Casa Minha Vida ou a criação de outros, como o Pé-de-Meia, seja pela isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil.
Na revisão hoje do PIB de 2023 pelo IBGE, com o crescimento subindo de 2,9% para 3,2%, ou aumento das despesas de consumo do governo no ano passado saltou de 1,7% para 3,8%. O pé no acelerador fiscal, desde a PEC de Transição, parece ser a estratégia única do terceiro mandato de Lula para conquistar o apoio da maioria do povo brasileiro.
Muito se tem falado que, no país polarizado pós-Bolsonaro, o sucesso econômico já não seria suficiente para forjar uma confortável maioria eleitoral. Com certeza, apenas o bem-estar econômico não será capaz de trazer para um governo de esquerda a parcela mais inflamada do eleitorado que se identifica de forma quase existencial com a direita (e que surgiu no panorama da política nacional na esteira do bolsonarismo).
Mas ainda parece exagero dizer que a economia não "resolve" o problema de popularidade de um presidente, mesmo que não nos níveis acachapantes de alguns anos atrás. A inflação alta e a insegurança despertada em parte da população pela disparada do dólar e dos juros podem estar minando a confiança e o bem-estar que deveriam normalmente decorrer da economia e do mercado de trabalho aquecidos.
E equacionar o problema inflacionário hoje demanda enfrentar o problema fiscal com muito mais disposição e coragem do que Lula tem mostrado até agora. Essa não é a visão apenas do mercado financeiro. O demonizado Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, pensa assim, mas Gabriel Galípolo, o escolhido por Lula para presidir o BC dentro de algumas semanas, também pensa assim.
O problema é que enfrentar para valer o desafio fiscal significa quase inverter a lógica do período mais glorioso do primeiro governo Lula, pela qual governar bem é distribuir ao máximo benesses financiadas pelo Estado. O Brasil e o mundo mudaram (e, no caso do segundo, mais ainda agora com a eleição de Trump), mas o atual presidente do Brasil insiste em se agarrar a uma fórmula do passado, cujo poder mágico já se esgotou.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 3/12/2024, terça-feira.
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